Grimoire

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Wyrm

Grimoire


Um nariz que não conseguia suprir direito os seus pulmões na adolescência causou o hábito de respirar pela boca, embora o problema já estivesse corrigido. Principalmente, quando ela se sentia nervosa. A consciência do defeito permanente que teria sofrido caíra na certeza em forma de uma tremedeira. Taylor se apoiou no poste que lhe surgiu como um amigo, agarrando-se à efêmera antes que se desequilibrasse. Danificada. Pior que morrer, seria ser danificada pela eternidade. Taylor sentiu os olhos arderem, mas não chorou. Não havia tempo para chorar.

Ela deixou o Umbral onde sentiu mais segurança de sair pela Tellurian. Sentia-se cansada, mas caminhava mais rápido do que o corpo lhe aconselhava. Atenta e tensa aos mínimos detalhes, somente aquela Arquimago poderia tê-la surpreendido.

Com um sobressalto, Taylor se virou com ferocidade para aquele belo rosto com olhos azuis muito preocupados. Ingrid Austen trajava um vestido estampado de oncinha, agarrado ao corpo curto e com um decote majestoso em formato de coração. Os seus seios fartos intimidavam o que o seu semblante de menina não conseguiam. Ela calçava coturnos rústicos e pretos e luvas de dedo de couro. Uma adolescente de muitos anos.

– Uma hora inteirinha! Estávamos preocupados! – Ela disse. – Você veio pelo Umbral, fofa? Viu as fendas?

– É complicado… – Taylor soprou a franja curta para cima. – Caralho. Minha cabeça vai explodir.

– Noah também teve uns probleminhas agora pouco. – Ingrid arregalou os brevemente. – A sua cabeça pode explodir depois? Precisamos falar sobre as fendas…

– Eu acho que vamos falar da mesma coisa.

Ingrid fez um beicinho e arqueou as sobrancelhas:

– O que aconteceu?

Taylor a encarou com demora, respirando pela boca. A tensão dela deixou Ingrid tensa. A antiga Eutanatos cruzou os braços e esperou a antiga Verbena se recompor.

– Vamos. Nós temos uma reunião esclarecedora agora, possivelmente… – Taylor disse.

Ingrid concordou, olhando-a com a clara confusão confirmada antes de se virar para caminhar. Taylor a seguia e também não escondia a sua própria confusão. Quando viraram a esquina e a Ferrari amarela de Henry Chang se destacou na rua, Taylor nem conseguiu fazer uma piadinha. As duas entraram no carro e Taylor foi guiando o caminho.

A tarde começava a se despedir. As duas não se falaram além do necessário até chegarem ao Parque dos Pássaros. Ingrid estranhou, desconfiada. Mesmo àquela distância, sentia a proximidade do Caern Garou que a Flor de Lótus protegia. Ela se voltou para a francesa ao seu lado, mas Taylor não lhe deu tempo de uma pergunta e saiu do carro apressada.

– Lobos? – Ingrid perguntou quando a alcançou.

– Eu não sei. – Taylor confessou. – Mas vamos falar com ele…

Ele. Ingrid acompanhou o olhar de Taylor. Um rapaz estava sentado num quiosque para piquenique sozinho. Ela parou de caminhar assim que os seus olhos se encontraram com os dele. Ingrid franziu o cenho e entreabriu os lábios corados. Por um momento, não se mexeu. O curto momento em que a ligação entre orbes durou só foi interrompida porque o estranho abaixou a cabeça. Ela acabou sorrindo:

– Ele é o motivo da sua cabeça explodir, Tay?

Taylor não reteve o sorriso de escanteio.

– Talvez a minha também exploda. – Ingrid avisou, humorada.

Censurando-a com um se divertido, Taylor negou com a cabeça e voltou a caminhar. As duas se sentaram de frente para ele nos bancos vagos. Taylor apoiou os braços na mesa e mirou Nico em seus olhos que não as encarava diretamente. Ingrid olhou de Taylor para ele com expectativa e estendeu a mão para o rapaz quando o silêncio durou demais:

– Oi! Eu sou a Ingrid.

Nico ergueu os olhos para ela e aceitou o cumprimento, esboçando um sorriso tímido.

– Desculpem. Isso é tão estranho… – Nicolai murmurou.

– Estranho? – Ingrid perguntou, olhando de Nico para Taylor.

– Eu achei que todos vocês viriam… E mesmo assim estou nervoso. – Nicolai desabafou. – Onde eles estão?

– “Eles”? – Taylor perguntou, arqueando uma sobrancelha.

– Grimoire… – Nico sussurrou.

Os olhos de Ingrid quase saltaram das órbitas.

– Grimoire?! – Taylor perguntou, confusa. – Eu…

– Sim! – Nico respondeu, eufórico. – Vocês são um grupo, não? Grimoire… Nove Arquimagos…

Buscando por uma explicação, Ingrid se voltou para Taylor, mas a francesa também estava tão estarrecida quanto ela. As suas ficaram em silêncio por um momento. Taylor endireitou as costas e segurou a borda da mesa.

– Grimoire. – Ela esboçou um sorriso nervoso. – Faz muitos anos que não escuto essa palavra…

– Mas… – Nico pestanejou, estranhando. – … Você me confirmou que estavam em missão…

– Sim. – Taylor concordou com cabeça. – Mas não como o Grimoire. Grimoire foi uma missão muito específica. Não que não tenhamos mais contato e não agimos mais juntos, mas… É diferente. Não estamos operando como o Grimoire há anos. Muita coisa aconteceu. Muita coisa ruim… Nem éramos mais nove há dez anos.

