The Wolf and The Ghosts

Categorias:Romance
Wyrm

The Wolf and The Ghosts


Havia duas formas que a Mensageira havia para obter mais força em um Ritual. A primeira, era que seus sacrifícios sentissem dor, das mais elaboradas e excruciantes. A segunda, e que obtinha melhores resultados, era a ação voluntária. A Maga fez perguntas para Jullian sobre a vítima antes de partir, detalhes superficiais da sua vida mundana, mas que veio com detalhes de um observador serial killer. De frente para o galpão, junto de Rhistel, Blair pediu licença para colocar suas famosas vestes. Cobriu-se inteira com o pesado manto, e puxou o lenço negro que cobria seu rosto como máscara, até abaixo dos olhos. O capuz terminou de escondê-la, e sua essência estremeceu até que seu corpo parecesse um vulto se olhos não observassem com muita atenção. Ela observou Rhistel abaixo do disfarce, e disse com uma voz de timbre macio:

– Talvez demore um pouco… Você pode esperar aqui fora. – Explicou e pediu, antes de adentrar o local.

O primeiro relance foi das esculturas do Philodox, e sabendo do possível medo e pavor da vítima, Blair calculava que metade do trabalho de convencimento já havia sido feito sem se quer tentarem. E a premissa não se provou mais exata ao ver a vítima. O medo havia o tirado do estado racional, preso em uma jaula no lugar de um animal. Blair não tinha compaixão, mas eles acreditavam que sim. A entidade oferecia um conforto que nada na vida poderia ser semelhante a pessoas em condições como a dele… Pessoas que nasceram sujas, fora dos padrões do mundo, abominadas por cada cultura. A Mensageira estendia suas mãos, escutava as súplicas dos seus súditos e os orientava a não resistirem. Não lutarem. Que deixassem seus anseios nas mãos da arauto dos desajustados… E tudo soava tentador o suficiente para que sucumbissem, e implorassem que tudo apenas acabasse. Eles não queriam mais lidar com o peso do mundo, e entregavam suas vidas com a facilidade que sangue escorria por entre os dedos. Ele encarava a sombra negra e pedia pelo fim… Pedia que o julgamento apenas acabasse. “Cure as minhas dores”, eles choravam, e ela perguntava quase em suas mentes: “Você oferece sua vida a mim?”, “Sim”. E ela marcava o símbolo das correntes no pulso, e anuivava a visão ao passar a mão diante de seus olhos, realizando o último desejo e transferindo seus sentidos para o local onde sua família quebrada vivia. Ele se ergueu entregue, das memórias de uma vida sem crimes, quando o pecado ainda não fazia parte de seu ser quebrado. Blair enrolou os pulsos dele com uma corda e o puxou gentilmente para saírem do local – e ele obedeceu e a seguiu ao ser puxado como uma carga. Os olhos estavam abertos, mas ele não parecia viver aquela realidade naquele instante. A maga caminhava segurando a corda, e abaixou o capuz ao se reencontrar com Rhistel:

– Ele escolheu pagar com a vida seus crimes. Ou assim ele pensa… – Explicou, pois não se arriscaria em dizer que ele verdadeiramente se arrependia. Os passos seguiam em direção à casa de madeira, onde o ritual seria realizado. A essa altura, todos deveriam estar prontos para circundar a casa. Blair conduziria o Ritual e também seria a força bruta através da energia de Rhistel. Caminhou sem pressa, quase em um estado meditativo, e parou diante do local. Era noite e as figuras apenas não se confundiam com o escuro, pois as luzes estavam acesas no exterior. Diante da casa, Blair encarou a todos, vestidos em roupas pretas ou brancas, conforme ela orientou, e virou-se para frente do homem pacífico. Enrolou seu braço na corda, forçando-o a dar um passo adiante, e voltou a vestir o capuz, sem delongas para iniciar o ritual, no entanto, foi interrompida por Nyra:

– Blair… Desculpe… – Nyra se aproximou dela para não precisar erguer a voz. A maga a olhava, no mínimo intrigada, pelo o que a Theurge tinha a dizer. – Eu sei que você disse… Que costumava usar outros para apenas manipular a força da quintessência, e você alinhava essa força e conduzia… Então, ao invés de transferir a força do Rhistel para você, e você puxar Klaus do mundo de onde ele está… – Nyra a olhava firme – Deixe o Rhistel puxar diretamente e você conduz.

A maga entreabriu os lábios, claramente pega de surpresa. Seu olhar demonstrou certa instabilidade emocional, mas ainda tinham a frieza sensorial que os olhos brilhantes e dourados passava. – Não. Existe um risco… Ele pode sofrer consequências se eu o deixar na linha de frente… – Blair disse e abaixou o olhar, não desejava prolongar sua decisão – Não vou colocá-lo nessa posição. Eu prefiro… Que seja comigo… Nós ensaiamos… Prefiro que meu corpo seja o filtro.

Nyra fez uma pausa, mas insistiu, ainda que não gostasse da ideia igualmente, pois colocava Rhistel em uma posição delicada, mas mais eficiente. O Dragão de Gelo abriu e fechou a boca. Parecia mais fácil, não? Ele abriu e fechou as mãos rapidamente, sentindo-se já ansioso com a ideia.

– Você disse que correntes vão segurar seu pulso e você vai conseguir puxar Klaus para a Tellurian enquanto ele se refaz, enquanto se apropria da energia nossa e do Rhistel principalmente… Deixa o Rhistel puxar ele mesmo, e você apenas conduz… Você pode fazer isso, não é, Rhistel?

Blair encarou o Dragão de Gelo e negou com o coração apertado, pedindo-o com o olhar que declinasse.

Rhistel encarou os olhos da namorada por um longo distante. Apesar de ter um controle melhor de sua própria energia interna, não sabia se seria ou não uma boa ideia. Ele desviou os olhos para Henry.

O Kitsune estreitou os olhos, ponderando:

– Eu consigo… Mas… E se eu me descontrolar? Ahm… – O Dragão de Gelo balançou os braços.

– Eu te seguro. Não se preocupe. – Henry disse de pronto.

– Então, tudo bem… Eu puxo. – Rhistel declarou e se virou para Blair.


Blair assistiu o diálogo se desenvolver como se tivesse um pedaço de limão em sua boca.

– Não. – Disse, encarando Rhistel brava. – Se por acaso não conseguirmos… Você pode ser levado para algum lugar… Outra dimensão. Ficar preso, eu não sei. Eu-

– Você não lidaria melhor com isso, Blair. – Nyra a cortou. – Rhistel é Ras Algethi. E, além do mais, as chances dele ser drenado são menores que a de você.

– Ainda… É diferente. Ele não é um servo da Goetia, ou coisa assim. Não vou colocá-lo em risco.  – Negou novamente e desviou o olhar para o chão. Um cenário de mil possibilidades fizeram seu corpo se arrepiar abaixo do manto. – Não há chances de eu deixar isso acontecer.

Os olhos do Dragão de Gelo seguiam de Blair para Nyra e, apesar de ansioso, acabou achando tudo engraçado. Ele se virou para o próprio ombro e mordeu a sua roupa negra com o seu ombro junto e tentou não sorrir quando foi falar. Klaus rirá se saber que isso aconteceu bem antes de ele retornar.

– Ahm. Tudo bem, Bee. Eu puxo…

Henry coçou o pescoço, subindo os dedos por seu queixo. – Blair, o máximo que acontecerá é lidarmos com um Dragão de Gelo enfurecido e descontrolado. A possibilidade de Rhistel se ferir é mínima… Ou nada que ele não possa lidar. A própria energia dele o protegerá. – O Kitsune disse, cauteloso ao ver que ela estava… Brava.

– Não é simples. É… – Blair tentava sustentar o fôlego e procurava argumentos. Se não fosse uma situação tão delicada, teria simplesmente dito não; mas também queria escutar o que era melhor para Klaus. – Outra hora…

– Blair… – Nyra a fitava impaciente. – O Ritual só funciona conosco. Ou você aceita ou eu demando adiar para discutir sobre isso por outras horas. E vai ser perda de tempo, porque todo mundo sabe o que é melhor. Você acha que eu gosto disso? Eu não gosto. Mas eu gosto menos ainda de meias chances.

A maga fitou a ruiva como se pudesse dissipar a alma Garou de Nyra naquele instante. Incrédula pela forma como foi colocada contra a parede. Blair encarou Rhistel pela última vez, e tentou fazê-lo desistir:

– Não é certo. Não vote a favor disso. –Falava contrariada, nervosa – Você sabe que está indo contra o que eu quero. Isso sequer foi combinado. Eu estou acostumada… Esses Rituais… As correntes… É uma sensação desagradável…

– Ras. – Nyra o olhava. – Você já disse que puxará, né? Então, está decidido.

Não sabia quem era pior ao ser contrariada: Blair ou Nyra. As duas mulheres poderosas da sua vida não gostavam de ouvir não. Rhistel fitou a Theurge com os seus olhos levemente surpresos e se voltou para Henry – e o Kitsune deu os ombros, abstendo-se de comentários. Com um suspiro profundo, o Dragão de Gelo retornou a namorada e decidiu de última hora realizar um desejo que havia se acomodado em suas ideias desde muito tempo. Ele se aproximou e a beijou, vestida com o seu manto e olhos de ouro. Não foi um simples selinho, mas um beijo que se profundou apesar de não se demorar. Ele a tocou no rosto ao se afastar minimamente, encarando-a em seus olhos. – Não sentirei dor… Eu posso cancelar isso com o frio… – Sussurrou. – Confie em mim.

Blair não conseguiu reunir uma nova leva de argumentos e continuou brava como estava. Seus olhos para o Dragão diziam que aquela discussão ficaria para casa, pois não havia gostado nada. Mas não conseguiu sustentar a expressão severa quando foi beijada. Ergueu a mão para tocar o rosto dele, e o segurou antes de se afastar. – Faça como eu te orientar exatamente… – Disse, fitando brevemente os lábios avermelhados. – Conversamos em casa… – Murmurou e se afastou para voltar a ficar de frente para a vítima. Nesse meio tempo que Blair se afastou, Nyra abraçou Rhistel e o beijou no rosto carinhosamente.

A Mensageira voltou a vestir finalmente, a máscara e o capuz. Fechando todo seu corpo de veludo e couro, até que o brilho de seus olhos fossem a única parte do seu corpo possível de se ver. Blair puxou a corda devagar, e o homem cambaleou até estar de frente para ela. A maga aguardou todos se aproximarem, sentindo suas energias, e tocou a marca da espiral dentro do losango nas costas da mão dele e disse, transportando sua voz para dentro do ouvido do homem. “Durma para morrer.” Disse entre os dentes. Antes dos joelhos dele encontrarem o chão em busca de preces , Blair cortou a garganta do homem com o punhal que surgiu debaixo da manga.

O sangue correu pela grama e magicamente se espalhou formando linhas até o símbolo da Mensageira se desenhar grande abaixo de seus pés. Ela se virou para Rhistel, e buscou a mão do Dragão de Gelo gentilmente. Fez um risco na pele morena, como parte do seu sacrifício, e depois furou o próprio pulso, quase atravessando a lâmina. Ergueu o rosto brevemente para encará-lo e disse: – Você vai sentir o peso das correntes. Caminhe até o espelho que Polaris abriu, ajoelhe-se diante e mergulhe-as… E espere… Eu vou conduzir. – Dizia e o alertou por fim: – São pesadas. Vão te contornar e sufocar. Você precisa resistir e lutar. Se… – Fez uma pausa e terminou: – Achar que perderá o controle, arranque-as de você e passe para mim… Estarei logo atrás.

Com os lábios vermelhos dentro da boca, Rhistel ainda escutava o “conversamos em casa” enquanto ouvia as instruções de Blair. Ele não estava tão preocupado quanto ela em relação ao seu papel. A medida que ela propunha as diretas complicações, ele apenas assentia com a tranquilidade mais expressiva que conseguia demonstrar. Ele sentia a corrente energética em suas mãos e o peso mencionado não existia. Acreditou que houvessem diferenças entre uma Maga e um Dragão ao manejar a energia poderosa. Assim que deu um passo, o pensamento se transformou rapidamente.

O despreparo tornou o peso ainda pior do que seria com a mente concentrada. O seu corpo foi atraído para o chão e os joelhos se flexionaram para aguentar o peso do ritual em suas mãos. Seus braços congelaram rapidamente e suas unhas arroxearam quando o frio lutou para inibi-lo da dor e o sangue ainda morno da ansiedade sofrida desceu incomodando a sua pele através dos cortes espirituais. Rhistel fechou os olhos e gemeu com o esforço dolorido. “As correntes pertenciam ao penitente”, a frase perdida lhe veio a cabeça. Os olhos escuros se tonalizaram de sangue rapidamente. De repente, ele só conseguia ouvir o próprio coração e a respiração ofegante. Fúria.

A sensação de solidão emergiu do medo, carregando cada entranha do Dragão. Rhistel deu um passo, mas quase sentiu vontade de recuar. Ameaçou outro e mais outro, todos igualmente pesados e dolorosos. Ele fechou os olhos. Talvez eu não aguente. O que são essas correntes? São minhas? Carregava nelas o peso dos seus medos? Rhistel sentiu um suor gélido escorrer por sua face. Caminhe. Caminhe. O coração se desesperava, agitado. Rhistel sentiu as suas presas praticamente rasgarem a sua boca, pedindo para sair. O corpo implorava por proteção e as sua garras também despontavam. Caminhe. Caminhe. Ele ofegou, fazendo uma pausa. Parece que estou tão longe. 

De repente, mais Fúria. Rhistel olhou brevemente por cima do ombro e somente conseguiu enxergar de longe os olhos de oceano de Jullian brilhando como faróis frios e Furiosos. Ele abriu ainda mais a conexão para mim. Talvez não fosse o momento para improvisos e pela forma que o Lendário se curvou para frente, Rhistel não precisou sentir para crer que ele também experimentava a dor de sua própria penitência. Um sorriso cansado, mas confiante se estendeu pelos lábios de Jullian. Eu estou com você, Rhistel sentiu dentro de seu coração. Eu estou com você para sempre, Ras. O peso não havia diminuído, mas a cumplicidade levou embora a insegurança. O Dragão voltou a caminhar mais rapidamente. Eu estou chegando. Eu estou chegando. 

Mas não estamos sozinhos. 

Parte do seu ser continuou no esforço de se mover. A outra parte enxergava outro cenário. Não sentiu uma linha reta de si para Jullian como deveriam ser as ligações, mas existia uma terceira ponta. Triângulo. De repente, uma memória.

Jullian se levantou de um piso frio e espelhado em mármore preto riscado de branco. O Lendário estava exatamente vestido como no ritual, assim como a sua aparência fora perfeitamente transferida. Era árduo enxergar. Estava escuro, mas não somente, uma névoa impedia a sua visão. Jullian forçou os olhos e viu, longe de si, um Dragão de Gelo acorrentado por correntes de energia amarela, fitando-o diretamente. Havia ferimentos e dejetos. A passagem dos dias havia emagrecido o corpo grande. Havia um problema.

“Não fique! Saia daqui!”, o Dragão disse em sua mente, “Saia!”.

