Oh, no, no lo ves

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Wyrm

Oh, no, no lo ves


Ela subia as pedras para cima da cachoeira rasa que guiava o único caminho possível até a Seita. Suas mãos tocavam as árvores úmidas para alcançar o alto do terreno e sentir o que podia da natureza local. O exercício ao menos a ajudava a quebrar a cabeça de como sairia dali com o Blackwood que sofria na mão da Água Rasa. Sabia que estava sendo muito vigiada ela mesma, e a ligação foi um risco… Mas se Blackwoods sabiam da sua posição, talvez a solução estivesse a caminho.

– Você trouxe a baunilha?

Carolina era a Cliath, e George era seu companheiro de Alcateia. Os dois estavam na faixa dos quinze anos e eram lobos há uma semana. Estavam absolutamente encantados com a presença de Chiara… Uma Peregrina, um evento.

– Eu espero que seja para um Ritual de cura. Não é muito justo ferir tanto um Garou.

– É sim! – George disse – Ele está sem Fúria e perto da morte.

– Não pode mais reagir. Consegue nem falar. Jane nos permitiu que o curasse. – Completou Carolina.

– Cruel. – Chiara sorriu sem graça, caminhando entre os dois.

– Jane disse que ele terá que dar informações para nos proteger dos Dragões. Eles tem engolido outros Garou. – George lamentou.

Chiara estreitou o olhar e assentiu em silêncio.

– Credo. Eu tive até pesadelos! – Carolina se estremeceu.

– Se soubéssemos como matá-los… Oh, você vai cantar para nós? Você prometeu.
– É verdade!

Mas antes de uma resposta, os dois saíram correndo, esbarrando-se entre si ao se tornarem Lobos.

Ay, ay. – “Triste”. Passou pelo centro da Seita e recebia todos os olhares possíveis.
Chiara ela mesma não era uma loba discreta. Seu cabelo castanho estava preso no alto com um lenço vermelho e dourado que descia o laço por suas costas.

O tope que usava era do mesmo tecido vermelho com riscos dourados que lembravam um dragão oriental. As alcinhas pretas eram rendadas e finas, deixando todo seu colo exposto, pois o tope salientava seu decote e apertava seus seios. A barriga exposta, e nas pernas, calças leggings para as pernas fortes. Nos pés, Chiara usava tênis pretos, e no tornozelo uma joia que passava todas as fases da lua em seus pingentes de rubis adornados de ouro.

Nas mãos, uma joia que era um anel, mas tinha correntes que se conectavam as pulseiras. Brincos de argolas grandes, também de ouro. E tudo parecia representar, até a tintura que usava na esquerda com uma mandala de dez pontas. Embora parecessem muitos Fetishes, Chiara também tinha muitos feitiços acobertados…

– Chiara! – Heitor gritou a chamando com a mão.

A Peregrina desviou seu curso imediatamente e seguiu até o Athro.

– Vamos conversar… – Ele afastou a cortina da cabana e aguardou que entrasse. A Peregrina não vacilava em sua insegurança, e entrou como se fosse a convidada mais adorada.

– Estou ansiosa para o peixe que prometeram. Não encontrei nada na cachoeira para caçar, Heitor. Vocês me prometeram. – Ela disse com um sorriso.

– Eu acho que George e Carolina ficaram encarregados da festa ao amanhecer. – Ele sorriu de volta. – Mas… É outra coisa… Precisamos da sua ajuda.

– Eu acho que fui enviada aqui para algo. Talvez seja isso, Heitor. Por favor, me diga…

Ele a fitou com aquele olhar estranho de que estava acostumada pela sua Tribo.

– Claro. – Pestanejou – O Blackwood não vai falar… Precisamos saber mais dos costumes deles… Você pode… Oferecer algum Dom? Dar uma investigada? Ele pode estar usando Mágika, mas ninguém pode identificar.

Abriu a boca para dizer sim, mas perdeu o sorriso e o olhar “é um teste?”.

– Ah, isso então. Não sei se posso ajudar. Primeiro, eu não concordo com essa tortura. Depois, – Encostou-se à mesa e sentou-se sob ela. – Eu conheço a magia dos Uktena. Isso é completamente diferente.

– Mas você deve entender alguma coisa. – Franziu o cenho. – Qualquer coisa? Estamos no escuro. Eu odeio fazer tudo isso, mas… Não temos escolha. Estão todos com medo.

– Eu posso tentar investigar… Mas… – Deu de ombros. – Sinceramente? Vocês deveriam passar esse problema para outro local.

– Nós queríamos… Mas… – Respirou fundo, a história havia tirado o sono de todos os lobos. – Disseram que aqui seria discreto e protegido. Eu não consigo parar de pensar no fato de sermos atacados qualquer hora. Eu não quero ser pego nessa guerra. Mas não tivemos escolhas.