– Grimoire, Os Nove Magos contra a Goetia e o Demônio Beleth, o Agoureiro… – Ingrid sussurrou, incomodada com o rumo da conversa. – Quem é você?

Nicolai inspirou e cruzou os braços, apertando-se.

– Eu sou um viajante do tempo. Chamo-me Nicolai. Nico.

– Viajante do tempo, hm…

– Vocês… – Nicolai resfolegou, desviando-se delas. – Vocês deveriam estar juntos. Ativos… Eu não entendo.

Os três caíram em um silêncio reflexivo por um longo instante. Os pensamentos corriam pelas mentes como se pudessem ser compartilhados, pois seguiam praticamente pelo menos caminho.

– O Agoureiro está morto. – Ingrid afirmou, convicta e nervosa. – Eu o vi morrer pelas garras de Polaris. A sua alma foi fatiada em diversos pedaços. Extinta…

Nico a fitou em silêncio. Taylor entreabriu os lábios. A respiração se tornava uma necessidade desesperada. Não

– Eu vi. – Ingrid enfatizou. – Nós saberíamos se… – Ela não terminou a frase e abaixou a cabeça. Começou a negar. – O que realmente está acontecendo? – A voz embargou.

Taylor retornou os olhos a Nico, ansiosa.

– Alguém, a Goetia, eu não sei… Fez um furo no Tempo e conseguiu resgatá-lo… – Nico dizia, tentando parecer mais calmo do que se sentia. – Eu não sei há quanto tempo ele está aqui… Mas você me disse que na Batalha das Três Pontas, que acontecerá daqui a poucas horas, você o sentiu, Taylor… Nós não sabemos como ele é ou quem. As coisas acontecem e não sabemos quem ele é. Muitas… Coisas. É a minha oportunidade de vê-lo.

– As fendas… – Ingrid disse quase sem ar nos pulmões.

– Sim. Uma é minha e do meu grupo. A outra… É dele.

Taylor pestanejou e precisou se segurar na mesa quando a tontura lhe abateu com mais força à mente. As memórias horrendas chegaram a espreitar o seu presente, mas ela as bloqueou. Sentiu-se prestes a desestabilizar por completo e este seria o último gatilho que conseguiria segurar…

– Grupo? – Ela sussurrou.

– Sim. – Nico respondeu cauteloso, apesar de visivelmente transtornado. – Nós viemos de uma data de vinte anos adiante. As fendas são recentes, em aparência, mas ela já estavam aí há mais tempo. Eu sei porque uma das minhas amigas, Suri, está aqui há anos, assim como outros dois amigos, Dorian e Anthony. Já eu e mais dois, Emma e Jeremy, chegamos há dois dias… Juntos. Eu não sei dizer quanto tempo ele está aqui…

– Onde as raposas entram nisso? – Taylor perguntou.

– Dark Roses? – Ingrid perguntou com desgosto na voz.

Nico assentiu. – Elas me ajudaram com o Efeito e a passar alguns pertences para cá… – O Mago passou a mão pelos cabelos. – Olhem. – Nico resfolegou. – Nós precisamos da ajuda do Grimoire…

– Calminha… – Ingrid interveio antes que Taylor falasse. – Olhe… Ahm. Vocês são Magos? Você é um Mago? Tudo o que você está falando é muito sério, mas nós também somos um assunto sério…

– Não… Somente Magos, mas… – Nico franziu o cenho. – Somos a próxima geração do Luar do Oceano…

Ele pigarreou, pensando. Já esperava por essas perguntas delicadas. Ele dedilhou a mesa. O problema daquela pergunta sobre ele era a resposta: ele não tinha. Nico olhou para cima e resfolegou.

– Eu sou filho de uma estrela e de uma Maga. – Ele respondeu e apertou os lábios. – Eu não sei o que eu sou exatamente… – Nico se desviou delas quando vislumbrou o choque em seus olhos. – É, eu sei.

– Você é filho de um dos… – Taylor não quis continuar. – Meu Deus. Claro que você é. Você é a cara deles…

Nicolai encolheu os ombros e abaixou a cabeça.

– Você é um Dragãozinho?! – Ingrid perguntou, nervosamente. – Porra.

– Eu não sei… – Nico apertou os lábios. – Eu não sei se sou ou não… Eu nunca consegui mudar de forma… Eu não sei.

– Muita informação… – Ingrid piscou os olhos devagar. – E você acabou de ficar ainda mais interessante.

– É melhor que ninguém saiba disso… – Taylor fitou Ingrid. Estava tão abalada que não conseguia se importar nem com a inconveniência da Arquimaga. – Você deve ser o sonho de consumo da Goetia.

Nicolai assentiu com a cabeça, arregalando os olhos.

– Precisamos ir, então?! – Taylor pestanejou. – Precisamos estar dentro da barreira… Certo?

– Vocês vão ajudar? – Nicolai perguntou, esperançoso.

– Óbvio! – Taylor respondeu com rispidez impensada. – Precisamos ativar o Grimoire… Mas… Vamos. Não temos tempos, pelo que entendi. Eu… Ingrid. Chame quem você conseguir. Avise… – Taylor cobriu os olhos com a mão. – Avise que o Agoureiro está vivo.

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