“Você está acordado?”, ouviu-se uma voz masculina e rouca. “Qual é o seu medo?”.

“Nada é o que parece ser. Tudo é o que parece ser”, uma terceira voz. Henry. “Nada é o que parece ser. Tudo é o que parece ser”. O Dragão de Gelo repetiu a frase.

Linear novamente. Rhistel pestanejou. Ofegante, diante do círculo, ele mergulhou as correntes com clara dificilmente, curvando-se para frente.

Arrependeu-se de imediato ao vê-lo carregando o peso da sua Mágika. Não havia tempo para essa postura, apesar, e ela apenas pode assistir a dor recair sobre ele. A Maga andava logo atrás, as mãos estendidas e carregando as pontas do ferro, seguindo-o paciente na luta de sustentar. Blair mantinha os olhos nas costas dele, e era o máximo de reação que poderiam tirar da sua imagem. Um vulto negro que guiava penitências. Estavam fazendo um Ritual com a Mensageira os guiando, e um de seus Dragões estava acorrentado. Para Nyra era uma imagem deveras forte, ainda que fosse a decisão que mais a tranquilizasse. Blair colocou sua mão coberta pela luva de couro, cheia de símbolos marcadas, nas costas de Rhistel e o guiou a se ajoelhar. O brilho dourado surgiu das marcas na luva e ela iniciava o processo logo após que os principais se posicionassem ao redor do círculo. A energia fazia um fluxo visível na película derrubada do ambiente, a Mágika e força dos participantes entravam como veias espiraladas por dentro do quarto, dando a sensação que estavam dentro de um furacão com intenso fluxo de energia. Girava, girava, e causava vertigem. A mão de Blair emanava um brilho mais forte nas costas do Dragão, percorria pelas correntes entorno do corpo dele, e conduzia o poder de Rhistel para o espelho.

– Controle seu fluxo e resista. Pode levar horas até a alma dele encontrar o caminho. – Blair disse depois de um breve estudo. – Quando o sentir firme nas correntes, puxe ao comando.

“Horas…” Nyra respirou fundo e lutou para concentração. Haviam ensaiado essa meditação, e era hora de usá-la. Paciência era a chave, e a união rítmica. Não podiam dar espaço para falhas, enquanto Blair alinhava toda a trama e convidava a realidade a recuar do crime que havia sido cometido. Klaus deveria e logo estaria ali com eles.

Palavra-chave para uma ansiedade já despertada. Horas. Agachado em sua penitência para manipular a realidade, Rhistel sentia a sua pele repuxando com a sensação do peso das correntes e era o tempo todo obrigado a olhar para os seus braços. Nada. Ilusão espiritual causada pelo esforço de se manter parado e são. A mente era uma inimiga próxima, sussurrando através do medo os convites para a desistência. O Dragão fechou os olhos com força, mas não quis enxergar os próprios pensamentos e os abriu novamente. Linhas de suor cortaram a sua face. Ele resfolegou mais de uma vez e ergueu os orbes escuros até o olhar quente que sentiu em si.

– Nada é o que parece ser… Tudo é o que parece ser… – Henry disse num sussurro com a sua voz bela alterada pela bestialidade de sua forma Koto.

Frase para resetar a sua mente, livrando-o das opiniões viciadas. O Kitsune estava sentado exatamente do lado oposto ao do Dragão, sentado em posição de lótus. As sete caudas estendidas pelo chão formavam um semicírculo felpudo. Os olhos cristalinos em emoções demonstravam a sua preocupação. Rhistel não se deteve na impressão, pois se desesperaria. Repetiu a frase num sussurro esforçado e gemeu ao final.

Polaris o matou. Isso é apenas uma memória. Henry fitava a superfície. Não. Gaia, mas como? Não é hora para pensar nisso ainda. O Kitsune fechou os olhos e retornou às suas vibrações.

O ar ficava denso, havia uma certa dificuldade no processo de respiração, mas que era notada se apenas prestasse muita atenção. A sensação vertiginosa ficava mais forte, e era como se nem estivessem mais ilha. Poderiam estar em qualquer lugar, buscando por Klaus. Nyra levou a mão Crinos à cabeça mais de uma vez, a mente rondando, a Fúria sendo controlada a cada segundo. O Ritual era cansativo, e longo, poderiam estar lá há horas e sequer notado. Blair que era o pilar de condução, estava na mesma posição desde que se iniciou – sem poderem captar nada de suas expressões ou linguagem corporal, sequer saber se respirava. A agonia crescia na garganta, a dor era aguda no cérebro, e as ideias queriam escapar junto de emoções. Não podiam. Queria poder perguntar quanto tempo mais, pois o estado de Rhistel também a preocupava, mais que o próprio – quando Blair finalmente se moveu, e agarrou rapidamente as correntes, enrolando-as em suas mãos. Estavam mais grossas, consideravelmente mais pesadas, e surgiram em seu peso sobre os ombros do Dragão. Blair parecia segurar o máximo possível, para amenizar que ele sustentasse tudo, e disse calmamente: – Rápido. Puxe.

Os olhos apreensivos de Rhistel se voltaram para Henry, mas o Kitsune negou. Ele não pode ajudar. O Dragão reuniu força de vontade para começar a puxar as correntes. Gemia, sentindo as dores onde não deveriam existir. As mãos geladas ameaçaram a escorregarem em seu próprio sangue. Os olhos do Dragão se abriram em rubro por completo quando sentiu precisar de próprias energias internas. Rhistel fez uma pausa, mas retornou a puxar. A corrente parecia não ter fim, assim como a sua agonia.

Lentamente, Henry se levantou e assumiu a sua forma hominídea. O cheiro. Conhecia perfeitamente o cheiro que se aproximava. Klaus. O Kitsune fitou Rhistel, assistindo o Dragão de Gelo derramar lágrimas. Aguente firme. Falta tão pouco. O Kitsune começou a caminhar de um para o outro.

E o uivo começou.

A música fez Henry cair de joelhos com as mãos cobrindo o rosto. A energia intensa adentrou a sala em forma de música. A sala que não era bem a sala. Rhistel começou a puxar a corrente com mais vigor. O Caern do Luar do Oceano se abriu e lançou pela extensão da ilha o seu poder Espiritual. O Kitsune chegou a pensar ter enxergado mesmo com os olhos cobertos a Quimera, Totem dos Versos da Magia, ao lado de Nyra…

– Por favor, por favor… – Sussurrava. – Por favor…

A mão pálida alcançou a borda. Uma mão ferida e forte. Depois feio outra. Henry se segurou do impulso de ajudá-lo. Ele precisa vir sozinho, lembrou-se das palavras de Sebastian. Quando o seu rosto cansado surgiu, Henry soltou um gemido de agonia. Klaus estava de olhos fechados, apertados, como se estivesse exigindo-se o escuro.

Rhistel se Lembrava perfeitamente dele. Os cabelos claros e levemente ondulados, o rosto bem desenhado e pintado com um barba curta e falhada. Sobrancelhas retas e médias, nariz afilado e lábios medianos. Assim que as correntes sumiram, o Dragão de Gelo correu pela sala aos tropeços, buscando pela manta para cobrir o corpo nu do lobo.

As correntes voltaram para dentro do peito de Blair, sumindo como um golpe de luz em um aspecto que pedia o brilho dourado para a ferrugem e a cor roxa.

Lentamente a Maga abaixou as mãos e observou Nyra ajudando Rhistel a cobrir o corpo de Klaus.

– Klaus…? – Ela o chamou baixinho, fazendo o primeiro teste sobre a mentalidade dele, e a capacidade de reconhecer ao redor.

Blair afastou as luvas das mãos e abaixou a máscara enfim respirando, a pele úmida de suor e o rosto mais pálido que o comum, lábios brancos. Mas ela se movimentou bem ao se curvar devagar abaixo do Dragão de Gelo e procurar seus olhos.

– Você está bem? – Lentamente recuou seu olhar para Klaus, ofegante. – Deu certo…?

Incerto, Rhistel se voltou para Blair. Os orbes de cereja do Dragão estavam instáveis; estremecidos. O corpo ainda tremia de estresse e a respiração profunda o obrigava a usar a boca…

– Eu estou bem, Bee… – Respondeu somente o que tinha certeza.

Henry se agachou ao lado de Nyra, pousando a mão em seu ombro. Klaus não abrirá os olhos e respirava ruidosamente pela boca. Ele tocou tardou a ter uma reação. Seu braço se moveu devagar e ele tocou a garganta duas vezes com os dedos.

– Não consegue falar. – Rhistel sussurrou, observando-o agoniado. – O ritual ainda está agindo nele… Sinto a energia.

O Kitsune tocou os cabelos do Garou, sentindo-os empoeirados e secos de sujeira. O Garou tremia como se sentisse o frio vir de dentro de sua alma. Todavia, um alívio. Alma. Sentia perfeitamente o Espírito forte do Lobo-Fantasma integralmente refeita. Os olhos do Kitsune se encheram de água e ele fungou. Meu querido. Meu irmão…

– Ele está todo sujo… – Rhistel disse, olhando-os. – Não podemos tirá-lo aqui…?

Entreolhou-se com Henry e continuou a fitar o rosto desconhecido, ainda, imensamente familiar. Nyra também não se sentiu segura sobre o que fazer, e fitou Blair. A Maga piscou os olhos devagar, estava cansada a ponto de afetar sua mente.

– Ele precisa reunir tudo e se estabilizar. Devemos levá-lo para a Árvore de Dagda… Usar energias de cura… Estamos na fase da recuperação.  – Afastou o capuz e tocou brevemente um lado do rosto.  –  Você, Vinny e Jullian… Devem assumir daqui… Eu irei checar a trama, procurar por rompimentos… Algo pode ter ficado para trás.

– Melhor levarmos, então…  – Nyra fitou Henry. Entre o olhar preocupado, havia a sombra de um sorriso e olhares constantes a Klaus. Por mais que a situação estivesse desconhecida, claramente era ele, e o processo agora era de remediar.  – Vocês dois…  – Voltou-se a Rhistel e Blair antes de se erguer. –  Melhor descansarem…


Carinhosamente, Rhistel buscou pela mão da Blair. “Descansar” era tudo o que a sua mente não queria, embora sentisse a necessidade no corpo acompanhada de uma fome incômoda. Ele estava agitado e a agitação dos seus irmãos do lado de fora também contribuía para não conseguir se acalmar. Ele apertou os lábios e voltou-se para Klaus. Os olhos ainda tomados pelas cerejas intensas pestanejaram. Não quero ficar longe dele… E se algo acontecer? O Dragão de Gelo coçou o pescoço.

– Uh… – Henry se voltou para Nyra. – Majestade. Eu recomendaria duas decisões agora: primeiro, peça para todos que estiverem próximos da Árvore de Dagda saírem. Segundo… Peça um reforço dos nossos Vigias. Houve poder, mas houve… Eu não sei. Falhas. Senti certa vulnerabilidade. Eu não sei se sentiu também, Blair, mas… É melhor precavermos. Coloque os Dragões para trabalharem… – Ele voltou o olhar para Rhistel. – Sei que você e os seus irmãos estão ansiosos para vê-lo, mas… Ele não pode lidar com isso agora… Esses sentimentos todos. Vamos por partes, ah? Rhistel. Você precisa descansar.

Os olhos contrariados do Dragão de Gelo ficaram em Henry por um longo distante…

– Huh-hum… Tudo bem. – O Dragão disse, olhando-os. – Não posso fazer isso perto dele?


Nyra escutou Henry e pensou sobre a decisão. Sua mente também estava lidando com um turbilhão. Sentia os ânimos do lado de fora, mesclados por toda expectativa e exaustão de horas.

– Rhistel. Sua energia é instável e não é o que Klaus pode lidar agora. Descanse… – Disse a ele, e enviou a mensagem mental a Jullian ao mesmo tempo, sobre os arredores de Dagda. – Vamos dar espaço, e quando estiver seguro, eu te direi.

– Mas… Ah. – Rhistel bufou. – Eu estive esperando tanto tempo

– É verdade. – Blair desviou o olhar para o Dragão de Gelo. – O esgotamento virá rápido em pouco tempo para você… Você está agitado agora, mas acho que não vai continuar. – Ela sorriu brevemente e trouxe a mão dele que agarrou a sua para beijá-la nas costas carinhosamente. – Eu vou apenas… Checar o local. – Ergueu-se apoiando as mãos no chão com cuidado. Andou até o centro da sala e deixou seus olhos brilharem mais uma vez.

– Está bem, Bee… – O Dragão de Gelo murmurou.

Contrariado, mas dócil, Rhistel observou Blair se afastando. Agachou-se para tocar o rosto de Klaus uma última vez antes de se afastar. Eles sabiam o quanto o Garou significava para ele? Sequer podiam imaginar? O coração quente queria proximidade e conversas. Almejava saber que estava tudo bem. Okay. Ele concordou e saiu da Casa de Madeira, decidindo aguardar Blair do lado de fora.






Blair não era uma Garou Maga, mas tinha o mesmo talento surpreendente para aprendizagem, e já havia percebido que havia uma quantidade maior de reservas para dobrar a realidade que seus irmãos de ligação. Ainda, os treinos excessivos desde muito pequena, haviam a deixado com um faro mais apurado para detectar e aprender sobre cada uma das nove esfera. Não dominava a maioria, mas em diversos graus usar muitas. Primórdio, força, estavam entre suas secundárias. Meris conversava com ela no fundo de sua cabeça… “Há algo diferente. Algo que você não mexeu.” Ele alertava na sua voz sobrenatural. “Preste atenção ali…” Blair mudou a visão de direção. “Alguém utilizou como porta de entrada… Essa energia…” A Maga respondeu ao identificar mãos que se seguraram nos fios. “É possível? Por que eu não consigo desligar minha mente da cidade?”, ela franziu o cenho. Sentia as mãos de Meris em seu ombro: “Você deixou seu coração lá. Lembra? Os sentimentos, a dor, as noites sem dormir… E… Sim… Estão todos atrás desse lugar. Seu pacto… Sim… Estão planejando usar esse lugar…” A maga abaixou o rosto e negou “São deduções.”, “Que valem ser investigadas…” ele completou com os impulsos em sua mente.

– É melhor… Não… Abaixarmos as defesas mesmo. – Blair os olhou por cima do ombro que ainda vestia o manto. – Vou ajudar a vasculhar a Ilha. Alguém pode ter se aproveitado…

Nyra sentiu o rosto empalidecer, e abriu a boca para fazer as perguntas, mas engoliu as palavras.

– Vamos cuidar de Klaus… Me ajude a levá-lo, Henry.

– Sim, majestade… – Henry disse, curvando-se em uma meia reverência. Ele se voltou para Blair. – Faça o Dragão descansar, viu? Ele precisa… E você também. Nada de sacanagem! É para dormir… – Ele apontou o dedo para ela. – Infelizmente, estou falando sério, ah?

Ele não estava abatido fisicamente como Henry esperava encontrá-lo, mas as energias fluindo dentro do corpo dele foi sensível ao toque do Kitsune quando o tocou e o ergueu envolvido na manta. Henry jogou mais dois cobertores pela passagem Umbral que abriu para ele e Nyra assim que pegou um papelzinho do bolso em formato de tíquete de metrô antigo. O Kitsune aguardou que a Theurge entrasse para seguir através da passagem guiada diretamente para a Árvore de Dagda.