– Hm. – Chiara assentiu compreendendo. – Se ele disser algo, mais rápido o problema se vai, não é?

– Eu acredito… – Coçou a barba, imaginando se iria mesmo. – Eu tenho esperança.

– Vamos ver. Amigo. – Sorriu de canto e se ergueu. – Eu vou até lá…

– Vamos. Obrigado. – Ele sorriu gentilmente. – Nós temos alguns da Reserva vindo para cá hoje… Queria ter isso resolvido antes que fique sangrento. Essa tensão é horrível…

– Claro. – Dedilhou os lábios, andando logo atrás; evitando mais uma vez o olhar desconfiado de Jane.

“Triste, triste, triste.”

Em algum lugar, uma torneira não parava de gotejar. Ele já não tinha certeza se o pinga-pinga realmente existia ou fazia parte de alguma falha em seu sistema mental que estava repetindo o som continuamente.

Alexander já não possuía mais forças para barrar a dor e o seu corpo estava se segurando apenas em suas memórias de amor: a sua esposa, a sua filha e os seus amigos. Tudo o que construiu passava o tempo inteiro diante dos seus olhos em cenas picotadas que marcaram a sua vida. Ele tinha certeza que iria ser assassinado. Se não morresse pelas mãos dos lobos, a Marca Negra faria o trabalho de extinguir quem ele era, pois as horas de tortura estavam desencadeando uma crise. O cheiro da morte estava presente, embora não enxergasse. Os seus olhos tinham sido arrancados assim como parte de sua língua e o couro de sua cabeça. “Nunca mais irei cantar para você, Mia, espero que me perdoe…”, ele pensou como se pudesse enviar uma mensagem mental para a esposa.

As últimas horas tinham tido difíceis. Com as doces lembranças, também se repetia a imagem do filho de Sera sendo assassinado antes que a sua mente apagasse. Também se repetia em sua mente as últimas palavras de Judith que estava desacordada a horas atrás e os gemidos de Simon eram constantemente agonizantes. Três Lobos-Magos. Três lobos sem Dragões. Era a principal pergunta dos seus algozes: “Existe uma ligação entre Garou e Dragões?”. Informação preciosa e difícil de guardar, mas ninguém havia aberto o bico. Lembrou-se como toda a aventura começou. Lições de magia com Neil Rhodes e Verônica. Tempos tão inocentemente simples.

Adentraram uma cabana mais afastada, onde os três Garou mais fortes da Seita se revezavam, mas sempre se mantinha dois a postos.

– Olá, Fred, olá Mila. – Chiara disse tranquilamente aos dois e adentrou sob um olhar quase de protesto.

– Não se preocupem, Chiara está comigo! – Heitor disse lá dentro.

Desceram um alçapão de pedra, e chegaram até o ambiente sem luminosidade até que Heitor apertasse o interruptor. Chiara sentiu um leve choque correr pelo corpo, além do horror da visão.  “Em breve eles estarão aqui…”. “Precisa ser agora”.

Chiara não esperou ele a mostrar o local, agarrou-o pela testa com uma mão e a outra cobriu a boca de Heitor.

Com uma velocidade anormal do que estava acostumada a praticar, sugou toda a energia do Garou com os  símbolos que estavam na palma de suas mãos, e lentamente Chiara pousou Heitor no chão para não fazer barulho.

Caminhou abaixada até Alex, pois era o único que parecia respirar ainda. Pediu silêncio ao pressionar o indicador contra os lábios próprios e o tocou gentilmente na lateral do rosto.

A energia alimentada pelas pinturas em suas mãos foi transferida para o Garou lentamente. “Eu sei que vai ser difícil lutar, mas você precisa me dizer o que pode fazer com o que estou te dando, Alex”.

O suficiente. Alexander afastou a mão dela rudemente quando sentiu que poderia usar da sua própria Fúria. Ele usou, surgindo uma dor debilitante ao renovar a sua língua e olhos. “Você poderia se infectar…”, ele a avisou e puxou a camisa já rasgara para baixo, exibindo a espiral negra em seu peito. Ele piscou devagar, sentindo a vista ainda muito embaçada. “Você deve ser muito minha fã para se arriscar dessa forma…”. Ele levou a mão à boca, tossindo sangue. Com pressa, ele levou ambas as mãos à mente e fez uso da sua Esfera mais alta. “Preciso de alguns poucos minutos. Eu posso nos teleportar pelo menos para fora daqui. Você vai precisar matar mais alguém… Ou segurar. Tem dois Garou vindo… Me curar? Gaia, são tão jovens…”, Alex fechou os olhos com força.

Chiara “Não… Eu não vou matar lobinhos. Por favor.” Chiara reclamou em sua mente. “Faça o que você precisa fazer…”

A Garou andou até a entrada e ergueu o pescoço para fitar a porta. Subiu metade da escada e começou a murmurar uma canção, tão baixo quanto conseguiu, e passou a desenhar um símbolo na entrada tocando sua unha na madeira podre da porta.