O lobo alto e completamente prateado já estava caminhando pelos arredores, certificando-se da privacidade, acompanhado de Lavinia – a loba branca rajada de finas riscas negras. Henry caminhou com Klaus até a Árvore e deitou o corpo do Garou. Jullian se abraçou de Nyra na forma hominídea e Vinny seguiu em direção ao Garou.

– Eita, caralho! – Ela exclamou, pestanejando. – Nossa, desculpem… Mas se eu soubesse que este era Klaus, teria pedido para adiantar o ritual… – Brincou. – Gente. Eu esperava, sei lá, um bigodudo de mil novecentos e nada…

O sorriso de Henry se estendeu largo em seus lábios antes de rir.

– Aprecio o seu bom humor, Vinnie, mas Klaus ainda está em risco… – Jullian disse com censura na voz fria.

– Foi mal, Jullian… Ah. Certo. – Ela tocou Klaus em suas mãos. – Ele está muito gelado… Precisaremos de uma solução salina injetada diretamente na veia, Jullian. Nyra… Você não teria alguma solução calmante? Algo que ele possa inalar? Gaia… Estou sentindo um turbilhão na mente dele. Fiquei até tonta…




E o pior era que nem conseguia se concentrar no próprio relacionamento para dizer que andava péssimo. Tudo o que pensava era que tinha entrado na briga na noite anterior e foi a pior decisão. Somado às gentilezas de toda a Internet e famosos de lhe dar adjetivos sofisticados para vadia. A vida andava bem. Aisha havia conseguido colocar sua música na geladeira, que levou mais de um ano para escrever, e agora nem sabia se queria sair mais das Diamonds. Dava para voltar atrás? A reputação era muito menos pior do que um fracasso. Nem havia conseguido dizer isso a Ladi, que cantaria hits pré-fabricados novamente. Dormiu no telhado de novo, mas acordou aos primeiros raios. Desceu com sua surpreendente agilidade felina e mudou de forma ao entrar na cozinha. E ainda… A qualquer momento… Um bando de fadas que considerava muito amigas, poderiam explodir, pois a notícia era uma bomba relógio. Sem namorado, sem amigas, e sem Connor. Porque ele ficava o dia inteiro com a quase-modelo e Ártemis estranhava. Não havia nada que a fizesse falar porque gatos se fechavam em ambientes que não se sentiam confortáveis. Sentou-se na mesa da cozinha e apoiou os pés nas duas cadeiras da frente. Estava silencioso… E um pouco frio para a camisola curtinha que usava. “Vou ficar aqui” decidiu, fazendo a cara mais emburrada que conseguia e fitando a parede. “Eu deveria pegar todo esse dinheiro e sumir! Não preciso de nada”. Esperando o primeiro perguntar “O que aconteceu, Arty?” para explodir e falar tudo. Só ia esperar.

Oficialmente, cansado.

Após confirmar com Rhistel e Blair que poderia dormir sem acreditar que Audrey faria alguma besteira, Ladirus não quis ficar em casa. A guerra – porque aquilo não foi uma discussão – retirou toda e qualquer energia boa que poderia reunir. O Dragão de Água seguiu até a Casa de Vidro e ficara conversando com Nyra e Annik. Depois que Theurge foi dormir, a Ragabash lhe fez companhia até o Dragão se descobrir com um pouco de sono. Annik estava com problemas para dormir. Sonhos horríveis de sangue e morte, disse-lhe. Os dois acabaram se empolgando para falar do videoclipe que ela havia gravado há dois dias. ‘Polarize’ havia ficado perfeitamente belo com a dança intensa, forte e sensual da Garou. Ela conseguiu interpretar com uma coreografia cheia de movimentos que lembravam uma mente perturbada, exatamente o Rhistel queria transpassar com a música. Ladirus costumava a achar a Garou um pouco burra, mas se convenceu por fim que a inteligência dela agia diferente. ‘Polarize’ era uma das canções que ele visitava muito em sua mente e em seu fone de ouvido.

Assim que acordou, sem o Sol despertado no céu, ele seguiu em direção à academia, treinou por quase duas horas e se banhou. Queria se sentir cansado, mas nem este benefício a sua ansiedade lhe permitia.

A cada dia que passava, tornava-se mais árduo aguardar pela expedição que fariam para ajudar Audrey. Ladirus contava que assim que Klaus saísse do ritual, ele estaria pronto para ajudá-la, mas não foi exatamente este o decorrer dos fatos. Klaus não acordou direito. Ficara numa espécie de semicoma. Não falava ou regia. O corpo em si ainda não funcionava e toda a sua alimentação estava sendo por vias Mágikas. Quando estava saindo da academia, Connor e Tayrou estavam chegando.

Connor estava claramente pensativo, pois até demorou a perceber Ladirus. Tayrou, por sua vez, estava atento a qualquer movimento tocado pela luz. A esperança de qualquer comentário em relação a Klaus ficou estampada no semblante de Ladirus. Connor entreabriu os lábios e se voltou para Tayrou. O irmão da Luz estava transpassando finalmente a sua regência e um sorriso surgiu aos poucos em seus lábios sérios.

– Ele acordou? – Ladirus se adiantou.

– Não, mas eu sonhei com ele e acredito que teremos novidades hoje. – O Dragão da Luz não se aguentou e acabou rindo. Quanto tempo que não o via rir por rir? – Já avisei os Versos. Ainda estamos proibidos de nos aproximar, então…

Qualquer boa notícia era uma motivo para se ver esperançoso, Ladirus abraçou os dois irmãos ao mesmo tempo, apertando-os antes de sair correndo em direção ao Umbral. Ele plano até volta a casa e desceu pela varanda, correndo sala adentro até entrar na cozinha onde sentia o perfume de sua gatinha vir. Ele abriu um sorriso e caminhou até ela, abraçando-a pelas costas.

– Gatinha. Tay acha que Klaus acorda hoje… Você não vai mais precisar dormir no telhado ou se estressar… Ele poderá nos instruir para ajudarmos a Rey…

Queria explodir, mas com Ladirus não conseguiria. Escutou a voz dele mais otimista, junto de um sorriso, e acabou contagiada com a facilidade que manteiga derretia na frigideira. Ela ergueu o olhar por cima do ombro e admirou o belo rosto do namorado. Ergueu-se e se agarrou a ele, pendurando-se no pescoço do Dragão e roubando um selinho… Muito manhosa. Fazia dias que não ficavam juntos. E embora estivesse irritada pela prioridade que Audrey recebia, mesmo sendo tão má com ele alguns dias, ficou feliz de ter a notícia recebida com o certo entusiasmo dele. Atenção…

– Aleluia. – Comemorou no tom irritado e mimado – Não aguento mais… Não quero brigar de novo igual ontem a noite. Eu achei que ia ter que ir embora! Eu fico nervosa de ver essas brigas. Não vou ficar mais quieta. – Falava baixo e se afastou para olhá-lo – Mas e agora é a parte perigosa? Quem vai lá embaixo resolver isso?

As discussões cada vez mais sérias tiraram dos dias o amor cadente. A expectativa tímida trouxe as possibilidades da resolução do impasse de Audrey, e com ela, liberdade. Ladirus sentiu o selinho de Ártemis ferver os seus lábios. Ele a observou falar enquanto os molhava, experimentando da chama que não havia alimentado nos últimos dias. Os olhos ponderaram para a questão, mas ele não respondeu de pronto. Aproximou-se dela com mãos que a rodeavam pela cintura e boca que buscava por um beijo profundo e carentemente inflamável. Ele navegou pelos lábios cheios com propostas quentes e úmidas que não queriam esperar. Demorou-se, prolongando o que necessitado. Amava-a tanto que um simples sorriso dela despertava o seu coração com saltos de emoção. Queria-a bem. Queria que Audrey ficasse bem. Ele se afastou e mordeu o lábio, buscando por seus olhos lânguidos para sussurrar:

– O plano é: esperar o Klaus acordar… – Ele mordeu o lábio novamente entre a respiração mais agitada. – Se ele estiver bem, ele irá conosco… Se não estiver bem, ele dará as orientações… Eu espero poder ir… Mas será uma missão que os Versos e Blair querem realizar… – Versos e Blair. Sentiu-se engraçado por dizer assim. Às vezes, Blair parecia pertencer à Alcateia, mas estava excitado o suficiente para não conseguir refletir sobre a interação da Maga. – Eu ouvi muito sobre Klaus… Na reserva… – Ele desviou para o pescoço de Ártemis e o beijou. – Diziam muito bem sobre ele. Os Gwenevere ficarão felizes quando souberem que ele existe de novo… Acho…


Ártemis o escutava, mas já havia parado de prestar atenção. Encolheu-se com os beijos e carinhos dos braços fortes e acolhedores. Agarrou-se um pouco mais ao Dragão e virou o rosto para roubar um beijo de seus lábios, selinhos que se aprofundaram em um beijo intenso, cheia dos suspiros discretos felinos dela. Tinha seus problemas para compartilhar, mas achou melhor fugir da realidade com ele um pouco; algo que sua mente se entregava com uma facilidade prazerosa. – A gente pode ir para o quarto…? – Perguntou com os olhos pedintes, que o observavam dos olhos até a boca, agarrando-o pelos braços com suas unhas longas e pintadas.


A frase o atingiu como um Cantrip às defesas que não existiam. A respiração de Ladirus fluía através dos seus lábios entreabertos. Ele os mordeu brevemente. O olhar excitante de Ártemis fazia o seu mundo excluir do momento as interferências. Eram hipnóticos com orbes felinas, confinando-o para ela exclusivamente… – Sim, gatinha… – Ele sussurrou e desceu as mãos, sentindo as curvas maldosas do corpo pequeno até que pudesse erguê-la para si, fazendo-a com as pernas a envolvê-lo em seu colo. – Gata… – Ladirus sussurrou com um sorriso impuro. – Linda… – Ele a beijou enquanto caminhava. – Eu quero o seu pior lado… – Ele a mordeu ao lábio. – Me dê o seu pior lado…
Ártemis correspondeu o olhar malicioso, e esperou ser carregada para o quarto dele. Ela tirou a camisola assim que a porta fechou, e suspirou ao ser colocada na cama. A felina escorregou debaixo dele, e o acompanhou se deitar para o meio. Engatinhou na direção do Dragão de Água e se sentou sobre ele com sua lingerie de renda e sofisticada, preta e parecendo sob medida ao seu corpo por alguma grife de alta costura.

A fada soltou os cabelos negros e ondulados, que alcançavam sua cintura e o beijou com as mãos em seu peito. Um beijo de magia. Ártemis o encheu com a excitante sensação de receber glamour. Dilatava as pupilas, o ar ganhava outra condensação, e a aparência da fada se alterava, assim como ele receberia todos os efeitos de seu corpo mágico. O beijo de Cantrip brincou com as sensações dele, acelerando seu coração para o toque do corpo roçado pela gata, que o beijava e deslizava. Ainda que suas unhas ferissem a pele dele com uma facilidade, Ártemis era manhosa e delicada em cada movimento, quase preguiçosa, e cheia de suspiros que lembravam discretos miados. O beijo de lábios macios também tinha suas contradições, além de ter longas presas nos caninos, finas e afiadas, sua língua tinha um leve aspecto de aspereza e o beijo se seguia intenso. A cauda negra se envolvia na coxa do Dragão, apertando-a, e os beijos e lambidas desciam por seu pescoço e peito. Os olhos se demonstravam outra atmosfera também, a pupila ligeiramente ganhava um aspecto oval, embora não tão acentuado quanto de um real felino, e apenas uma delas permaneciam na cor preta, a segunda transitava entre o cobre e o alaranjado. Seus cabelos negros ganhavam um brilho mais forte e natural e pareciam crescer alguns centímetros. Acessórios também se tornavam visíveis a Ladirus, como a coleira em seu pescoço com o discreto sininho, e as pulseiras de couro em tiras que usava nos dois braços, iniciando do pulso até o cotovelo. A Pooka o mordeu no centro do peito e inspirou antes de erguer o corpo, ficando em pé com o corpo dele entre suas pernas e sem vacilar no equilíbrio mesmo sob o colchão da cama,  e começar a se despir das lingeries para ele lentamente.

Tão único quanto um presente artesanal. A cada sorver do Glamour, uma nova percepção e memória. Nenhuma era igual a outra. Fogos de artificio interno explodiam em canções de diferentes aspectos e formavam uma trilha sonora muda e perceptiva, como uma música ainda não cantada beirando à criação. Ladirus não se permitiu sequer um piscar de todos. Cada segundo era importante. Mão almejavam sentir o que os olhos mundanos não conseguiam. Os seus dedos, com garras azuladas como preenchidas por água, tateavam-na com o almejo de uma lembrança fixa. Ártemis sempre seria perfeita aos seus olhos, mas não escondia que forma mais pura de sua alma lhe trouxesse o mais puro fascínio. Envolve o suficiente para se soltar, permitindo-lhe o vislumbre de suas presas e dos olhos sobrenaturalmente animalescos. – Eu amo quando você me mostra quem é você no escuro… – Ele sussurrou. ­– Eu amo quando eu te mostro os meus lados e você não se assusta com eles…

O escuro do mundo sobrenatural, caminhando entre humanos distantes de uma realidade tão colorida. O nosso escuro. Ele se sentou ao erguer o tronco, olhando-a de baixo e admirando cada revelação do despir, mas também o oculto do vestido. Tão perfeitamente em vestes de mulher. A menina-mulher do seu Sonhar próprio. Sem se desviar, deslizou de si o short e a veste íntima, deixando-a pela cama. Curvando-se, encostou-se à coxa grossa e morena, inspirando o aroma do Sol em contato com a água dos seus lábios. – Eu te amo, gatinha…


Retirou as peças e o observou de cima, seu sorriso se desenhou um pouco mais fosse em seus lábios. – Eu também te amo… Não sei dos meus dias sem você… – Ajoelhou-se devagar, manteve suas mãos nos ombros dele e os olhos nos olhos. – Você é meu Dragão dos Mares. E eu nem gosto muito de água. – Provocou com a brincadeira e o mordiscou. – Mas é o melhor namorado do mundo. – Envolveu-se com seus braços finos pelo pescoço e a cauda pela cintura. Ele estava excitado entre suas pernas e ela molhada. Amá-lo e ser quem podia ser era a melhor parte da fantasia, ele não ligava para suas unhas que arranhavam sem intenção proposital, ou para o beijo pouco delicado. Também tinha sua natureza de Dragão florescendo parte do sonhar, como o glamour o enxergava. Encarava os olhos pequeninos enquanto se ajeitavam depois de longos beijos, toques e provocações, sentindo-o entrar devagar, deslizar gentil e pulsar. Contraia-se inteira em pura excitação, suas unhas se agarravam a ele com as reações menos discretas, ou ao colchão que sempre terminava rasgado. Trocavam posições, beijavam-se e entrelaçavam pernas e braços. Ártemis sempre terminava muito suada, os cabelos molhados e colados ao rosto. O glamour que seu corpo recebia em grande dose, fazia seu orgasmo ser muito mais doce que de um humano ou outra espécie. Sexo com quem amava regozijava sua espécie de energia. Seus gemidos e a respiração ofegante nunca eram discretos quando atingiam velocidade, e quando o ápice finalmente a atingia…

Um quarto cheio de cores e uma mente que conseguia assimilar todas elas. Amor de arco-íris, escorrendo dele e por ele e fluindo do alívio ao prazer entre uma temperatura muito quente. Ele mordeu o lábio e soltou-o quando se sentiu machucado. Havia um limite tênue entre o homem, o Dragão e a Estrela naquele instante. Ladirus gemia com ela. Até os gemidos dela o excitavam. Pulsava como um coração e com o coração. Amava-a tanto que já não achava que poderia explodir, pois distribuía. Entre o crer de uma sociedade cega, ele conseguia sentir a magia e as possibilidades infinitas que aconteciam entre relação sexual e o orgasmo. Talvez entre momentos desatentos, não ele não tenha notado que a sua pele ganhava escamas para se proteger ou a sua língua se tornasse um músculo com movimentos mais precisos e fortes, mas assim que permitiu-se alcançar altitudes com ela, permitindo-se o fluxo prazeroso fluir, teve a impressão que havia acontecido em um instante muito mais do que ele mesmo sabia.

Sua testa encostou a dela e os olhos se fecharam enquanto sentia com os dedos e suas garras a pelagem macia das orelhas felinas. Ele buscou por um beijo profundo, respeitoso às respirações, mas intenso a cada toque. Um sorriso insistente surgia e partia, mas quando a olhou novamente, ele estava sorrindo tão largamente quanto os seus lábios alçavam e até que os olhos se tornassem ainda mais pequeninos.

Se deu o luxo de apenas admirá-lo. Ártemis o tocava no rosto e o acariciava entre seus sorrisos também largos, pois se contagiava apenas de observá-lo. Selinhos trocados, enquanto a sensação se aliviava em seu corpo que sofria as fortes contrações. Ajeitou-se ao lado dele e fechou seus olhos por alguns minutos… Podia dormir com o som daquela paz, mas não o fez. Abriu novamente seus olhos, quando a sensação do Glamour foi se amenizando, e suas formas humanas voltando à realidade mais superficial. Debruço, cruzou os braços no colchão e ergueu levemente seu tronco. Sequer o sangue que havia tirado dele era humano, resumia-se tudo à sua alma que era onde o Sonhar tocava. – Sabe o que é engraçado… – Ela franziu o cenho, as pernas cruzadas para cima. – Vocês tem alma feérica. Quando eu encanto você cariño, consigo ver… Seu toque, sua pele, sua sombra… Qualquer Kithain em um ambiente sensível pode dizer que são Dragões… E quando fazemos amor, que você gera glamour fica mais nítido ainda… Eu fiquei curiosa… – Falou com os olhos quase fechados, a respiração ainda fluía por entre lábios – Quem criou vocês pensou no Sonhar. E não me surpreende na verdade, iria requerer muita criatividade…

Ele esperou que ela se decidi da posição que ficaria para se deitar com as costas no colchão e as mãos sobre o peito. Também se sentia suado, ainda rijo e úmido do amor, mas a vontade de se banhar foi barrada pela preguiça e o relaxamento. Acostumava-se às sensações que ainda rondavam o seu corpo. Não queria se mexer muito. Era aquele momentos, entre a concentração e o aéreo, que as memórias e as certezas costumavam vir. – Hm… – Ele murmurou, olhando-a com o rosto deitado de lado. – Ela era uma pessoa… Que acreditava em milagres e em união. Ela não entendia o porquê dos Garou serem tão fechados para eles mesmos. Quanto mais ela encontrava o preconceito, mais se sentia deslocada já que ela sabia que ela e o irmão eram diferentes… E a Sociedade Garou não aceitaria que existissem. – Ladirus falava para ela, mas também falava para si mesmo. E para Nyra. – Então, ela procurou fora. É engraçado dizer, mas sei que muitos dos meus irmãos não queriam se transformar em algo novo, mas quando ela veio a mim… Eu corri para ela como um cachorro que escolhe o dono. Eu não tive medo da mudança. – Ele franziu o nariz. – Talvez eu fosse um cachorro de luz naquela época. – Ponderou. – “Sirius, você precisa de um novo nome. Você não pode permitir que toquem no seu nome. Ele é especial”. Ladirus. Eu me nomeei. Isso é esquisito.

Ártemis o escutou com atenção e lentamente se sentou sobre os pés. – Vocês são muito inspirados na essência do sonhar… – Ajeitou o cabelo negro para trás dos ombros e os prendeu em um coque, voltando a exibir o corpo moreno, de seios pequenos. – Eu não posso sair falando meu nome original. Da minha antiga alma real… Antes dela precisar desse corpo físico… – Tocou-se no abdome. – Eu não lembro muita coisa. Meu contato com a vida anterior foi bem apagado… Existem alguns gatilhos que poderiam ativar minha memória. Eu já tive algumas experiências assustadoras quando morava no orfanato. – Franziu o nariz – Mas sabe quando você não tem certeza se quer descobrir? Bem… Acho que você sabe, né cariño. Você também não lembra de tudo…

Admirava-a enquanto a ouvia. Já havia pensado sobre o motivo de Connor e Tayrou terem-na adotado e não somente: sobre ela ter a mesma essência explosiva, agressiva e poderosa que Rhistel e Henry guardavam em seus interiores. – Não me lembro, mas não quero me lembrar de tudo mesmo. – Ele afirmou, seguro de suas palavras. – Sei que sofri… Sei que fui ferido de várias formas… – Ele coçou a orelha, incomodado. – Sei e não quero saber como. Enquanto estava na reserva florestal, eu tentava me lembrar, pois… Eu não tinha muito de mim. Eu não era só meu. Preso naquele ritual que me ligava ao Caern, era como se eu me pertencesse totalmente, então eu buscava pelas minhas memórias. Qualquer motivo era um motivo para querer distância dos meus irmãos. Eu invejava Betelgeuse nos ares após seu Caern caído e sentia raiva de Naos, Altair e Arcturo em suas liberdades. Eu só aceitava as visitas de Canopus. Hoje eu desconfio que havia um motivo forte para que eu, Ras Algethi, Bellatrix, Vega e Betelgeuse estarmos protegidos em Caerns. Polaris com certeza teve os seus motivos.

– Bem… Vocês estão mais próximos das respostas. Eu espero que a verdade traga alguma iluminação… Seja o que vocês passaram… Se há pessoas que sabem mais sobre vocês do que vocês mesmos… Isso não é bom, cariño. – Ártemis disse e se curvou para se deitar parcialmente sobre o corpo do Dragão de Água.

Indeciso por um instante, Ladirus a olhou. Os dedos a tocaram nos cabelos úmidos, acariciando-a em seu rosto. Saberem mais de mim do que eu mesmo. Não se soava bom, mas a cruz poderia ser tão pesada para carregar.

A Fada cruzou os braços no peito de Ladirus e se apoiou. O olhar passeou pelo ambiente, pensando em algo para comentar, mas a mente escapou da linha do assunto. Ela entreabriu os lábios e disse por fim, sem qualquer ânimo na voz:  – Eu desisti de Havana… Eu tive…

Os olhos distraídos do Dragão retornaram aos dela com nuvens nubladas à frente, tardando a abrir o tempo da racionalização. Quando o fez, os olhos foram se estreitando e a boca abrindo a medida que ele franzia o cenho inteiro com uma indignação clara:

– O quê?!


Ela se encolheu com a reação dele e assentiu para confirmar que ele havia escutado direito.

– A gravadora gostou da música e ficou com ela. Mas colocaram no porão logo depois! Aparentemente eu só posso lançar quando permitirem. Querem que eu cante um álbum de composição de nomes já famosos antes… – Ajeitou-se e se sentou sobre os pés de novo – Eu aceitei porque não tive escolha… Segundo os advogados. – Fez uma careta de desagrado – Eu estou sem fôlego, não quis insistir. Parece que só sai de um buraco com amigas, para ficar em outro sem amigas. – Encarou-o nos olhos pensando na indignação – Eu sabia que ia ficar decepcionado…

 

Não confiam. Ladirus pensou, mas não disse. Era uma ideia incômoda e óbvia. A fada já não havia demonstrado todo o seu valor? Era talentosa, dedicada e inovadora. ‘Havana’ havia ficado incrível. – Eles não aceitaram nem a versão com aquele rapaz fazendo o rap? O Parente do Luna do Concentro que esqueci o nome. Enfim, tinha ficado bem legal. Rhistel gostou e ele costuma a ser bem chato com composições. – E o restante do que existe no mundo. Ladirus mordeu o lábio, olhando-a e pensando. – Decepcionado, não, mas eu estava contando que você finalmente faria algo que tivesse orgulho. Enfim… Às vezes, não é ruim o que você vai cantar com esses “nomes famosos”…


Ártemis encolheu os ombros e os largou. Deitou-se de novo, de lado e de costas para ele. Trouxe o braço do Dragão por cima da sua cintura e escondeu parte do rosto no travesseiro. – Talvez… Achei qualquer coisa. Mas às vezes o público gosta. – Disse com a voz abafada, escondendo que queria chorar. – São os últimos cinco shows com as Diamonds. E então vou entrar em turnê de novo. Divulgação e tudo mais.

 

Qualquer coisa. Provavelmente algum pop enjoativo ou passageiro. Difícil esse mundo dela. – Escada difícil, gatinha… Eu espero que consiga convencê-los a mostrar ‘Havana’ para o mundo. – O Dragão de Água voltou os olhos para teto. – Isso quer dizer que você não terá tempo para acompanhar a turnê da Heathens, não é…? Nós vamos sair por aí em uma semana. – Ou seja… É hoje que comemos as preparações para o Mundo Inferior. – Tínhamos combinado que depois dos shows da Diamonds, você seria minha…


Ártemis o olhou por cima do ombro e voltou a desviar. – É, eu sei. Não vai ser imediato… As coisas ainda estão sendo conversadas. Talvez eu só consiga acompanhar por um tempo… Talvez… Datas ficaram em aberto. – Puxou o ar e o prendeu até não aguentar – Eu nem sei porque eu tento. Eu não sou talentosa. As câmeras são minhas amigas e eu tenho sorte!


Ele franziu o cenho, olhando-a desagradado. – Claro que não é isso, gatinha. Você só está numa indústria de leões cegos. Estão com medo de perder dinheiro, mas nem imaginam que o dinheiro virá com a sua arte. Eles usam uma fórmula e depois parece que só existe um jeito de fazer música. Sabe, eu e o Ras fomos advertidos sobre isso. “Algo mais parecido com o álbum anterior” e então, ele escreveu ‘Lane Boy’ e eu compus o meu solo de bateria mais criativo até agora, eu acho. – Ele elevou um canto dos lábios como se fosse rosnar. – Gravadoras são medrosas. Elas investem muito dinheiro e querem resultados. Pelo menos, a nossa é menor e somos mais livres nesse quesito. Mostre que você merece uma chance melhor que isso. Dê o melhor de si nessas canções… E o quanto você está disposta a chegar no topo, sem preguiças…


Ártemis o fitou mais cansada do que costumava, deu de ombros e virou-se de barriga para cima. – Eles não são flexíveis. Mas acabou minhas escolhas. – Fechou os olhos e os apertou – Tudo bem. Eu não estou feliz. Mas vou dar um jeito… Alguma hora… Eu sempre dou. Vai ser mais fácil sem as meninas…


– Às vezes, será melhor do que você está contando… – “E quando você vai contar para as meninas…?”, a pergunta ficou presa dentro dos lábios entreabertos de Ladirus que não permitiram que elas saíssem, fechando-os. O Dragão ergueu o tronco e pousou as mãos sobre os joelhos. Não é o fim do mundo ainda. Em último caso, podemos meter dedos mágicos nesse mundo humano… Acho? O Dragão a olhou por cima do ombro e descansou o queixo nele. – Gatinha… Eu vou tomar um banho e ver Audrey… – Ele disse, quase murmurando com os lábios fechados. – Dar a notícia para ela e seguir para a Casa de Vidro…









Sabia que estava sempre sendo vigiada, e conviver com o trabalho que dava era suficientemente difícil sozinho. Audrey viu seu irmão se afastando depois de pedir para ficar sozinha, mas sentia a presença de olhos o tempo inteiro. Precisava tomar alguma decisão? Diálogos de todos que haviam falecido, ainda circulavam sua mente como veneno na corrente sanguínea. “Você não pode me deixar sem sua ajuda”. Sua mãe pediu na última conversa. Mas saiu de perto dela… Ninguém queria saber quem foram os assassinos. O corpo de Auric nunca foi encontrado. Isso, ainda era uma sombra menor, que desengatilhou outros dispositivos na sua cabeça problemática. Se eu não morrer, eles vão continuar caindo, pensava. Eles vão continuar caindo. Audrey alcançou o saquinho com o pó branco no bolso do short jeans justo e manipulou entre seus dedos. Havia se drogado na noite passada, arrumado confusão com todos no caminho e dito coisas muito agressivas. Estava tudo perdido. O processo era sempre esse: drogas, bebidas, brigas, dormir e se arrepender na manhã seguinte. Guardou a cocaína no shorts de novo, tentando lutar contra a repetição. Mas logo o dia chegava no final da tarde e a dor já era insuportável. Não sabia nem dizer porque estava tão deprimida… Passou a mão pelos braços e se abraçou. Encolheu-se e se curvou para frente. A dor era física. Respirou fundo e ficou na posição. Estava no belo cenário do banco de balanço que ficava diante da praia, entre algumas árvores antes da areia começar. O mar estava calmo, o ambiente era escondido. A beleza natural enchia seus olhos nublados, mas nada fazia muito sentido. Coração pesado. Estava com o tope da mesma cor do shortinho, branco, os pés descalços roçavam na grama salpicada de areia quando o balanço do imenso banco se movia. Os cabelos azuis estavam na cor do oceano, repartidos ao meio e lisos. Foi o último corte que se apresentou no show em Nova York e havia sido elogiada vastamente pelo estilo e beleza. Mas havia se perdido das mídias e das coisas que mais amava…

Por outros motivos dessa vez, mas voltava ao sentimento de estar dividido. Audrey em sua escuridão mal conseguia deixá-lo próximo da claridade de Ártemis. Eram quadros muito opostos, com problemas em teores diferentes.

Deixar Ártemis não foi fácil. Os problemas dela não envolviam a sua vida, mas estavam intimamente ligados aos seus sonhos e Ladi imaginava o quanto isso fazia parte da sua essência feérica. Se pelo menos as brigas parassem. Sabia que teriam outros problemas, mas o medo de que um problema grandes e irremediável poderia acontecer era uma insegurança árdua de conviver. Esgotava e trazia pensamentos de derrota muitas vezes.