“Isso vai apenas atrasá-los. É bem cretino, mas… Quantos minutos?”

Chiara escutou uma conversa do outro lado, e permaneceu em silêncio… “Viemos curá-lo.”

“Heitor está lá dentro”.

“Oh, droga, eu acho que esqueci a baunilha.”

“Não, eu vi você pegando! Aqui está.”

“Eu esqueci de alguma coisa. Falta o… o…”

– Água pura.

“Heitor disse que precisava de água pura!”

“Água? Tem certeza?”

“Claro”

Os pensamentos passavam como correntes por sua mente enquanto se abria para ouvi-los. Alguns doíam o bastante para parecerem feridas. Quanto mais a situação se abria, escancarando um preconceito doentio que se enraizava, Alexander se sentia como se realmente fosse parte de outra espécie…

Ele havia Percorrido Atalhos para a Penumbra e sentado no chão do seu cárcere. O Garou olhou para o chão. Quantos minutos? Relativo. Ele rasgou a camisa que usava e transformou apenas a garra do seu dedo indicador para se ferir, perfurando o próprio peito onde a marca de desenhava cada vez mais nítida com o símbolo tribal da Wyrm. O sangue que escorreu por sua pele era negro como piche. Alexander umedeceu as mãos no vitae infectado e ativou a sua força espiritual, assim como a sua Tríade interna. Os seus transformados em presas se fecharam com força e, sabendo que seriam percebidos no segundo seguinte, ele só conseguiu sussurrar: Agora.

Um piscar de olhos e estavam fora da casa, longe do centro da Seita, mas ainda em suas dependências. Alexander ouviu o uivo do Vigia anunciando a fuga e se voltou para os dois inconscientes que havia tele transportado com ele e Chiara.  Morte, medo, raiva, terror. O passo dos Hispos tremia a terra em direção. Não vamos conseguir. Ele mirou Chiara.

– Vá na frente! – Pediu a Chiara. Não… Há chance para nós. 

Alexander assumiu a sua forma Crinos e tentou colocar Judith em seus braços, mas estava fraco demais para qualquer esforço. Resfolegando, o Crinos ergueu os olhos para o céu como se pudesse ainda ter o direito de orar para Gaia. Dois brilhos surgiram no céu, furando nuvens. Os seus olhos cresceram enormes e quando notou as mentes que tocava, ele gritou como se estivesse no auge de um dos seus concertos:

– VERÔNICA! NATHAN!

Chiara olhou zonza para o céu, o teleporte improvisado havia mexido com seus ânimos. Mas a recuperação foi rápida, especialmente com o berro de Alex. Trotes de Hispos ficavam mais próximos, pararam. Chiara já estava em sua forma de combate, ofegante em Crinos e esperando… Pronta para se entregar em uma briga sangrenta, olhos bem abertos. Mas os poucos Lobos da Seita não se aproximaram. Eles não eram suicidas e nem tinham um coração ruim. Eram ignorantes apenas. Ameaçaram retomar a corrida na direção deles, Chiara rugiu em alerta, e foi tempo suficiente das Dragonesas pousarem. Os Garou fugiram em desespero.
Chiara ergueu o olhar às duas, viu Verônica e Nathan descendo de cada uma para ajudar Alex. Uma vertigem esquisita atingiu a mente de Chiara… Ela voltou para sua forma racial e as encarou… Estava vendo os Dragões de pertinho.

“VAMOS!”.

Verônica gritou para Chiara após pegar Judith. A Peregrina andou perplexa até Bellatrix, e escolheu ela para subir. Não conseguiu sentir nada quando levantaram voo.

Alexander olhou perdido quando Nathan nasceu, correndo em sua forma Crinos.

– Suba nela. – Rosnou o Galliard em idioma Garou.

Alexander assentiu e correu na velocidade que o seu corpo permitia. O mais delicado que Nathan conseguiu, recolheu o corpo trêmulo de seu irmão. Sem tempo para reparar nele direito, o Galliard seguiu até Kraz novamente e subiu nas costas da Dragonesa.

– Vamos.

A Dragonesa de Fogo virou o pescoço até que pudesse encará-lo.

– Nós só… “Vamos”? – Ela sibilou como uma serpente, meneando uma língua de fogo para fora da boca. – Eles quase os mataram. São inimigos. Inimigos não podem viver.

Nathan a olhou e sentiu a mão a mão pesada do Crinos de Alexander em seu ombro. “Só vamos embora”.

– Pode ter certeza que muitos responsáveis morrem hoje, Kraz. Jullian saiu para caçar… – Nathan rosnou.

– Esses são apenas peões dos grandes. Asseguro. – Alexander rosnou.

Assentindo vagarosamente, a Dragonesa se lançou para o céu.

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