Ele mergulhou no Umbral e buscou pelo ar o perfume que não havia encontrado dentro de casa. Por sorte, ela não estava longe. Se estivesse, já o teria agoniado. Um dia de Sol perdido no outono antes do inverno. Ele sentia falta do Sol. Não usava camiseta e o seu short era preto. Ladirus se aproximou dela observando a posição que indicava uma queda…

– Rey! Tayrou disse que sentiu Klaus em seus sonhos! Ele acredita que teremos novidades hoje! – Ele terminou a proximidade numa corrida e ajoelhou-se diante dela, tocando os seus joelhos. – Eu tenho certeza que teremos uma resposta positiva. Iríamos hoje de qualquer forma, mas com informações e um guia será bem mais fácil.

Os olhos castanhos se abriram com um susto ao vê-lo. Audrey tinha o costume de se assustar. Mas a reação logo respondia-se com ternura. Ele nunca ficava bravo no dia seguinte, mesmo depois de ser tão agressiva, e era a luz de seus dias. A luz que adentrava seu universo escuro. Ela o fitou em silêncio por um tempo e relutou, moveu lentamente em negação sua cabeça.

– Não… Eu não quero que vão… Eu pensei muito sobre isso, Ladi. Eu acho que estão errados… E algo muito ruim vai acontecer. Eu não poderia lidar…


– Não… – Negou rapidamente – Você não entende. Sou eu. As coisas acontecem, as pessoas morrem… É isso que pode acontecer. E quem… – Respirou devagar, mas a voz sempre fluía agitada de seus lábios – Quem garante que já não está podre? Que eu perdi completamente. – Apertou os olhos e o segurou nos braços – Por favor. Digam para não ir. Eu não quero. Não desça. Não o deixem descerem. Eu tenho certeza que será em vão. Me escuta, por favor?


O pedido era tão absurdo que os lábios entreabertos não somente contavam sobre a sua indignação, mas também o quando havia lhe faltado palavras doces. Ladirus mirou as mãos em seus braços e retornou a Audrey. – Não. – Respondeu com calma. – Nós não iremos conviver com nenhum “e se” a mais na nossa vida. Nyra esteve se preparado essa semana toda. Nós vamos. – Ele se ergueu lentamente. – Eu vou lá falar com ela. Vem comigo… Tenho certeza que você ainda não comeu nada.


Ela se ergueu com ele e agarrou a sua mão. – Não é “e se”, Ladirus. – Ela brigou em tom de súplica – Não é isso! É verdade. Vai acontecer. Vai… – Os olhos derramaram lágrimas silenciosas. – Eu não tenho mais cura. Olha essa zona que eu fiz. Esse trabalho insano todo… Por que você vai pedir para Nyra se arriscar? – Engoliu seco – Olha o que eu fiz com sua vida. Por que você ainda está aqui?

 

Nyra também não aguenta mais. Ele pensou, olhando-a mais uma vez preocupado. A mão que segurava na sua ele acariciou com os dedos. – Porque eu te amo e te quero bem. – Ele respondeu, observando-a em seus olhos chorosos. – Nyra sente por mim assim como sente por ela. Você acha que consegue convencer os Versos a desistirem? Eu iria sozinho se necessário.

– Você não deveria… – Sussurrou e abaixou o olhar, sabendo que não conseguiria convencê-lo. – Eu estou com medo. – Ela disse e estremeceu inteira como se um vento gelado a cobrisse como uma manta. – Eu deveria ir junto. Eu sei que a Blair insiste que eu não vá, que a minha alma está conectada a ela, e que pode sem mim. Mas… Não faz sentido… – Ergueu o olhar para fitá-lo – Você pode convencê-los a me deixar ir? Eu preciso ver esse mundo que está tentando me engolir.

– Nyra não está na Casa de Vidro. Oi? – O Dragão pestanejou. E estremeceu também somente de imaginar Audrey naquelas terras que até os Espíritos mais fortes evitavam. – Ele é feio. Você não vai gostar. – Ladirus disse de pronto. – Esse Reino Umbral é o mais distante de Gaia. Você entra num estado sem esperanças. É preciso firmar e mente e lutar contra isso. Você está frágil, meu amor. – Ele a beijou nas costas da mão. – É o pior lugar para alguém que não está bem consigo mesmo…


– A questão não é gost- – Segurou o comentário antes de iniciar uma discussão sobre ir ou não ir. – Ok. Mas isso vai demorar quanto tempo para retornarem? Eu preciso saber. Eu… – Ofegava, mostrando dificuldade em lidar com a montanha russa dos próprios sentimentos. – Tudo bem. Quer dizer, não está tudo bem. Eu estou com medo, nervosa, ansiosa. Eu sei que querem cuidar de mim, mas… – Cobriu o rosto brevemente – Eu preciso me acalmar, eu não sei como.
– Rey, calma… – Ele pediu. – Nyra pediu uma semana livre… Eu espero que…

Ele a observava atento, temendo qualquer atitude de descontrole que ela pudesse ter naquele estado, mas, aos poucos, dispersou. Ladirus entreabriu os lábios e sentiu o coração ser invadido por tantos sentimentos ao mesmo tempo que o impulso de o segurar com as mãos levou-o a tocar o próprio peito. Ele observou o seu braço com os pelos se elevando, arrepiados. Ladirus ofegou observando floresta adentro e retornando o olhar para a Maga. Os pequeninos estatelados. Ele entreabriu os lábios para falar, mas o grito de Rhistel soou da varanda do último andar com as suas palavras roubadas:

– O LOBO-FANTASMA ACORDOU!

Ladirus fechou os olhos brevemente.

– Não posso ir… Gaia… Eu senti o poder dele. – A voz desnudava esperança. – Poder.

Audrey o soltou devagar e se arrepiou apenas por consequência das expectativas. A maga piscou os olhos devagar e o olhou perdida. – Parece que… Vocês conseguiram mesmo. – Franziu a testa – Você quer que eu vá? Por que não podem ir até ele? Não acho que ninguém vai me querer por lá, Ladi.

– Espere. Fique aqui… – Ele ofegou. – Lavinia disse que a condição dele era frágil e Blair confirmou que o Espírito ainda precisa de tempo e nós somos muito, sei lá, nem entendi, mas… – Ele a olhou como se não a enxergasse por um momento. Ladirus entreabriu os lábios e meneou a cabeça. – Isso é perigoso… Parece um… Despertar… Você não está sentindo isso? – Ele ergueu a mão que tremia e elevou o rosto até Rhistel. Ele não estava mais na janela. – Gaia…






Olhos abertos em visão embaçada, mas olhos de carne. Vida. Respiração. Batimentos cardíacos acelerados. O milagre. A emoção do sentir e do existir. Ela inflamou, debateu-se e correspondeu nele como uma diretriz de realidade ainda mais forte. Eu sinto. Vivo. Eu estou vivoMeu eu. Meu Espírito. O Garou uivava dentro de suas estranhas e o Mago enxergava os mistérios da Trama como linhas aguardando os seus dedos e apontando para todas as direções da realidade. Ele resfolgou mais de uma vez. Um prazer o respirar. Sentir que o seu corpo inteiro era oxigenado e estava mais uma vez bebendo da fonte viva de Gaia.

Gaia. Minha Mãe. Nunca o abandonara. Olhara por ele em seus momentos mais sombrios, perdidos entre Reinos Umbrais e caçado por Espíritos famintos pela sua essência única. Fora jogado ao pior destino, entre a morte e a vida sem pertencer a nenhuma dessas partes realmente. A sua vontade de viver o manteve vivo apenas nos primeiros anos. Depois, contou com a bênção da sorte, o olhar de Luna e o amor da Mãe Terra. Nada mais, acreditava. Nada mais teria o poder de fazê-lo resistir. Nem mesmo ele próprio. Não havia mais sonhos em sua mente ou desejos que pudesse se apegar. Por um tempo, ele foi um nada. Klaus desapareceu anestesiado pela desesperança e adormeceu dentro de si mesmo.

– Você precisa se estabilizar. – Ouviu uma voz que não conhecia. – Acalme-se. Nyra e Henry estão vindo. Caralho, justo agora.

Como?! Como se acalmar? Olhos abertos em visão puramente embaçada, mas olhos de carne. Vida. Respiração. Batimentos cardíacos acelerados. O milagre. A emoção do sentir e do existir. Ela inflamou, debateu-se e correspondeu nele como uma diretriz de realidade ainda mais forte. Eu sinto. Vivo. Eu estou vivoMeu eu. Meu Espírito. O Garou uivava dentro de suas estranhas e o Mago enxergava os mistérios da Trama como linhas aguardando os seus dedos e apontando para todas as direções da realidade. Ele resfolgou mais de uma vez. Um prazer o respirar. Sentir que o seu corpo inteiro era oxigenado e estava mais uma vez bebendo da fonte viva de Gaia.

– Eu não estou conseguindo. – Ouviu a própria voz carregada de sotaque inglês com um assombro. Minha voz.

Gaia. Minha Mãe. Nunca o abandonara. Olhara por ele em seus momentos mais sombrios, perdidos entre Reinos Umbrais e caçado por Espíritos famintos pela sua essência única. Fora jogado ao pior destino, entre a morte e a vida sem pertencer a nenhuma dessas partes realmente. A sua vontade de viver o manteve vivo apenas nos primeiros anos. Depois, contou com a bênção da sorte, o olhar de Luna e o amor da Mãe Terra. Nada mais, acreditava. Nada mais teria o poder de fazê-lo resistir. Nem mesmo ele próprio. Não havia mais sonhos em sua mente ou desejos que pudesse se apegar. Por um tempo, ele foi um nada. Klaus desapareceu anestesiado pela desesperança e adormeceu dentro de si mesmo.

O toque áspero do tronco em que estava descansando às costas retirou o pensamento da ilusão. A pele sensível esfregou o áspero, tendo no risco do corte a libertação da dúvida. Quis sentir cada parte do seu corpo. Moveu o pescoço, braços, boca, olhos, expressões…

– Não consigo… Eu preciso de ajuda. Me dê a sua mão. – Pediu.

– Eu posso fazer isso? – O homem lhe perguntou.

– Qual o seu nome…?

– Nathan. Está vindo mais gente te ajudar…

– Certo. Nathan. Você tem uma linda e poderosa voz que poderia mover montanhas. Você consegue. Segure a minha mão. O seu Espírito vai te proteger. Segure, por favor, ou eu mandarei tudo pelos ares…

… E não conseguiu mover nada abaixo do seu tronco. Não se desespere. A respiração se alterou, transtornada, e o coração quase pulou da sua boca. Não sinto os meus pés. Não sinto as minhas pernas. Ofegava e sentia-se suar. Estava vivo e paraplégico? Ainda estou em recuperação, ainda estou em recuperação

Ainda era dia, Nyra estava no Castelo e precisou de carona do Cometa, seu Palomino, para chegar à árvore rapidamente. Sabia que toda sua Alcateia deveria ter sido avisada, espalhada pela ilha por funções antes de mais uma missão prometida: a descida ao mundo dos mortos. Mas nem mesmo a premissa daquela missão tirou a ansiedade e o ânimo de ver Klaus… Havia assistido o rosto dele por dias e aliviado a tensão e ansiedade de cada Dragão e do próprio Henry. Sabia que era um momento delicado, e precisava analisar a situação com cuidado. Então fitou Nathan rapidamente antes de retornar a Klaus. Andou na direção do Garou e se abaixou ao seu lado.

– Klaus…?

Blair chegou em seguida e em um piscar. Parou ao lado de Nathan e observava o Lobo. Não piscava. Estava vestida com um jeans e uma jaqueta esportiva de seda azul Tiffany, os cabelos ligeiramente desalinhados, como se não tivesse encontrado paciência em penteá-lo. Chegou o mais rápido possível, surpresa pela notícia fora de hora.

– Não se mexa ainda. – Murmurou e se abaixou, fitando seus olhos. – Eu sei que está ansioso, e tudo é novo, mas é essencial que vá devagar…

– El? – O Lendário perguntou. – El…? – Insistiu. – É você?

Sentiu-o mais uma vez ansioso após uma calma breve. Ele havia virado o rosto na direção da Nyra, mesmo que claramente não a enxergasse. Nathan conseguia sentir em sua mão. Poder. Não sabia exatamente o que o Lendário estava fazendo, nem se deveria ter permitido o toque, mas sentia uma conexão sendo feita no fundo da sua alma. Ele está tentando me copiar? O Galliard se virou para Blair com nítida confusão nos olhos. Sentia-se tenso e não fez questão de transparecer a calma inexistente.

Mas Klaus sorria seladamente. Era um sorriso cheio de covinhas. Ele era um homem muito bonito e quando riu ao ouvir Blair, ficou mais bonito ainda. É um poder quebrado. Alguma coisa… Ele não consegue conectar. Nathan, de agachado, sentou-se no chão. O Galliard estava sem camisa e vestia um short esportivo preto, longo e folgado pelo abençoado calor fora de época.

– Eu morri? – Perguntou, franzindo o cenho. – Ah. Engano seu. Tudo é velho. Além do mais, eu estou ferrado. Ferrado… Notícia velha. Vivo assim!

Os sorrisos e risos de Klaus acabaram contagiando o de Blair, e o de Nyra, mas da última mais discretamente. A Theurge estendeu a mão para tocar o rosto dele com certo receio, até checar que estava mais ou menos seguro fazê-lo. – Eu não sou a El… Mas pode se dizer que sim…

– “Pode se dizer que sim”… – Ele repetiu as palavras sem perder o humor na voz. O suavizou ao sentir o que e aceitá-lo. – Certo… Está ficando um pouco mais complexo. Irei guardar o questionamento para um outro momento.

– Você vai ter que respirar e se acalmar. Parece que está acumulando mais energia que seu corpo conseguiria equilibrar… – Blair sentia a essência fluir poderosa no corpo dele. A compreensão e absorção de Mágika de Klaus era muito maior que de qualquer outro Lobo Mago, e estava em desequilíbrio – Pode acabar se machucando ou machucando alguém… – Blair o alertou – Vamos explicar tudo.

– E pode confiar em nós… Te trouxemos para casa… – Nyra sorriu na voz, sem se conter. – Você vai ficar bem logo. E temos boas notícias… Além do seu retorno.

– Sim. – Blair assentiu empolgada. Assim como Nyra também admirava aquele rosto, e se sentia muito familiar a ele.

Havia um humor infantil que Nathan comparava ao de uma criança que não sabia dos perigos que corria – ou não se importava. O Galliard observava aos três, mas possuía poucos palpites para se dar. Sentia a mão firme do Lendário segurando a sua cada vez mais quente, elevando-se à temperatura que um Garou deveria possuir…

– Isso é muito gentil… Eu estou sendo tratado por almas caridosas, então… – Ele fechou os olhos. – Minhas pernas não se movem… – Dizia, transparecendo um esforço de calma. – Há algo nas minhas costas…

– Nós sabemos. – Nathan respondeu, olhando-o. – Não deu para tirar, ainda. Precisa ser por partes…

– Uma pena… – Klaus sussurrou, calando-se por um instante enquanto respirava e soltava o olhar. – Eu estou cheio de perguntas, mas estou ao lado de Dagda, sim? – Ele fechou os olhos mais apertados. – Os Kardigans estão todos aqui… E…

Klaus se calou quando os olhos voltaram a se abrir. A instabilidade em um tênue controle, ainda muito sensível a qualquer mínima alteração de humor do lobo. E entre novidades, como não ter o coração palpitando emoções? Ele estava respirando novamente. Sentir o ar adentrando e irrigando os seus pulmões era prazeroso como nunca fora. O foco tomou os seus olhos. Ele mirou Nyra e se prendeu com demora no rosto dela. A desculpa de adoentado e recentemente despertado lhe permitia a observação. Ele se desviou dela com ligeira relutância e se focou em Nathan. Ele olhava como se pudesse registrar cada detalhe do rosto do Garou. Foi com a mesma demora que direcionou para Blair o seu olhar.

Olhar firme. Blair se entreolhou aos dois para checar se sentiam a Mágika que exalava de Klaus. Tudo era intenso, e não era apenas influência das emoções. Além de muito poder. Como se fosse capaz de rasgar qualquer um no ar se quisesse. Por um minuto, Meris a fez pensar em todos os riscos, mas já era tarde para precauções. Além de tudo, sentia-se confortável ao lado dele.
Nyra enrolava os dedos na barra do vestido curto que usava, e entreabriu os lábios para falar depois de respirar:

– Acho que temos que te levar para algum quarto agora. – Disse na voz calma e manhosa – Eu sei que é muita informação. Mas vamos te contando aos poucos…

– Sim. Agora você está aqui. Parece que estamos todos reunidos. Nada de pressa. – Blair segurava o largo sorriso. – Bem-vindo.

Ele olhava para cada um dos três com uma curiosidade pura. Nathan tentava transparecer mais de um semblante amigável. Klaus parecia carente de simplesmente estar na presença de alguém. Muito poderoso, mas também frágil e essa fragilidade preocupou o Galliard. Por um instante, ele imaginou as histórias que ouviu de Henry mais vivas. O Kitsune deveria estar se doendo muito por não poder falar ainda com o Lendário. Parecia fácil gostar de alguém que possuía um coração tão exposto. Teria mesmo sido mulherengo, é? Bom. Bem provável, com essa aparência.

– Seria ótimo ficar em algo mais macio ao Sol. Talvez eu saia daqui em formato de tronco… – Klaus arqueou as sobrancelhas.

Jullian chegou com Annik e o Lendário já desviava para direção deles. O semblante se tornou mais sério e concentrado, de modo que o Philodox e a Ragabash se aproximaram com a sensação de estragar uma festa.

– Lobo-Fantasma. – Jullian se curvou respeitosamente. – Alegre-me vê-lo acordado.

– Alegra-me estar em sua presença, Lâmina-Mortal. A sua assinatura está no Caern. Dirijo-me ao Rei?

– Sim… Bem. Responsabilidades divididas por aqui. Você estava na presença da Rainha. – Jullian fitou os demais brevemente. – Nós somos os Versos da Magia.

Timidamente e sorridente, Annik acenou para o Lendário. Em resposta, Klaus curvou a cabeça em uma referência.

– É verdade, então. – O sorriso Klaus se alargou divertido assim que lançou um olhar significativo para Nyra. – Magia passou a ser aceita pela Sociedade Garou, é?

– Não. – Nathan acabou rindo. – Eu escolhi porque não tenho vergonha na cara e eles aceitaram porque… Não sei. Talvez não quiserem me chatear.



A dúvida atrás de sua orelha lhe picava como uma pulga inconveniente e trazia a vontade de se coçar o tempo inteiro. O olhar preocupado e silencioso de Lavinia estava cravado em sua mente. “Está tudo bem”, lembrou-se da tentativa de um sorriso, “Vai dar tudo certo!”. Declaração mais padrão não existia. A neutralidade inclusive apenas lhe trouxe a certeza que talvez o assunto de Klaus não estivesse tão claro como deveria.

Jullian chegou à Casa de Vidro e foi recepcionado pelo olhar distante de Annik, parada com os braços cruzados e escorada à porta aberta. O Lendário ficou em dúvida se ela o aguardava ou apenas estava querendo distância. Ela era um assunto que o Philodox vivia adiando por falta de detalhes que a própria Garou se mostrava pouco inclinada a dar. A Volkov vestia um camisetão de tecido leve branco, estampado com um enorme Frankenweenie (Tim Burton) sorridente e uma gargantilha preta e fina em seu pescoço. Ela estava descalça e os seus cabelos longos soltos. Não usava maquiagem no rosto. Apenas protetor solar. Os longos cílios loiros se juntaram quando ela estreitou os olhos num questionamento silencioso:

– Está tudo bem, Jule? – Verbalizou-o.

– Eu espero que sim. – Jullian se aproximou dela e a tocou no rosto, beijando-a em seus cabelos e cheirando-os. – E você, Annie, está bem?

Os olhos cevados se ergueram para os seus. Annik não censurou que decidia sobre a sua resposta. Ela sabia exatamente o ponto em que ele tocava. As manifestações espirituais, os seus pesadelos e os vômitos na madrugada. Ela jogou os olhos pela sala e, depois, em direção à cozinha as vozes dos presentes se concentravam. Quando retornou a ele, já não levava ao semblante a seriedade, mas uma transparente insegurança. Não era a primeira vez que um dos Versos da Magia tentava arrancar de si respostas que ela não tinha…

– Eu estou bem. – Ela assentiu vagarosamente. – Apenas cansada. O ritual cobrou muito de mim. – As suas mãos buscaram pelas dele e ela o acariciou nos nós dos dedos.

– Foi um belíssimo uivo, Annie.

– Obrigada…

– Você tem estado distante das suas redes sociais… – Jullian comentou, curvando o rosto para perseguir o dela quando a Ragabash desviou.

– Não tenho vontade de postar nada. – Ela franziu o cenho. – É até engraçado você reparar nisso… – Sorriu. – Vem… Estão todos na cozinha. – Annik tentou conduzi-lo, mas ele não se moveu.

– Annik.

Ela o olhou, apertou os olhos quando sentiu a sua voz menos suave. O Philodox a encarou com demora antes de prosseguir:

– Eu vou sair hoje. Você aceitaria de se juntar a mim?

Sair. A Ragabash arregalou levemente os olhos. Sair significa matar. Annik ponderou. Ela não tinha nenhum problema com mortes. Mortes eram aceitáveis e naturais em sua vida. Após inspirar profundamente, ela concordou.

– Se você quer compartilhar isso comigo, eu aceito. – A Ragabash concluiu sem sorrir e voltou a caminhar.
Henry estava de pé. A ansiedade passava de uma mão para a outra no formato de uma laranja que ele não parava de jogar. Mesmo com a descrição dada sobre Klaus, claramente não havia se dado por satisfeito. A insatisfação em seu olhar, aliado com a sua Fúria, chegava névoas de energia ao canto dos seus orbes – dispersando a cada piscar. Ele não havia insistido, mesmo que o descontentamento infantil pedisse que regras fossem quebradas.

Com os orbes que o seguiam, Nathan se sentia agitado apenas de acompanhá-lo caminhando pela cozinha. O Galliard enrolava uma mecha do cabelo loiro de Blair em seus dedos distraidamente enquanto repensava tudo o que havia visto e sentido. Não conseguia se sentir apenas alegre por ver Klaus de olhos abertos. Sentia-se preocupado.

– Gaia… Até que enfim! – Henry perguntou assim que Jullian entrou na cozinha. – Como ele está, majestade?

– Lavinia vai ficar hoje com ele e examiná-lo melhor. Ele não está andando ainda e, tomando por base um rápido diagnostico, talvez demore a conseguir. – Jullian respondeu o mais neutro que pôde. – À noite todos nós poderemos falar com ele. Ele está bastante comunicativo, por sinal. De bom humor, eu diria. Apenas necessita se acalmar e estabilizar.

A Theurge estava sentada com os braços cruzados sobre as pernas e olhava todos analiticamente. Estava em um short jeans curto e uma camisa branca em um visual simples, embora seus longos cabelos ruivos valessem por qualquer outfit. A maquiagem estava perfeita em seu rosto, enaltecendo as belezas que já existiam sem qualquer esforço. Nyra mordia uma maçã lentamente, saboreando a fruta sem que o batom vermelho saísse de seus lábios. Refletia como os tempos andavam silenciosos e barulhentos ao mesmo tempo, e isso poderia ser tão perigoso, pois poderiam perder algum ruído importante.

– Uma pena que não há descanso para nós. – Nyra murmurou. – Eu quero não falar de ansiedade e problemas. Mas…

Blair estava com a cabeça encostado no ombro de Nathan e com um fone em um único ouvido. Ouvia a conversa e parecia serena, pois apenas parecia. O coração batia apertado por todo o peso que Polaris estava transbordando em mil sentimentos mal administrados.

– Temos a alma de uma princesa para resgatar em breve. – Blair coçou o olho e bocejou. – Mas tudo bem… – Abriu um sorriso breve em seguida. – Podemos descansar até lá… Vocês já têm o ritual pronto… E pelo o que entendi, não há nada que possamos planejar até estarmos lá.

Desprendendo-se da imagem hipnótica que os lábios grossos de Nyra e a maçã causavam, Nathan pestanejou, situando-se. O dedo indicador do Garou tocou o meio da testa de Blair e ele abriu um sorriso categoricamente maldoso e riu já anunciando o comentário ausente de bondade que diria:

– Prima. Nós vamos descer para o Inferno amanhã, não? O seu namorado está falando na nossa cabeça o tempo inteiro que precisa que isso seja feito antes da turnê, se ele puder ajudar e blábláblá… – Ele meneou a cabeça, tirando e pondo a língua para fora em repetição do som que acabou antes. – Vai ser amanhã? – O Galliard ergueu os olhos para Jullian. – Não, né?

O Lendário se sentou à mesa e Annik se sentou ao lado dele. Os comentários de Rhistel se recapitularam rapidamente em sua mente: “Ela vai acabar se matando”, “Hoje, empurrou o Ladi”, “Quebrou um prato do nada”, “Gritou de madrugada igual uma doida”…

– Não… Amanhã, não. – O Lendário cruzou os braços sobre a mesa e encolheu os ombros, deitando a cabeça no próprio ombro e fechando os olhos por instante e os abrindo após uma breve reorganização mental. – Blair. Eu gostaria de ver com os meus próprios olhos a cidade que você deixou. Então, se estiverem de acordo, eu vou levar Annik comigo enquanto vocês dois… – Ele olhou de Nathan para Henry. – … Acompanham minha estrela em seu compromisso e aproveitam para sentir o Umbral da cidade. Estamos até hoje com barreiras altas demais e isso está demandando muita energia. Seria interessante se soubéssemos se estamos nos preocupando demais ou de menos…

O Kitsune arqueou as sobrancelhas e voltou a jogar a maçã de uma mão para a outra, concordando por fim e se virou para Nyra, esperando uma confirmação assim como Jullian.

Blair concordou com Jullian sobre a cidade, aceitando melhor o fato de ter que envolvê-los – e se existisse alguém que preferiria que lidasse com isso diretamente, era Jullian.

A Theurge engoliu o pedaço de maçã e fez uma expressão de desagrado. – Não concordo. Eu iria agora. Exatamente agora. Estamos falando da Audrey… Possivelmente vocês não se sintam como eu me sinto, mas, dói muito. – Suspirou – Não me fariam esperar.

– Ei, ei… Calma… Não é uma missão simples, ah? – Henry pediu, olhando-as e largando a maçã sobre a mesa, caminhando até Nyra e pousando as mãos sobre os seus ombros, sentindo-os tensionados e começando a massageá-los. – Majestade… Dificilmente, encontraremos o que procuramos na “Penumbra” da Umbra Negra. Eu arriscaria dizer que teremos que viajar pela Estígia até! Eu passei por situações de risco for falta de conhecimento. Se ha alguém que pode nos dar uma luz, é Klaus…

– Klaus está debilitado. – Jullian disse de pronto. – É um risco muito grande irmos no escuro… Estaremos por nossa conta… Sem Gaia.

Annik pousou as mãos estendidas sobre a mesa. – Debilitado, mas se pelo menos puder nos dar uma luz… – A Ragabash murmurou.

Blair desviou o olhar brevemente. – Talvez… Não precisamos ir todos nós. – Arrumou a postura. – Eu vou, obviamente. Mas… Parece uma viagem perigosa demais e pode levar mais tempo do que o necessário, não é? Enfim… Eu tenho… Uma proposta, mas não sei se concordarão. Me veio na mente…

– Prossiga… – Jullian pediu a Blair, fitando-a.

A Maga ajeitou a postura e dizia, com toda eloquência que era parte de Blair e suas falas bem planejadas.

– É uma missão que precisará de pessoas. Não é simples. Traz riscos demais. Não acho que os Versos devem sair em uma missão tão arriscada agora, nessa situação. A seita não pode ficar sozinha por nenhum dia.

– Blair… Você não vai resolver isso sozinha… – Nyra franziu o cenho já irritada, erguendo sua mão para entrelaçar com os dedos de Henry em seu ombro.

– Não. Mas… Eu posso ir como Mensageira. – Explicou – Deixem-me ir com alguns que posso usar da Goetia. Eu tenho certeza que posso contar com alguns Espirais… – Negou – Podemos matá-los depois. – Ergueu o olhar até Henry. – Você poderia ir… Para orientar por lá… Mas enfim… Sempre tem alguém do lado de lá que sabe alguma coisa. Talvez…

Nyra ficou com seu olhar estático e incrédulo sobre Blair. – Eu posso fazer isso. – Blair disse com veemência, completando.

Os grandes olhos de Annik se arregalaram mais e ela passeou pelos semblantes dos demais para confirmar que não estava enxergando um grande absurdo sozinha.

– Blair… – Jullian começou, mas não completou. Descansou o rosto na mão e a observou, compreendendo muito rapidamente de onde provinha o impulso de resolver sem envolvê-los. “Minha responsabilidade”, ele sentiu entrelinhas.

– Espirais Negras… – Henry disse com suavidade e delicadeza na voz enquanto massageava Nyra. – A Umbra Negra testará nossas mentes e o quanto queremos viver. O quando temos esperança onde não há esperança. A força de nossos corações e sonhos. Tudo o que há de claridade nos ajudará lá. Uma Espiral Negra… – Ele meneou negativamente. – Não… – O Kitsune fechou brevemente os olhos. – Mas eu iria com você.

– Porra… Caralho. Acordem. – Nathan mirou de um para o outro, chocado. – Não é assim que resolvemos as putarias aqui. Não somos uma Alcateia que senta e governa. Somos guerreiros e agimos juntos. Vamos juntos.

– Menos Annie. – Jullian disse sem olhar para a Ragabash.

– Quê?! – Annik se endireitou, indignada.

– Nossos corpos e Forças Espirituais atraem os Fantasmas e Espectros como imãs. Eu não consigo calcular o perigo que seria se você fosse conosco…

– Você está insinuando que eu estou atrapalhando?!

– Annie. É verdade. Temos que saber sobre… Sua luz… – Nyra murmurou e fez um beicinho. Sabia que ela ficava nervosa, mas ficava cada vez mais eminente descobrirem seu potencial e cuidar dele.

Blair se ergueu e os olhos mediante a discussão. Aquilo pareceu a dar mais impulso para a própria ideia e Nyra tocou a testa como se estivesse prestes a identificar uma dor de cabeça forte. A loira continuou:

– Eu juro. Eu posso lidar com isso. Me dê uma chance, Jullian. Não tem necessidade de colocar essa situação. – Blair dizia exaltada – Eu sou a Mensageira. Eu não estou viva até agora por nada. Vamos. E vocês cuidam do que precisa ser cuidado aqui. Não é uma situação simples igualmente. Se levar dias… Algo acontecer… E vocês não estiverem aqui… – Blair fitou Henry – Você vem comigo. Você tem problemas com isso?

– Me soa muito arriscado. – Nyra protestou. – E eu não gosto.

– Não é porque eu quero resolver sozinha. É porque será mais simples e viável. A Ilha vai precisar dos Versos aqui nos próximos dias. – Blair disse ainda firme em sua própria ideia, falando rápido e convicta, antes de interromperem – Eu reúno um grupo forte e eles sequer fazem perguntas. Ainda não há problema se eu perder alguém. Pego e retorno. O restante fica para trás se tiver que ficar…

Enquanto Blair falava, Jullian já formava a imagem de Rhistel recebendo a notícia. Admirava-se por ele ainda não estar presente, tanto ele quanto Ladirus. Algo estava acontecendo? Audrey? Arriscou o palpite óbvio.

– Parece suicida, mas se… Pensarmos bem, eu ainda sou um Doshi… – Henry estendeu os braços e jogou a laranja de um lado para o outro com notável destreza. – Não sou um Metamorfo tão puro quanto vocês. Não serei tão perseguido. E essas minhas sete caudas não estão aqui por acaso.

É uma ditadura loira aqui. Primeiro, Remi. Agora, eu. Annik caminhou com passos pesados em direção à sala. Nathan ameaçou se erguer, mas Jullian o alcançou no ombro e negou com a cabeça. “Espere…”, silabou. Henry a seguiu com o olhos e se entreolhou com Nyra.

– Eu quero ver você contar o seu plano para o seu namorado. – Nathan disse a Blair. – Eu entendi o ponto, mas só vocês dois? Parece insanidade. Nenhuma hipótese de levarem um Dragão? – Nathan perguntou, mesmo já imaginando a resposta.

– A não ser que a intenção fosse travar uma guerra contra a Umbra Negra, não. – Henry apertou um sorriso humorado e fechou os olhos com força. – Sem chance. Bom… A não ser que… – Ele coçou o queixo. – … Uma magia melhor do que vamos usar seja desenvolvida. Nesse caso, somente se Klaus puder dar um caminho…

Jullian cruzou os braços sobre o balcão e se curvou para frente, ponderando. – Enfim. – Ele meneou a cabeça. – Vocês dois têm um ponto muito importante com relação à atenção. Eu tenho outro consideravelmente complexo. – O Lendário ergueu os olhos de Blair a Henry. – Eu acho que Audrey precisa ir. – Ele ergueu a mão antes que protestes começassem. – Conversei com minha estrela sobre isso. Esse pedaço de alma pode estar preso de modo que apenas a própria Audrey consiga retirar.

– Não é tão insano quanto parece. – Blair disse, também acompanhou Annik com o olhar. – São todos fiéis.

– Gaia. Isso é mesmo uma religião? – Nyra franziu o cenho, respirava incomodada.

– Sem dúvida. Nós vestiremos mantos e eu consigo disfarçar o Henry como se ele estivesse marcado pela Mensageira. Eu fazia isso com a Audrey algumas vezes. – Explicou, desviou o olhar para Nathan, pensando sobre a reação de Rhistel. – Eu não tenho certeza sobre Audrey. Mas… Parece menos arriscado… Imagina se chegarmos lá e não conseguirmos reivindicar? – Entreolhou-se com Henry – Mas vamos ter que protegê-la.

O Kitsune assentiu a total contragosto, mas não havia como discordar. Somente de imaginar todo o trabalho em vão, sentiu-se até mais pesado.

– Espera… Estamos mesmo considerando isso? – Nyra também olhou Henry. – Eu sei o quão forte você é… Vocês são… Mas Rhistel não vai concordar, tenho certeza que Polaris também não. Eu nem sei se eu concordo…

– Klaus precisa de vocês aqui e a Ilha. – Blair completou com seriedade – Peçam a Klaus que nos deem algo para nos guiar, se ele puder. Enquanto eu reúno um grupo. O ideal é que façamos o Ritual para a Descida na The Zoo. É onde eu encontro os grupos.

– Blair. Espera. A gente ainda está decidindo. Fica aqui. – O Galliard disse a ela, olhando-a já esperando que fosse sumir a qualquer instante. – Espera, porra.

– Nem somente por Klaus. Parece mais sábio e discreto irmos assim! – Henry disse, voltando-se para Jullian. – Não pense que estou sendo suicida ou me achando demais, ainda quero viver muito com vocês e não fiz metade do que eu queria fazer, se é que me entendem… Mas parec-

– Okay. – O Lendário piscou os olhos lentamente. – Eu concordo se Ras Algethi puder ir. Ou seja, falaremos com Klaus mais tarde e veremos. De qualquer modo, eu aceito a sua proposta, Blair. Leve Henry com você e reúna o seu grupo. Não vá sozinha. A noite, falaremos com Klaus e veremos quem desce ou quem fica. – O Lendário fitou Nyra. – É o mais logico, minha estrela. E, no fundo, o mais seguro igualmente.

– Rhistel não pode ir. Eu só posso levar Henry porque ele é um ser de Wyrm também. Além do mais, acabamos de discutir porque os Dragões não devem ir. – Blair explicou, ainda falando da forma agitada – Eu preciso dessa resposta breve para que eu possa reunir o grupo.

– Gaia. Blair. Vamos ter que te amarrar? – Nyra respirou impaciente. – Acalme-se. Ainda estamos digerindo essa ideia.

A Maga respirou devagar e voltou a se sentar lentamente.

– A proposta é eu e Henry, no máximo Audrey. Ou não tem sentido minha ideia. – A loira colocou um ponto final. – Um Dragão ou a Annik, tanto faz, chamaria imensa atenção de qualquer jeito.

Jullian se virou para Henry e o Kitsune o encarou de volta. Compreendeu no gesto o pedido de uma confirmação que não estaria apostando em uma opção desastrosa. Preocupação. O Henry parou de mover a fruta de uma mão para a outra. Blair? Questionou-se, fitando os olhos de oceano que nada demonstração além de atenção. Eu? Nós…? Empertigou-se.

– De Lendário para Lendário, você tem a minha palavra. É a melhor opção para o momento. Essa missão estava me incomodando desde a sua concepção. Lobos e Umbra Negra. Existe um motivo pelo qual os Peregrinos Silenciosos são solitários em suas missões por lá. Eu consigo disfarçar as minhas caudas e o meu poder Espiritual até me assemelhar a um humano. É um mundo de morte e qualquer criatura de emane vida irá atrair problemas. Tudo é feito pasma imaterial, inclusive eles, mas não saberão o que eu sou. – O Kitsune fez um beicinho e se voltou para Nyra. – Raposas sabem se esconder melhor que lobos. – Ele sorriu risonho. – Lá em baixo, eles não têm um lado… Wyrm, Wyld, Weaver… Tanto faz. – Disse a Blair. – Eu digo sobre as suas amizades a questão do que se pode sacrificar ou não.

Nada contente, Nathan voltou o olhar para Jullian, embora já sentisse uma decisão tomada. Precisavam verificar a cidade além de tudo. Desde o ritual de Klaus, sentiam-se em parâmetro para medir os problemas lentados. O Galliard apoiou o rosto na mão.

– Deve existir pelo menos a possibilidade de um localizador, caso vocês precisem de ajuda? – Nathan perguntou.

– Você está mencionando um tipo de Efeito cujo o poder seria Lendário, Nate. O corte espiritual entre o Reino das Sombras e os demais impediria qualquer magia mediana de funcionar. – Jullian respondeu pacientemente. – Ele está praticamente separado de todo o restante da Umbra… Não nos pertence. É o lar da humanidade decadente.

– Ah. – O Galliard franziu o cenho, perplexo. – Audrey tem um azar do caralho, hein?

Blair ajeitou a franja e concordou. Audrey tinha. Um grande azar ter pensado que Blair Valerius seria uma grande amiga. Destruiu a vida dela por muito tempo, e aquela dor nunca se apagaria mesmo depois de curada.

– Eu vou falar com o Rhistel, depois o Ladi e a Audrey. Ele vai precisar entender…

– Precisar, sim. Querer, é diferente… – Jullian disse a Blair. – Se Rhistel realmente não pode ir e Ladirus, é preciso que sejam convencidos.

– Eu espero. – Nyra a fitava com uma preocupação semelhante que tinha sobre Henry. – E é bom que comecem a se organizarem. – Nyra fez um bico e desceu do banco para abraçar o Kitsune carinhosamente e possessivamente. – Se me der cinco minutos, talvez eu não deixe mais.

Os dedos pintados tocaram-na ao queixo, erguendo-o para si antes de entreabri-lo para beijá-la e abraçá-la fortemente. O toque quente de sua língua à dela rapidamente inflamou o seu corpo, recordando-o da Vida que sentia despertar dentro do seu ser e guardado para si a memória recente de amor e luz. Os beijos de Henry seguiram pelo rosto perfeito da Garou até pousar num selinho ao lóbulo da orelha.

Desviando os olhos do beijo erótico, diferente de Nathan, Jullian retornou a Blair. – Não esperem o escurecer. De noite, escondam-se. Não se arrisquem. Prometa-me, Blair. – O Lendário a encarou.

– Eu prometo. – A loira disse, arrastando o olhar com dificuldade da relação Nyra e Henry.

Os dois eram um casal que haviam se encaixado perfeitamente, como peças de um quebra cabeça que traziam a paisagem do sonho americano próprio. A Theurge se entregou ao beijo, e esqueceu-se ao expressar já saudade viva e ávida que sentiria. A Maga estava com os olhos bem abertos quando retornou ao Lendário.

– Desculpe por ter quebrado sua confiança quando visitei a cidade sozinha… – Disse a primeira coisa que veio a sua mente. – Mas sou capaz. Eu não entro em algo sem saber que tenho como vencer. Eu sei das chances. Nunca joguei para morrer. – Abaixou o olhar – Nos falamos mais tarde…

– Mais tarde, não. Daqui a pouco. Aproveitem o dia. Só me avise quando forem partir. – Jullian disse com seriedade.

O Galliard inspirou e abraçou-a de lado, beijando-lhe o rosto duas vezes antes de sorrir para ela. Delicado, ele a buscou das mãos e pousou-as sobre a mesa. Nathan uniu as mãos em concha e as abriu, depositando à mão de Blair uma esfera quente e vermelha, mesclada em laranja e amarelo em movimento, que penetrou nela ao toque e fundiu-se ao seu espírito.

– Eu tinha guardado para descer. Queime-os, sempre preciso. – Ele disse, aproximando-se dela para unir a sua testa à da Maga. – Queime-os todos. – Ele sorriu ao se afastar.

Agarrado a Nyra, Henry a apertou antes de se afastar. O Kitsune caminhou até Jullian e tocou-o sobre o ombro e se aproximou de Nathan, beijando-lhe o rosto.

– Ficaremos bem. Eu os avisarei assim que fomos descer. – Henry enviou-lhes um beijo antes de ter a sua imagem consumida por chamas rubras.



Pisando na casa azul, Blair abriu a porta de vidro da varanda e pisou em um caco de vidro que quebrou abaixo da botinha. Os olhos claros foram seguindo o rastro até uma Audrey encolhida quase em posição fetal no canto de um dos sofás. Ela estava com um braço sobre o braço do assento e o rosto escondido. O outro braço sobre o abdômen e respirando com gemidos discretos de dor. Ladirus sentado ao lado dela, e Leah abaixada diante da maga. A fada sussurrava palavras cantadas que moviam a antiga Mágika do sonhar e das fadas, e aquilo estava acalmando a Princesa. Leah havia se tornado uma ferramenta de boas energias para o lar. Ártemis havia contado que as habilidades da Changeling sondavam a inspiração e a Pooka Husky era realmente um mar de leveza (quando estava brava com a Gata). De uns meses para cá, as duas Kithain haviam feitos muitos rituais pela casa, e Blair tinha certeza que eram o que ajudava a manter Audrey viva, sem cometer atentados contra a própria vida no último mês. E Blair também sabia, que a mesma energia apaziguadora e poderosa de Leah, andava mantendo Polaris nos eixos de uma calma. A Changeling, além de tudo, tinha uma beleza invejável e fora de qualquer padrão. A voz era perfeita e sua essência poderosa. Não havia como minimamente amar a presença da Kithain e seus olhos de pedras cristalinas. Blair agradeceu internamente a presença da Fada, e desviou o olhar para Henry antes de procurar Rhistel e verificar se Polaris estava próximo também.

– Ela dormiu. – Leah ergueu o olhar para o grupo que chegava e encarou Ladirus. – Ela vai se sentir melhor quando acordar. Você acha que consegue fazer a Rey beber uma água quando acordar? Vai ajudá-la. Dá uma leveza para os pensamentos. Eu posso preparar alguns frascos se quiser.

– Sim. Ela é bem resistente a beber água, mas eu sempre insisto que se hidrate… – O Dragão tocou nos cabelos azuis da Maga e ergueu o olhar por cima do ombro, observando Blair e Henry.

Elara sempre amava os seres do Sonhar. Amava-os tanto que se envolveu com eles em graus que poucos Garou consideraram se aprofundar. Henry se tragava para épocas distantes sempre que avistava uma Fada. Ele também aprendeu a se sentir confortável com a presença delas e apreciar os poderosos únicos que os Metamorfos no geral julgavam desnecessários e que o mundo tanto carecia. Todavia, a lição mais importante que a Lendária tanto lhe ensinar era aprendida nos últimos anos.

Caminhando com a essência que não o abandonava, Henry se aproximou do sofá e sentou-se ao lado de Ladirus após olhá-lo e cumprimentar silenciosamente Leah. O Dragão observou os olhos profundamente escuros do Kitsune e notou, sem buscar por evidências, que havia mais intimidade naqueles olhos do que deveria existir.

Rhistel estava de pé enquanto Polaris tinha o corpo estendido pelo colchão macio da cama de casal. O Dragão da Matéria fitava o teto enquanto o Dragão de Gelo caminhava de um lado para o outro, arriscando notas em um ukulele apenas pelo intuito de descarregar parte da ansiedade que o corpo sofria. Rhistel estava sem camisa e trajava uma bermuda larga e longa preta, deslizando os pés descalços pelo piso. Acksul também não trajava camiseta, mas usava uma calça azul escura de tecido leve, amarrada com um cordão branco.

– Blair. – Rhistel parou de tocar assim que a sentiu e largou o ukulele sobre a cadeira, caminhando até a Maga antes que ela entrasse no quarto.

A maga parou na porta e os fitou muito brevemente. Seu sorriso nasceu e morreu umas duas vezes antes de tocar o rosto de Rhistel com suas mãos muito quentes e o beijar em um longo e carinhoso selinho. Seus braços o cercaram pelo pescoço, abraçando-o apertado, e depois desceu suas mãos leves pelo ombro de Rhistel até seu peito sob as tatuagens antes de se afastar apenas um pouco e fitar os olhos escuros acastanhados do Dragão. Blair usava um vestido de verão branco, estampado com pequenas violetas no tecido branco – os pontos azuis da roupa combinavam com o delineador azul que usava. Suas bochechas estavam rosadas assim como pigmentos nas partes mais sensíveis de sua pele, como se tivesse ficado abaixo do Sol por um tempo, e absorvido seu calor.

– Você está bem, meu amor? – Falou e deitou o rosto para fitar Polaris – E você? Não se estavam me esperando, mas que bom que achei os dois…

O sorriso dele se desenhava largo em seus lábios avermelhados, estendendo-se um pouco mais com o beijo e os toques exploradores quentes. Calor do fogo em contraste com a sua pele gelada. Rhistel até sentiu um arrepio lhe correr pela espinha. “Eu gostei disso…”, ele silabou, olhando-a interessado e até se dispersando do foco da sua mente ansiosa. “Eu vou mandar Polaris embora assim”.

Devagar, Polaris ergueu somente o pescoço, virando os dois com uma expressão seria. – Bom, eu imaginei que você traria noticias de Klaus, já que ninguém nos diz nada e, por alguma razão que não foi explicada, Torvoethardurg está com a Lavinia na Casa de Madeira com Klaus. – Ele arqueou as sobrancelhas e largou-se de novo no colchão. – Mas tudo bem. Leah fez algo em mim e eu não estou conseguindo me estressar com nada. O que nos diz?

Assistiu o olhar de Rhistel a chamando e quase se esqueceu da razão que estava ali. Beijou-o em outro selinho delicado, e se conteve ao escutar a voz do seu Dragão de elo.

– Vocês vão poder vê-lo logo. Ele está falante. Com certeza com saudades. – Disse aos dois, tranquilizando-os – Não está nada muito longe do esperado. – Afastou-se devagar de Rhistel, seus olhares a ele mais animados do que a situação pedia. Mas o corpo havia realmente ficado quente, e a roupa de verão que usava, de alcinhas e cumprimento curto, caiam bem para a estação que sentia ser. A maga andou até a mesa redonda de mármore que havia de frente para a imensa sacada do quarto do casal. – Sentem-se aqui, por favor. – Indicou as cadeiras sofisticadas diante da mesa. – Eu vou explicar.

Meu Deus. Rhistel inspirou o perfume que ela deixou ao caminhar, fechando os olhos enquanto a sensação de calor ainda se prolongava por sua pele e interior. Esteve tão ansioso por ouvir sobre Klaus e naquele instante, só queria ouvir somente Blair. O Dragão de Gelo caminhou até o assento indicado e sentou-se, arrastando a sua cadeira para mais perto da que a namorada se ajeitara. Sua mão fria pousou sobre a coxa coberta pelo vestido e os seus dedos fizeram uma leve pressão. Rhistel descansou a cabeça no ombro depois de senti com os lábios a sua pele quente num beijo vagaroso. “Explique-me também porque você está tão quente…”, Rhistel sussurrou à mente dela, “Blair, eu quero arrancar essa sua roupa de você…”.

Com uma expressão séria, mas comicamente serena, Polaris se sentou a mesa e pousou os braços sobre ela, entrelaçando os dedos das mãos e olhando de Rhistel para Blair com clara paz interior e compreensão.
A mão de Blair deslizou por cima da dele sobre sua coxa e ela sentiu o corpo se esquentar mais. Que vergonha interromper aquele clima… Esperava que de alguma forma, a reação dele fosse diferente da ansiedade e nervosismo que imaginava; e Polaris os deixassem, e a cama não ficasse menos interessante. Ela não respondeu ao Dragão de gelo, mas sorriu e abaixou a cabeça brevemente.

– Bem… – Limpou a garganta. – Sobre a Umbra Negra. – Informou qual seria o assunto de antemão. – Escutem com atenção. Estávamos decidindo como proceder sobre essa missão…  Eu dei a proposta e eles aceitaram por ser mais viável… Mediante a situação que estamos. – Dizia e acabou se erguendo e afastando os cabelos da nuca quente – Iríamos todos, todos os Versos, Henry e eu. Mas… Pela volta de Klaus… A cidade estranha… Vai funcionar diferente. Henry e eu vamos descer até o mundo inferior. – Fitou o olhar de Rhistel e depois Polaris – E Audrey. Eu vou juntar duas Alcateias, – Pressionou três dedos no mármore – da Goetia. Ou três. Dependendo do nível que eu reunir. E eu irei como Mensageira. Vamos resgatar a alma de Audrey, e retornamos. Simples. – Voltou a se sentar novamente. – Adianto que já realizei missões assim antes, por isso não estou desconfortável. E deixo claro que… Eles apenas concordaram porque sabem que é possível… Não é uma missão suicida. Um método diferente, mas… não anormal para mim.

A medida que Blair comentava, Rhistel se endireitava mais. O Dragão de Gelo cruzou os braços lentamente e passou a fitar de Blair para Polaris. O seu irmão da Matéria sustentava a cabeça com as suas mãos ao lado do rosto, esticando a pele de suas bochechas enquanto observava Blair falar. A calma dele também contribuiu para a Fúria do Dragão de Gelo que despertava. Rhistel chacoalhou rapidamente a cabeça, apertando os olhos e inspirando profundamente.

– É… – Polaris quebrou o silencio antes que a sua voz irrompesse, falando com uma calma ainda mais irritante para Rhistel. – Eu imaginei que uma saída alternativa seria dada. Se Henry afirmou que os corpos dos Metamorfos emanam vida na Umbra Negra, os nossos seriam um grande problema. Um evento. Assim como os Garou…

– E Henry é o quê? Uma mariposa?! – Rhistel rosnou para Polaris e passou apenas a encarar diretamente o irmão. – Polaris, me deixe falar com Blair. Você está DROGADO! – Berrou a palavra final. –  Não é possível que está concordando com essa MERDA!

O Dragão da Matéria o encarou com tédio:

– Você não está raciocinando… – Acksul inspirou profundamente. – É mais seguro para todos. Inclusive, para os dois.

– Blair e Henry se arriscarem sozinhos, você diz?! – Rhistel se ergueu, pousando as mãos na mesa. – Ras, você já esteve no Mundo Inferior?

– Óbvio que não. – Rhistel esboçou um sorriso amarelo.

– Eu já. – Acksul disse, olhando-o com uma calma imperturbável. – Você acha que não me preocupo com Blair? Ou o que eu andei pensando nesses dias, sobre… Ela andando com uma Alcateia de Garou na Umbra Negra? Aquele lugar é podre. Quando mais discretos forem, melhor. Henry é mais do que capaz. Blair também. Foi uma ótima escolha, Blair. E você, Ras, está fazendo a única coisa que não deveria fazer. – Polaris se ergueu. – Deixando-a preocupada. Blair precisa carregar bons sentimentos com ela, pois tudo naquele Reino a convidará a sucumbir ao Limbo…

Magoado, o Dragão de Gelo fitou o irmão e desviou-se para a mesa. Polaris se aproximou de Blair a tocou sobre o ombro.

– Nossa ligação irá se romper assim que você entrar lá. Não se preocupe. É assim que o Reino funciona. Ela será refeita assim que você sair. – Explicou, ternamente. – Vou preparar uma coisinha para vocês levarem. – Disse, abrindo um sorriso tranquilo para ela.

Blair piscou seus olhos devagar e observava Rhistel chateado. Os gritos dele a assustaram brevemente, mas nada longe do que esperou. Agradeceu pela calma concedida a Polaris, e a visão que esclareceu melhor ainda o que tinha mente para Rhistel.

– Rhistel. Eu não vou sozinha, nem o Henry. Os que vão me acompanhar são descartáveis e vão lutar por mim até o final. – Disse ao Dragão de Gelo – É por esse lado que os vilões são mais fortes, sabe? São todos descartáveis, exceto a mim. Henry e Audrey podem se passar por membros da Goetia com facilidade. Eu sei que parece desagradável… – Fitava-o ­preocupada – Mas será mais fácil, acredite.      – Voltou a se sentar perto do Dragão de Gelo e o tocou no rosto carinhosamente.    – Confie em mim, tudo bem? Ainda temos que convencer Ladi que é a melhor opção…   Já que Audrey terá que ir também. – Entreolhou-se com Polaris. – Você pode falar com ele?

Polaris concordou vagarosamente com a cabeça. – Ladirus costuma a ser mais racional. Eu já imaginava que ela iria junto com vocês… O problema é que estamos em um péssimo momento. Eu recomendo que tente falar com Klaus antes de ir. Se há alguém que conhecem as Terras Sombrias, é ele. – O Dragão da Matéria comentou antes de se afastar, caminhando para fora do quarto.

Nem quando tocado no rosto, Rhistel a olhou. Os olhos escuros ficaram na mesa sem se desviarem. Quando ouviu a porta se encostar, ele ergueu os olhos para o teto, claramente controlando-se. Apoiando o braço no encosto da cadeira, ele a fitou em seus olhos claros entre ressentimentos. – Eu duvido que você está propondo isso apenas por segurança… – Sussurrou. – Parece que você sempre está buscando uma forma de penitência… O problema… É que eu tenho medo que um dia você a encontre… – Ele negou lentamente com a cabeça. – E como eu ficarei sem você? Não sei… Isso já te passou pela mente um dia…? Como eu ficaria sem você? – Os olhos dele derretiam-se em água.
As palavras de Rhistel a pegaram de surpresa. Blair sentiu o ar fugir dos pulmões e afastou devagar a mão do rosto dele. Sentiu-se cortar ao vê-lo cortado, sem conseguir encontrar as palavras para confortá-lo, fugindo como areia de seus dedos. – Não… Rhis…  – Encarava-o no olhar.  – Não… Eu realmente acredito que seja melhor… Eu não vou me colocar em perigo, eu juro. Você não vai ficar sem mim, meu amor… Por favor… Não me olhe assim… Eu… – Respirou finalmente e segurou-o no braço, acariciando-o na pele tatuada – Preciso colocar algumas coisas em ordem. Eu não me sinto mal. Eu não me sinto penitente. Mas eu devo isso a ela… E estou fazendo da forma mais segura possível.  Você não vai me perder…

Mas eu devo isso a ela. Eu não sou uma penitente, mas devo. Você é. Rhistel piscou os olhos e libertou duas lágrimas quentes que desceram pelo seu rosto frio. Ele fungou, engolindo a seco. Os olhos escuros vagavam pelo rosto corado dela, mas sempre retornando aos olhos claros. Sentia-se agoniado e os olhos cada vez mais vermelhos eram reflexos de um interior em conflito. – Só não me peça que eu concorde com isso. – Sussurrou com a voz embargada. – Isso não vai acontecer. Eu só passo aceitar que você colocou na cabeça que os seus assuntos você precisa carregar nas costas. Não temos somente Garou na ilha… Temos Magos. Você quer ir com Henry. – Ele meneou a cabeça. – E ele é igualzinho a você nesse sentido. – Rhistel fechou os olhos. – Eu estou muito chateado com Jullian agora.

Piscou os olhos devagar, pensando nas palavras, não tinha o costume de chorar, mas sentiu ficar próxima disso. Blair aproximou seu corpo e o beijou na lágrima quente. – Por favor, não fique bravo… Eu preciso fazer isso, Rhistel. E não fique chateado com ele. Se eu nunca estivesse estado aqui, vocês não passariam por nada disso…  Eu os convenci, e todos sabem que é melhor e viável. Não é porque… – “Quero ir sozinha”, engoliu a frase para dentro da sua mente. Achava mais viável, mas não concordava que era justo envolve-los igualmente. – A Ilha precisa muito dos Versos… Klaus está aqui e estamos em um momento sensível… Além do mais… Jullian nunca iria concordar se não enxergasse chances maiores nisso. Você sabe que ele nunca me arriscaria. Você sabe disso. Nenhum deles me arriscaria.  – Disse firme, sem perder os olhos dele.    –     Eu não estou indo sozinha, nem escondida… Tudo bem? Eu disse que nunca mais farei isso… Me desculpa… Eu estarei segura dessa vez…

Azar, quem sabe. Uma missão em que não poderia ser útil e tão delicadamente perigosa que o calculo se perdia antes que ele começasse a resolvê-lo em sua mente. O problema do seu grande amor era ser um amor. Blair arrastaria todas as sombras do chão antes que elas tocassem as pessoas queridas dela, se pudesse. Sacrificar-se-ia, caso necessário. Rhistel enxergava a coragem suicida e a reconhecia, pois assistira a tantos sacrifícios no Coração de Thor. Ele abriu os olhos de cílios que se descolaram de lágrimas. Suas mãos buscaram ambas as delas e pousaram sobre as próprias coxas, segurando-as firmemente. – Eu te amo, Blair Valerius. – Disse, olhando-a. – Você… É muito mais que uma amante para mim. Muito mais. Quando você sentir frio em seu coração lá em baixo, lembre-se que eu estarei aqui, esperando por você. E… – Ele negou com a cabeça. – Espero por você inteira. Tudo o que você é e o que você foi e… O que você vai se tornar, eu… Eu estou aqui para abraçar todos os seus mundos.

Seu coração sentiu o alívio que acompanhava as palavras de Rhistel. Fechou seus olhos por quase um minuto, pensando na força do sentimento que tinha por ele, e como se arrastaria e mataria pelo amor do Dragão. Inclinou o corpo e o beijou no ombro. Blair o encarou em silêncio, firme, e só então de minutos sorriu timidamente e concordou. – Você me dá forças… E faz isso valer a pena, Rhis… Eu me sinto viva… Eu… Eu te amo muito e vou repetir todos os dias… – Ergueu-se e se aproximou dele, curvou-se para beijá-lo nos lábios, em um selinho que demorou até se tornar um beijo lento e profundo, apoiando seu joelho sobre a coxa dele enquanto o sentia em sua boca. – Eu não sei como será aqui… Eu não sou tão sensitiva… Mas parece que algo estranho vai se desenrolar… Eu voltarei rápido. Mas se cuida, tudo bem? Eu sinto como se…  –  Franziu o nariz –     Algo grande estivesse se rastejando debaixo da terra… Imenso e se movendo com pequenos terremotos… Se cuide então. – Beijou-o em outro selinho – Eu posso tudo, menos te perder. Menos te perder.

De lábios entreabertos, suspirava o calor que o beijo e as palavras lhe trouxeram. Rhistel concordou vagarosamente, retribuindo o selinho com mais demora e o transformando num beijo. – Bee… – Olhou-a, roçando o nariz ao dela. – Eu… Sei… Eu que… Há um clima estranho lá fora e… Mas… Não. Eu não quero falar disso… Eu sei que você está com o tempo curto… Mas… – Olhou-a. – Deixe-me te dar um impulso a mais para voltar logo… – Ele a puxou para o seu colo. – Deixe-me te deixar com vontades bem agora… – Sussurrou e beijou-a.

Author: