Glowing Eyes

Categorias:Romance
Wyrm

Glowing Eyes


A tranquilidade já não fazia mais parte da Casa de Vidro durante aquele mês que pareceu correr como uma única semana. De modo a conseguirem reunir o maior número de ideias e aperfeiçoar o Efeito que era tratado dia após dia, as reuniões constantes ocorriam como se um extenso trabalho de faculdade necessitasse ser concluído perfeitamente aos mínimos detalhes. As noites em claro se tornaram tão comuns quanto os porções energéticas ingeridas.

Entre idas e vindas dos envolvidos, Jullian não somente ajudava com os seus conhecimentos, mas cozinhava quando disposto ou organização as refeições que pedia do castelo. Jullian sempre estava por dentro de tudo o que se passava e se desenvolvia. Quando se via mentalmente cansado, largava-se no sofá ou saia para sentar se próximo ao viveiro de pássaros enquanto jogava brinquedos para os cães caçarem e devolverem na sua mão. Henry raramente o encontrava sozinho nesses momentos de paz e mais de uma vez o encontrou com Hannah, mas a curiosidade com o casal era muito tímida em sua mente turbulenta.

Não apreciava necessitar de apoio, mas a composição do ritual para livrar Klaus da maldição lançada pela Goetia e Sebastian estavam o transformando mais do que ele achava prudente. Diversas vezes, ele pediu a Blair para que o livrasse da escuridão que crescia naturalmente dentro do seu corpo, pois não estava conseguindo para e meditar. Ele não queria trazer tal peso para o seu relacionamento com Nyra, mas não conseguia resistir ao apoio que ela estava oferecendo. Ele também sentia Tayrou por um fio de estabilidade. O Dragão da Luz também buscava pela companhia da Theurge e a notícia positiva é que ele acabou se aproximando de Henry naturalmente. O Kitsune também se viu próximo de Nathan e Annik. Os dois sempre ofereciam um abraço carinhoso e ouvidos atentos para as suas dores repetitivas. Também era uma oportunidade de Nathan fugir da companhia de Neil – detalhe muito bem observado por Henry. O Kitsune desconfiou ouvir parte de uma conversa do Arquimago e Drawn que mencionavam o Galliard. Blackwoods eram viciados em problemas envolvendo pais biológicos.

Quando Blair, Nyra e Lavinia conseguiram concluir a restauração do corpo de Klaus, a ansiedade no ambiente alcançou picos até doloridos. Ele estava perfeitamente igual ao que Rhistel se lembrava e o Dragão de Gelo se viu muito próximo à irmã Nina, assim como Acksul. O vislumbre do belíssimo rosto de Klaus trouxe uma esperança inocente. Tratava-se apenas de uma simples casca.

Entre a dedição ao ritual e grandes refeições, Rhistel e Ladirus ainda encontravam horas para trabalharem em dois videoclipes e lançar finalmente um Single, ‘’Heavydirtysoul’. Rhistel comemorava silenciosamente o sucesso absoluto que estava sendo a sua música, estourando em rádios pelo mundo. Ladirus parecia off-line nessa questão. Agitado assim como Nyra, o Dragão de Água passou dias muito calados. Ocasionalmente, ele levava as namoradas para a Casa de Vidro, assim como Leah aparecia com Acksul. A presença das fadas sempre tornava o dia mais produtivo.

Quando Sebastian foi obrigado a perder o dedo do meio, ironicamente escolhido por ele, o ritual ganhou um corpo diferente e sensível. A Casa de Madeira se tornou praticamente isolada e os irmãos Kardigan passaram a cantar em coro músicas antigas que invocavam a força do infinito dos céus. Diversas vezes, os cursos do ritual se alteravam. Barreiras Mágikas contra a quebra da maldição se erguiam o tempo todo e a paciência começou a se escoar pelos envolvidos.




Frio. A melhor temperatura para o seu corpo. Em afronta ao vento gelado, Rhistel estava de regata preta e cavada, short folgado preto e um tênis preto de cano baixo. Tagarelava tão rápido como se tivesse fazendo um rap improvisado e sem rimas:

– Ahm… Não! E você não sabe, Bee! Meu álbum está mais esperando que uma fila de popstars! Esse mistério para os fãs desvendarem… Foi! Nossa. E o Twitter do meu personagem? As pessoas tiram prints loucamente antes que eu delete! É insano! – Ele elevou a mão, balançando a mão dada com a dela e abriu um sorriso risonho. – Só ainda estou estranhando ter raspado o cabelo de novo mas tudo bem… – Ele passou a mão sobre os fios muito curtos e macios. – Ahm… Você não acha que eu fico esquisito…? Eu devia ter trazido o meu boné. Ontem a Annie comentou: “Rhistel, gostava do seu cabelo antes” na frente de todo mundo. Céus. Eu queria que meu cabelo crescesse ali, mas… Eu gosto dele assim… Também gosto dele daquele jeito, mas… Ahm… Eu quis cortar. Ainda bem que Nyra me defendeu. Eu cheguei a me sentir ansioso, sabe? Odeio ficar encanado com isso! É só um cabelo! Cara, Bee… Você viu a quantidade de visualizações do Single?! – Os olhos dele piscaram vermelhos e ele continuou sem aguardar repostas de novo. – Preciso falar com o Henry… Ele não pode ficar fumando maconha assim. Gaia, parece que vive chapado. Será que ele vai se ofender? Isso não faz bem. Eu acho que Jullian é o que menos fuma dos Versos. Nem sei se ele gosta. Henry ofereceu e ele negou com uma careta, eu vi. – Ele arqueou uma sobrancelha. – Ahm… Eu ouvi o Adrien cantarolando o meu single. Quase chorei. Ahm… E… Eu acho que ontem o Ladirus ficou umas três horas conversando com a Hannah. Não era eu quem deveria ter pegado amizade com ela? É normal eu ter ficado enciumado? Ahm… Será que a Audrey ficou mal de novo? Eu tenho sentido algo estranho perto dela. Eu te disse, Argh. Estou louco. Esqueci de checá-la. Você checou, né? Ahm… Bee. – Ele finalmente parou de caminhar e a olhou. – Você está quieta.

O ar distraído era da natureza da sua esfera, mas não costumava se desfocar muito quando estava com Rhistel. Escutava cada frase e acompanhava as transições sem interromper, os sorrisos iam e vinham, pensando em outra coisa enquanto Rhistel expressava sua ansiedade: gostava de vê-lo naquela ansiedade animada, embora fosse tão perigosa quanto qualquer outra quando seus olhos estavam avermelhados. Parou junto dele e o encarou. A maga usava um vestido cinza rajado entre preto e branco, mangas longas e saia curta. As pernas estavam expostas e geladas, frias como o resto do seu corpo, mas não tremia, e se seus lábios estivessem roxos, estavam bem escondidos abaixo do batom rosa nude que acompanhava a maquiagem clara. O cabelo estava preso, fios deslizavam por seu rosto, e o tom não estava tão claro como há uma semana. O loiro mais vivo ressaltava mais o verde cristalino de seus olhos.  – Eu estou te escutando. – Ela disse acompanhada de um riso leve. Aproximou-se e o beijou demoradamente em um selinho carinhoso. – E pensando que eu adoro sua voz. Não são apenas suas letras, ou a sonoridade, sua voz… Ela é muito expressiva. Toca na nossa mente com facilidade. Até quando você fala… Sabe… Todos os mistérios, e as ideias, são todas geniais, eu fico acompanhando como todo mundo fica envolvido!  Mas nada fica tão bom se não se resumisse ao seu talento no fim… Que é inquestionável. Acima de qualquer dedicação. – Mordeu o lábio e ergueu o olhar para os cabelos curtos – Eu gosto da mudança.  E você tem um rosto tão lindo. Fica bem em você…  – Tocou-o no rosto, tendo dificuldade de recuperar todos os assuntos. – Desculpa. Eu acho que realmente me distraí agora. Estava pensando na sua voz… E…  – Interrompeu-se, admirou-o por segundos, riu e o beijou de novo.  – Vamos por partes…

Os olhos se fecharam e se abriram vagarosamente a cada beijo, desafiados pela velocidade em que o sorriso se estendia pelos lábios muito vermelhos do Dragão. Rhistel riu, mas não foi um riso de quem enxerga alguma graça, mas um riso acanhado. Ele seguia os olhos muito claros, mas de repente, não conseguia se manter neles. Não era sempre, mas às vezes…

– Você faz com que eu me sinta como se fossem cantar “parabéns” para mim. – Ele fechou os olhos enquanto falava. – É um momento bom, mas… Você não sabe exatamente o que fazer e é importante fazer algo e… Tudo ao redor é tão querido e você se sente a pessoa mais importante do mundo e ao mesmo tempo quer fugir, porque não sabe como agir e não quer decepcionar. – Rhistel a olhou. – Eu quero sempre ser o cara para você, mesmo que eu não me sinta assim todos os dias. Você faz com o que me sinta… Perfeito com as minhas imperfeições. Eu… Olho para você e eu me sinto o cara mesmo. Blair Valerius. Porque olhe para você. Você é… Perfeita com as suas imperfeições. Eu… – A voz dele embargou manhosamente. – … Sempre estarei para te lembrar disso quando você se esquecer. – Suspirou. – Eu nem sei o que eu estava falando, porque agora eu estou emocional e posso chorar a qualquer instante.

Blair o escutava atenta, primeiro receosa de ter dito algo que o deixou desconfortável, e depois sorriu daquela forma carinhosa, como se o sol iluminasse seu rosto em uma manha morna.

– Nãão… – Ela o abraçou pela cintura e roçou seu nariz no rosto dele. A felicidade incontida em suas expressões. – Você é o cara pra mim… Mas não é porque você precisa ser… São suas atitudes que eu sei que nunca vão mudar. As atitudes comigo. Não sobre o mundo. É o jeito que você cuida de mim… A forma como você faz que o tempo seja só nosso quando estamos nós dois. E que a gente não precisa de mais nada; não precisa de trabalho, de fama, dinheiro, nem dar atenção para qualquer problema. E eu posso só ser.  –  Ela franziu a teste brevemente, procurando palavras –  É a sensação de que… . – Ela riu e corou após pensar – Eu não sei me expressar tão bem, é difícil definir. Mas você cantou sobre isso em “We Don’t Believe What’s On Tv”. – Subiu suas mãos para o abraçar pelo pescoço, pousando seu rosto no ombro e deixando seu nariz tocar o pescoço do Dragão – As pessoas ficam falando que você é difícil por aqui. – Dizia entre sorrisos e os beijos que deixava em seu pescoço gelado – Eles não sabem como é namorar alguém como eu. Cheia de experiências quebradas e pensamentos distorcidos. E ainda me dar espaço para ser quem eu sou… –  O olhou e riu.  –  Isso é ser muito perfeito, sabe? Além do mais… Eu sei que decidir ter uma vida comigo não é uma decisão simples.

Você quer me fazer chorar hoje. Rhistel sentia os olhos úmidos de emoções. Os seus braços a abraçaram pela cintura e ele escorou a cabeça à dela. O Sol fraco estava quase sumindo, mas ainda sentia o suave toque da sua luz. “Decisão difícil…”, pensou enquanto a ouvia. Apreciava o timbre da sua voz empolgada. Sempre esperava pelo riso que poderia vir qualquer instante. – Ahm… Não foi uma decisão difícil… Não existia outra decisão possível… – Ele tomou o rosto de Blair com as suas mãos e buscou por um beijo dos lábios de coração. – Eu não sei se alguém conseguiria resistir a um grande amor… Estando tão perto… – Ele sussurrou. – Dizer “não” para a batida que o coração manifesta quando a pessoa amada surge… – Rhistel se demorou em um selinho e olhou-a de muito perto. – Só é um sacrifício quando você quer resolver tudo sozinha! – Ele a apertou nas bochechas aos risos e buscou novamente para a sua mão caminharem.

O riso dela veio com o carinho, mas o rosto corou com a pequena bronca. – Não farei mais isso, eu prometi!  – Beijou-o em outro selinho e caminhou ao lado do Dragão.

Para variar, Henry estava fumando na frente da casa um baseado mas enorme. O Kitsune trajava um longo casaco preto e fechado, calças jeans pretas e All Stars. Os seus cabelos loiros e repicados exibiam uma raiz preta que conseguia deixá-lo ainda mais atraente. Ele sorriu docemente ao ver o casal, quase fechando os olhos. Ao seu lado, estava um não menos sorridente Nathan. O Galliard trajava um blazer preto e aberto acima de uma camisa de linho creme. As calças sociais e os sapatos também eram pretos e ele vestia no rosto óculos de Sol de lentes claras alaranjadas. Os cabelos bagunçados e um pouco mais curtos que o normal deixavam-no com uma aparência de menino. E, para variar também, Nathan também estava fumando. Os dois Metamorfos dividiam o cigarro de maconha.

Aos degraus da frente da casa, Krazugnis estava sentada com o seu celular em uma das mãos, folheando entediada alguma rede social. A Dragonesa estava vestida com vestido curto e branco de lã com mangas médias e longas botas sem salto de couro preto. Ela ergueu os olhos para Blair e Rhistel, mas continuou mais interessada na tela do celular.

Passando por trás do vidro da parede, Nyra descia as escadarias e deixava uma bolsa baú sobre o sofá. Ao ver Rhistel e Blair, sorriu para o casal e andou até a porta da frente. Abriu-a e sem tirar o corpo para fora e os chamou. – Vocês todos venham comer. O ritual começa a partir daqui. – Disse e, após uma dúvida de movimento, resolveu sair e pegou o cigarro de Henry para tragar. A Theurge usava a aquecida jaqueta vermelha Ferrari e jeans justo, os pés estavam descalços. Os cabelos em um ruivo mais vivos que o usual, alguns cachos dando movimento. Blair sabia que ela andava mais empenhada e aprender a esfera da Vida, e mesmo sem saber onde ela poderia contribuir mais com a beleza da Theurge, parecia que milagres ainda eram possíveis. – Eu odeio admitir, mas estou ansiosa demais. Embora não pareça. Vamos? – Tragou mais uma vez e devolveu, caminhando em seguida para dentro onde a mesa estava preparada.

– Ok. – Blair sorriu e esperou-os se levantar para cumprimentar os dois antes de seguir.  – É uma boa ideia ficarem tão altos antes do Ritual?  – A maga riu sem jeito e perguntou em dúvida genuína, nunca havia questionado aquele costume, mas nunca havia sido menos acostumada a controlar os passos do processo.

Rhistel teve certeza que Henry se segurou de não apertar as bochechas de Blair. A expressão que ele fez expressou que ele não podia com tanta fofura. Ele meneou os punhos fechados no ar após passar o baseado para Nathan.

– Nenhum problema, abelhinha. Eu funciono assim. É como minha Mágika fica mais poderosa, ah? Não se preocupe. Na verdade, eu estou me preparando. – Henry falou com calma seriedade. – Se eu estou totalmente lúcido, não é a mesma coisa. Eu escapo da realidade. Eu driblo a realidade.

– Poético… Eu posso imaginar… – Rhistel esboçou um sorriso amarelado.

– Eu só estou relaxando… – Nathan respondeu com sinceridade. – Nada relacionado ao meu Paradigma. – O Galliard tragou e soltou o ar dos pulmões na direção oposta a deles. – Prima. Posso palpitar no seu ritual? Eu queria te dar uma sugestão.

Blair arqueou as sobrancelhas perdidas, mas concordou ao final. Não era fora do seu conhecimento que magos agissem assim, mas ainda era estranho o conceito da fuga da realidade. A sugestão de Nathan a fez desviar os olhos para ele, a testa franzida em questionamento. Algo semelhante ao que costumava fazer quando estava abaixo do manto e alguém queria sugerir algo naquela altura, mas era seu primo, e ela logo aliviou as expressões. – Claro…! Talvez haja tempo de fazer alguma alteração.

Às vezes, era um grande sacrifício para Rhistel falar com Nathan. Se Henry era calmo, o Galliard não conhecia a pressa. Antes de falar, ele tragou mais uma vez e fitou a olhar para o céu por um instante. Se não o conhecesse, desconfiaria que ele tinha algum problema mental. O Dragão se sentia ansioso somente de olhá-lo se demorar no pensamento…

– Duas alterações pequenas e importantes. – Ele disse. E mais uma longa demora. – Na corrente de uivos… Todos nós iríamos uivar… E seria muito bonito… – Nathan franziu o cenho e se voltou a Blair. Mais uma demora? – Mas… Você deveria deixar apenas Annie.

Henry franziu o cenho instantaneamente, pronto para protestar. Até mesmo as posições estavam decididas…

– Ouçam o que eu estou falando… Ela… Tem um uivo poderoso. – Disse-lhes. – Eu acho que é o uivo que Klaus precisa ouvir. Eu não sei, posso estar louco, mas… Confiem em mim. Sei o que falo.

Rhistel se voltou para Blair, pensando.

– E a outra sugestão seria utilizar um coelho no sacrifício. Não um rato. Lobos estão mais inclinados a caçarem coelhos que ratos… – Nathan continuou.

Sobre Annik, prontamente Blair compreendeu o que ele queria dizer. Havia lutado com eles na fábrica, e apenas foi salva por causa da energia que a lupina exerceu fortemente sobre a vida de todos. O uivo dela era dos primórdios, do próprio pai lobo como haviam discutido e ponderado.

– Eu concordo sobre Annik. Se ela se sentir preparada para isso. – Cruzou os braços, pensativa, desviou o olhar para o chão, e confessou em um murmúrio pouco audível. “Eu preferia um humano.” Voltou o olhar para o Gallaird e se explicou – Ratos era o que eu usava em segundo plano. A energia deles faz mais sentido para mim. Essa parte… Não é sobre Klaus… É sobre meu poder e onde vou me segurar para não ser drenada completamente.

O Galliard fez um beicinho, pensando novamente. Os olhos lânguidos se fixaram em Blair por um tempo até distante do seu esperado. Ele assim por fim e silabado um “okay”. Ele se virou para Henry e tratou do cigarro antes de passá-lo para o Kitsune.

– Jullian queria falar com você sobre essa “parte do rato”… – Henry comentou antes de tragar. – Mas vamos comer antes… Ninguém quer perder o apetite, ah?

– Huh-hum… – Rhistel concordou, seguindo assim que eles viraram em direção à casa e Henry descartou o cigarro no lixo.

O Dragão de Gelo observou a mão de Nathan pousar nas costas do Kitsune. Logo em seguida, o Lobo abraçou o raposo pelas costas e os dois entraram rindo. Eles andavam daquela forma desde aquele beijo impossível de se esquecer. Rhistel sabia que Henry não havia se envolvido completamente com os Versos da Magia, pois perguntara para Nyra, mas desconfiava até onde estava o envolvimento do Galliard com o Kitsune. Já tinha fofocado com Blair diversas vezes sobre os dois. O Dragão lançou um olhar significativo com as sobrancelhas erguidas para a namorada.

Ladirus estava sentado à mesa, fitando o próprio prato cheio de frutas. Ele ergueu brevemente os olhos quando eles entraram, mas nada além disso. Rhistel mirou Jullian quando ele surgiu ainda colocando a mesa. Os olhos azuis e silenciosos acompanhavam a algazarra de Henry e Nathan antes de eles se sentarem.

Nyra já estava a mesa, distraída com seu celular e as mensagens trocadas. Mas os olhos iam e vinham de Ladirus, em um estado de preocupação eterno com o Dragão durante aquele mês. Sabia o quanto o quadro de Audrey era instável… E o relacionamento do trio fragilizado. Mas tinham que segurar a situação até o assunto de Klaus se resolver.

– Você ficaria muito sexy se tocasse bateria com essa cara de mal. – A Theurge o provocou para tirá-lo do estado introspectivo, ergueu a mão e o tocou no olho levemente, imitando a pintura que ele usaria naquela fase. E desviou-se quando Henry e Nathan entraram, seguidos da Dragonesa, depois Blair e Rhistel.

– Bom dia a todos. – O Lendário disse, sério e neutro. – Blair. Pode me ajudar com um suco?

A loira, que parecia sempre distraída com aquele jeito doce, não se sentou quando chegaram. Escutou Jullian e assentiu, a mente pensando sobre os passos do Ritual, mais longe do que o normal: mas ainda inteiramente presente, sem perder nada ao redor, nem os olhares do namorado sobre as fofocas internas. Mas evitou cada sorriso, se sentia um pouco mais séria. – Claro. – Ela ergueu as mangas do vestido e seguiu atrás do Philodox.

Os olhos de Ladirus saíram de dentro da sua cabeça, mas não deixaram de refletir as suas preocupações, embora um sorriso tenha surgido com esforço em seus lábios. Ele gostaria de ter mais esperança do que sentia, mas a verdade era que ele não conseguia enxergar além do seu presente e os dias repetidos tornavam uma ocupação de normalidade. O novo normal dele. O Dragão de Água voltou a comer as frutas picadas, distanciando-se novamente do ambiente para a sua mente.

Rhistel apoiou as mãos na cadeira antes de sentar ao lado do irmão, deitando a cabeça no ombro dele antes de se virar e mordê-lo. Ladirus o olhou com uma sobrancelha arqueada, mas não expressou muito além de um suspiro.




Ao que Blair passou pela porta, Jullian a encostou com um aceno do dedo. O Lendário estava vestido completamente de preto – as suas vestes de caça. Antagonicamente à situação de praxe, os seus olhos não estavam nada calmos. Selvagens e Furiosos, mas igualmente apáticos, eram a própria visão sangrenta que pregavam dele.

– Eu refleti sobre o que você disse. – Ele disse, apoiando às costas na pia. – Eu não posso contar com uma meia sorte. Trouxe alguém para você. – Jullian passou as costas da mão pela testa. – Ele era para ser caça. É um pedófilo. Hannah foi comigo… E conseguimos… Apenas capturá-lo. Eu deixei as guardas do meu atelier abaixadas. Não vá sozinha. Leve Rhistel com você… Depois da refeição, claro.

A maga o olhou por um tempo, pensando no novo cenário; o sorriso cresceu em seus lábios antes que percebesse. Mas se conteve educadamente, e concordou.

– Obrigada. Fará mais sentido… Vocês verão… – Ela abaixou o olhar e tentou justificar a escolha do corpo – Minha Mágika não é sobre sangue… Morte… Vida… É sobre sacrifícios. Sacrifício no sentido de… Renúncia… De abrir mão de algo por outra coisa. – Dizia calmamente – O sangue é apenas consequência. Por isso as correntes… Que sempre surgem… A automutilação. – Ela apertou o pulso esquerdo, que sempre acabava aberto em seus rituais. – É peso de abrir mão de coisas… Em nome de outras…

Ele cruzou os braços enquanto a ouvia, compreendendo a gentileza da satisfação dada numa tentativa de não tornar tão óbvia certas características que ele já havia notado perfeitamente. Os olhos de oceano foram ao chão por um instante antes de retornar a ela:

– Nesse caso… O seu ritual já teve início. Ele era a minha presa e essa situação me deixara com um vazio até que eu encontre outra. É uma perda para mim. Um preço caro. – Ele umedeceu os lábios finos. – Você precisará de poder. – Parecia escolher cuidadosamente as suas palavras. De repente, quintessência os cercavam, isolando a conversa. – Eu fui verificar os aparelhos do corpo de Klaus e percebi… – Jullian largou os braços. – … Que ele também tem uma Maldição a mais… Nas costas. Eu quis checar. Não acreditava eu encontraria alguma coisa. Devon estava comigo… – Ele coçou o nariz. – Creio que Sebastian não tenha sido totalmente sincero ou… Nem ele saiba.

Blair arrumou a postura e o fitava atenta. – Não é como se não desconfiássemos que haveria alguma armadilha. Saber do que se trata ajuda… – Abaixou as mangas devagar e continuou o olhando. – O que conseguiu descobrir?

– Deficiência. De qual tipo, não consegui enxergar. Mental, física, espiritual… Eu não sei, mas senti perfeitamente que ela existe. Está ancorada à principal. É semelhante a um ovo. – O Lendário fez uma pausa, olhando-a. – Seja cuidadosa quando começar. Eu apostaria que precisaremos de um Efeito que beire a perfeição para alcançarmos esse objetivo…

Entreabriu seus lábios, mas guardou o fôlego para pensar antes de falar. – Eu serei cuidadosa. Eu sei o que está em minhas mãos. Ainda… Eu não consigo ser perfeitamente otimista sobre como ele irá retornar. Temos que estar preparados para isso… Não estou dizendo que possam ser alterações definitivas, mas… Pode levar anos para que ele fique bem completamente. Uma pessoa que passou tantos anos presas… É natural que apresente qualquer nível de atrofia… – Fitava os olhos de Jullian sem desviar –  Você entende… O que fizeram com ele… – Negou, lamentando. – Eu farei o melhor que posso.

O Lendário assentia em concordância com ela, observando-a e lendo-a enquanto o fazia. – Eu entendo. – Ele fez uma pausa. – Eu entendo e é por esse motivo que venho me perguntando o porquê desse esforço todo. Além do Lobo-Fantasma deter informações e ser, imagino eu, muito poderoso… O que mais, pergunto-me? Não parece o suficiente. – O Lendário arqueou uma sobrancelha. – Imagino que teremos surpresas, Blair. Não ouse se arriscar. Eu disse isso a Henry e estou dizendo para você. Faremos o que pudermos e nada mais. – Ele dispersou a quintessência ao redor deles.

Dizer isso a ela e Henry era necessário, nenhum dos dois estaria disposto a perder Klaus, mesmo que soubessem que não valia uma vida pela outra. Mas entendia a necessidade e os limites da situação. Os olhos da maga foram por cima do ombro e retornaram a Jullian. Aproximou-se na direção dele e disse, baixo:

– Mudando completamente de assunto… Ahm… Eu sei que agora não é o momento para perguntas assim… Mas… – Inspirou e falou mais baixo: – Como você tinha certeza… Que a Nyra nunca te deixaria mesmo não partilhando da mesma natureza que a sua? Você acha que o amor passa por cima de tudo?

O baque da pergunta foi claro aos frios olhos de oceano levemente arregalados por um segundo. Jullian esboçou um sorriso de canto, mais pela surpresa do que necessariamente um gesto cordial. Ele se entreabriu os lábios, refletindo antes de dizer. – Eu poderia filosofar por horas em volta dessa questão… Mas receio que precisemos de algo mais resumo no momento. – Jullian fitou a porta brevemente. – Eu não tinha certeza. Eu vivia um dia após o outro sem saber o que aconteceria se o meu eu transparente fosse exposto. Nós vivíamos numa espécie de… – Ele franziu o nariz. – … Ilusão mútua. Mas houve um rompimento de ilusões com a gravidez. – Ele estreitou os olhos. – E quando nós nos reencontramos… Paramos de fingir. Eu descreveria este momento como a maior prova de amor que ela podia me dar. – Jullian abaixou a cabeça. – Porque… Se minha luz mais brilhante não houvesse aberto os olhos como o fez… Eu creio que eu não teria paz um momento sequer. A culpa sobre a morte dos meus filhos estaria inteira em minhas mãos. Talvez o amor seja a resposta para tudo no fim. Minha estrela precisou admitir para si mesma o que, de fato, eu sou… Para dividir o peso comigo.

A história a deixou mais curiosa para detalhes, obviamente. Blair sorriu ao final, imaginando a progressão, e terminou com um riso breve.

– Vocês dois são meu casal preferido. Eu shippo, sabe? Curto toda foto que sai dos dois… – Confessou – Mas não diga por aí. – Encostou seu quadril na pia, ficando de frente para ele.

– Eu é quem faço o pedido. Esses detalhes não se pode citar entre os Versos. Consigo imaginar todo o tipo de drama com esta simples frase. – Jullian desenhou um sorriso selado e sincero.

– Felizmente… Eu nunca precisei ter esse momento. Rhistel sempre soube… Sabe… Eu acho que ele não liga e nunca ligou. Nunca esperou que eu me escondesse… Eu tenho muita sorte… – Suspirou e fitou os ingredientes na pia – Muita… Esse mês… Acho que percebi isso de vez.

Compreendendo de pronto a necessidade da companhia, o Meia Lua deu a volta no balcão e se sentou, cruzando os braços sobre a pedra. Coincidência ou não, o seu Dragão estava num relacionamento com uma pessoa particularmente semente a si. Ele pousou uma mão sobre a outra e a observou.

– Ele também tem muita sorte. Rhistel não é o ser mais fácil na face de Gaia. Principalmente, quando ele não quer. – Jullian disse com certo humor. – O que você percebeu?
A loira apertou os lábios e se virou para ele, as mãos pousaram no balcão que ela dedilhou discretamente.

– Eu passei a vida inteira não considerando a hipótese sobre o que aconteceu com a minha personalidade. Eu sou isso… Eu gosto disso… Eu aprendi a apreciar o que é distorcido… – Encarava-o com o rosto levemente inclinado para baixo – Mas eu sou mais que isso também. Eu descobri minha personalidade mundana. E me agarrei a isso exclusivamente… Com medo que minha primeira versão os assustassem definitivamente… Que um dia fossem olhar para mim, “bem, isso é o suficiente”. Especialmente de Rhis… Mas com todo esse amor… Parece cada dia mais que isso nunca vai acontecer… Vestir a capa fica mais leve… – Olhava-o tentando acompanhar se ele entendia – Eu ainda posso ser a Mensageira. E usar minha Mágika profana. Sem que me rejeitem… E Rhistel abraça isso inteiramente… Eu acho… – Olhou para a porta brevemente – Ele nunca vai me deixar de me amar pelo o que eu já fiz no passado. É isso o que percebi. – Piscou os olhos devagar – Ele não quer que eu esconda nada da minha história… Ele quer consertar o que está quebrado… Ele me dá espaço… Ele… – Suspirou e sorriu corada, repentinamente sem jeito ao perceber que transbordava uma declaração cheia de insegurança e paixão pelo Dragão do Philodox. – Desculpa. – Dedilhou os lábios risonha – Eu estou o amando demais. E fiquei paranoica pensando que quero protegê-lo qualquer ideia de me deixar… Eu não quero perde-lo… Especialmente por algo do meu passado que possa atingi-lo. Talvez você saiba como eu me sinto…

Esta é realmente uma novidade na minha vida. O Lendário já havia escutado sobre as paixões entre os Versos da Magia, principalmente de Nyra, mas não era comum que alguém se sentissem à vontade em conversar com ele sobre relacionamentos amorosos. Havia alguém além de sua Alcateia? Provavelmente, não. Mesmo as suas amizades eram extremamente discretas em adentrar certos assuntos, pois ele costumava ser reservado. E ninguém parecia se sentir à vontade em quebrar certas linhas de intimidade com ele. Talvez fosse uma impressão que ele mesmo causasse sem pensar. Não, talvez ciente. Era apenas difícil para si.

Os olhos azuis ganharam um ar mais expressivo enquanto ele a mirava e relembrava imagens e sensações que tivera ao observá-los. A tensão que estava sentindo pela caça perdida lhe deu uma trégua quando se distanciou do assunto para ouvir sobre amor. A belíssima Maga era uma criatura tão quebrada quanto inteira. Ele bem sabia que Rhistel possuía os seus cortes internos. O casal lhe fez pensar, com humor, nas semelhanças invertidas consigo e Nyra.

– Oh, por favor, não se desculpe. Eu me sinto presenteado com as suas palavras. É tudo muito bonito nesse amor que vocês compartilham. É um brilho no escuro… – Ele abriu um sorriso enquanto encostava a língua no céu da boca e refletia. – Eu não posso dizer que ele nunca irá se surpreender com nada, pois só você sabe o que viveu realmente, mas tenho certeza que se for apresentado com jeitinho, ele acolherá as suas dores e histórias como se fossem dele. Eu falo com propriedade. – Jullian fitou brevemente a pedra. – Rhistel… Tem isso. Ele acolhe. Envolve e acolhe. Ele me lembra a minha estrela nesse ponto. Ele não tem uma gota de medo de amar e eu confesso que não tenho essa capacidade. Para mim, sempre é muito difícil me abrir… E mesmo que aconteça, eu tardo a ter certeza que é verdadeiro e não uma invenção comportamental da minha mente. – Ele negou com a cabeça. – Eu tenho certeza que não há outra pessoa para cuidar daquele coração forte que ele possui. Você pode relaxar mais, Blair. Além de ser o seu namorado, ele é seu amigo. Não há nada que a amizade não compreenda. Amizade é primordial. Meu relacionamento exótico não funcionaria sem amizade.

Blair o escutava entre sorrisos curtos, à vontade e aliviada por poder falar sobre aquelas coisas com alguém que era próximo dos dois, e já havia passado por situações semelhantes.

– Claro… – Mordeu o canto da boca – Eu não pretendo jogar nada sobre ele. Eu posso fazer isso com Polaris… Eu distribuo os pesos aos poucos… – Franziu o cenho e lembrou de todas as histórias que já contou – Um pouco… Bem, obrigada por me ouvir. Eu amo meu Rhistel… E todos seus contratempos… E não poderia estar mais feliz… De fazer parte da vida dele… E dos sonhos… E logo vamos entrar em turnê. – Acabou rindo de excitação com a ideia que se aproximava. – Bem… Depois que tirarmos Klaus dessa… E… Resgatar a alma da Audrey também… – Disse, sem desanimar com os problemas. – E outros assuntos que devemos conversar… Mas, depois. Um vilão de cada vez.

A positividade o fez rir. O tipo de riso que ele se apressava em conter, censurando o escândalo que era a sua risada. Se a Goetia pudesse enxergá-la, como se sentiriam? A poderosa Maga Mensageira vivendo um romance adolescente com um Dragão de Gelo? – Fiz Rhistel me prometer que vocês passarão ao menos um dia assim outro não aqui. – Jullian ergueu o dedo em riste. – Cobrarei. – Ele finalmente se levantou. – Você pode conversar comigo. Nós podemos ter outros assuntos além de: “Por favor, Blair, me acompanhe em uma caçada”. É… Saudável. – Ele riu novamente.

Lentamente, a porta se abriu e Jullian se virou para encarar os grandes olhos cevados de Annik. A loira estava com os cabelos presos num coque afrouxado, uma camiseta de manga cumprida listrada de preto e vermelho, calças jeans e tênis. Ela dedilhou a porta, olhando de Blair para Jullian com uma expressão clara de curiosidade:

– Nós estamos esperando… – Ela comentou e apertou os lábios.

– O suco… – Blair se entreolhou com Jullian e riu de novo. Virou-se para retornar a cozinha com ele, sendo espiados pelos que já estavam na mesa.

Nyra esperava para comer, e escutava as conversas paralelas, tendo dificuldade para se conectar… As palavras de Elara transitavam por sua mente como linhas escritas. Ela desejava o melhor da vida para seus irmãos, e isso se tratavam Blair, e Klaus. Pensar que o Garou estava na situação que se encontrava deveria entristecer a alma da Garou se pudesse saber de verdade. Havia algumas tímidas histórias sobre o Garou nos textos, muito pessoais; e essa era uma das razões da qual lia sozinha. Muitos segredos que eram melhores quando dissolvidos. Até mesmo Jullian seria diretamente atingido quando soubesse o que aguardava Drawn… Ninguém estava muito longe dos impactos dos segredos de Elara. Imensa responsabilidade. A Theurge desviou o rosto para fora e perguntou distraidamente:

– Acksul está vindo…? Queria muito falar com ele… Mas ele não vê mensagens faz umas boas horas.

– Ahm… – Rhistel se entreolhou com Ladirus, terminando de engolir um pedaço de maçã. – Ele não vem, eu acho. Está sentado perto do atelier… Do Jules. – O Dragão de Gelo disse com cautela na voz. – Eu foi chegar os itens do ritual e ficou ali perto. Bem.

O Dragão de Água se voltou para a Theurge enquanto mastigava, aguardando engolir para falar:

– Ele não está de bom humor. – Ladirus deu os ombros. – Não quis se alimentar de manhã… E eu trouxe algumas lulas gordas e suculentas… – O Dragão de Água fez um muxoxo. – Ultimamente, nada do que eu faço é o suficiente para ninguém.

– Ladi. – Rhistel o censurou com o olhar. – Eu me importo.

– Só você.

Nyra franziu o cenho e o olhou entediada. As velhas discussões nunca mudavam entre os dois, lembrava-se que ele era um Dragão dramático mesmo quando morava no lago da Reserva.

– Não seja assim, Ladi… Eu faço absolutamente tudo por você. Não jogue em cima de mim. – Reclamou e suspirou chateada. Sua mente procurou a de Polaris, e tentou enviar sua voz “Você não virá…? Quero falar com você” Nyra se ergueu e se aproximou de Ladirus, cutucou-o para dar espaço para a Theurge para dividirem a mesma cadeira. Ela se acomodou ao corpo dele e disse: – Nós não a esquecemos… Se é o que você tem pensado… Estamos trabalhando nisso e vamos descer para curá-la… Tenha paciência, por favor…

Ele fechou os olhos e escorou a cabeça à dela. Rhistel também se escorou no Dragão de Água, acariciando no braço e tentando passar o seu apoio no toque carinhoso dos dedos gelados.
– Não estou pensando isso… – Ladirus murmurou baixinho. – Mas paciência…? Mais do que eu tenho? Eu já apanho calado, psicologicamente e fisicamente. Não sei mais o que fazer. Está bem difícil para mim.

Tensão de todos os lados. Annik fitou de Nathan para os três e depois seguiu o olhar até fora da casa. Henry estava fumando de novo. Ela sabia que ele gostava de fumar, principalmente um bom baseado, mas exagerava. A instabilidade que ele tentava esconder era descontada na droga.

“Não… Eu seria uma bomba para Ras. É melhor não. Eu aceito companhia e um pão com qualquer coisa”, Polaris respondeu com uma voz monótona. “Eu vou até a estufa… Gosto de lá…”.

– Ela está machucada. – Nyra disse e o beijou no rosto – Não é sua culpa. Nem falta de habilidade em deixá-la calma. Audrey está doente. Não vai demorar agora… – Fitou-o por mais um instante – Você está bem com a Ártemis, né?

A Garou se ergueu, deixou um selinho nos lábios de Ladirus e se inclinou para beijar a testa de Rhistel. Criaturas instáveis, difíceis e pouco amigáveis em dias de ansiedade. Estava surpresa que Rhistel não estava em outro estado.

– Eu vou ver o irmão de vocês. – Pegou alguns pães e alimentos e colocou em um guardanapo de tecido. – Mas já volto. – Ainda fitava Ladirus esperando a resposta sobre a fada.

O sorriso de Rhistel foi tranquilo, mas o olhar de Ladirus cheio de incertezas. Claramente ele precisou se consultar para dar uma resposta que estivesse satisfeito:

– Estamos bem… Tudo isso reflete um pouco na gente, mas estamos bem, sim… – Ele refletiu sobre alguns momentos. – Ártemis é menos paciente que eu… Então…

O irmão de Gelo sabia perfeitamente o que Ladirus estava querendo dizer. Às vezes, ninguém conseguia dormir quando as discussões começavam. Sempre parecia que alguém acabaria machucado. As portas isolavam os sons, mas não as sensações. E não contavam mais com a presença de Henry.

O Kitsune se aproximou devagar e voltou a sentar, observando a fotos em seu silêncio e sorrisos relaxados.

– Acksul disse que está te aguardando, majestade… – Ele disse, fitando Nyra.

Nyra ergueu o olhar até Henry, fechou o guardanapo de pano e caminhou para fora:

– Eu já venho. – Informou e saiu em direção a estufa. A ideia da ansiedade que assolava a todos apertou um pouco mais a sua própria, e queria que tudo acabasse logo. Andou até sua estufa de vidro de paredes foscas e teto transparente. Algumas mudanças haviam sido feitas, como a madeira trocada por mármore no centro, e a inclusão de uma fonte mais ao fundo, onde régias se assentavam e entregavam flores enormes e incomuns. Ainda, havia-se um espaço circular para poltronas diante do espelho d’água e um tapete caro demais para estar em um ambiente de trabalho. A extensão da Estufa parecia ter aumentado de tamanho, mas apenas internamente. No exterior continuavam as mesmas medidas.




Largado e estendido sobre o tapete, Polaris olhava para o céu través do vidro, descansando as mãos sobre o próprio abdome. A noite estava chegando mais lentamente do que ele gostaria. Sentia-se enrijecido por suas dores musculares, ocasionadas de tensão e ansiedade.

Fazia o melhor que podia para se manter confortável e trajava roupas leves. Uma camiseta branca com alguns rabiscos em cinza, calças de tecido quente pretas e coturnos marrons. Os seus cabelos que já passavam os seus ombros estavam espalhados pelo chão. Ele ergueu o pescoço assim que ela entrou e, devagar, sentou-se com as pernas cruzadas pelo chão. Não sorriu, como teria feito em uma situação normal. Os olhos intensos e azuis apenas a observaram.

Algumas mudanças haviam sido feitas: a imensa mesa de madeira que atravessava o local foi substituída por outra em igual proporção, mas redonda e de mármore branco. Em cima dela, muitas ferramentas, caules, e folhagens estavam espalhadas no processo de trabalho que Nyra conduzia, e agora tinha a ajuda de Sera em horários e dias determinados. Mesmo no outono, o verde reinava em tons vigorosos, e as flores enfeitavam como diamantes em uma coroa: dálias, e lírios estavam mais próximos do chão, e as aves-do-paraíso no alto davam a sensação que pássaros realmente residiam dentro daquele globo tropical. A estufa tinha a maior parte de seu chão coberta por uma madeira nobre sob a terra fértil, mas os cantos e alguns círculos estratégicos garantem espaços para algumas árvores de tamanho médio, e duas que cresciam até o teto, mas não chegavam a bloquear a luz solar que aquecia o local. Seus galhos se vergavam sob uma piscina recém construída, onde degraus em tons de verdes que escureciam convidavam a entrada para seu clima natural, cercado de natureza manipulada.

Nyra havia manejado de trazer um pouco da essência da água curativa da gruta para seu recanto, e essa mesma água abastecia suas criações vivas. Nunca seria ilusória a sensação de achar que certo galho estava em uma posição, e ao piscar, reconhecê-lo em outra. Elas estavam vivas. E do outro lado, por caminhos de pedras que davam a volta naquela pequena redoma de água, ou por dentro da água onde havia outro lance de escadas de piso para a outra margem,  podia-se ver a segunda mesa, onde experimentos mais sofisticados e Mágikos eram criados. Em especial, as drogas que ela gostava de fabricar em pequenas plantações hidropônicas. Entre esse espaço do final da água e as mesas de cultivo artificial, havia-se um espaço circular para poltronas e um tapete caro demais para estar em um ambiente de trabalho. A extensão da Estufa parecia ter aumentado de tamanho, mas apenas internamente.

No exterior continuavam as mesmas medidas. Logo que passou pela porta de vidro, retirou a jaqueta e a colocou sobre a mesa redonda, a temperatura era quase irreal, pois se mantinha fresca com a alta umidade do ar, e tropical pela presença das flores. A Theurge pegou uma romã de uma das plantas, e caminhou entorno da piscina até Polaris. Sentou-se delicadamente ao tapete macio e abriu a trouxinha com os pães que havia pego da mesa do café, além de um copo com um suco natural, e colocou a romã sob o guardanapo de tecido. Ela o fitou em sua seriedade, mas acabou desenhando um sorriso selado nos lábios da cor das cerejas. A Theurge o admirou por uns instantes antes de continuar: – Eu imaginava que ficaria ansioso.. Mas eu não achei que estaria mais do que eu. Você acha que não vamos conseguir…?

Apesar do seu pedido ter sido realizado, a romã chamou muito mais a sua atenção. Polaris a pegou, cheirando-a calmamente antes de transformar uma longa garra espelhada em seu dedo indicador e cortar um pequeno pedaço dela como se fosse feita de manteiga. O Dragão levou o fruto à boca, mastigando-o enquanto a observava. – Eu não sei… – Ele confessou, sincero enquanto ainda engolia. – Eu espero que sim. Eu tenho parte da culpa desse estado dele.

Nyra o fitou entre preocupação e curiosidade, franziu sua testa. Dobrou uma perna se ajeitando, seus dedos acariciavam a pelúcia do tapete. – Por que está dizendo isso…? Você não tem… Você o amava…

– Eu estava muito preocupado com as minhas próprias dores quando Milla e Amabella foram assassinadas. Eu não fui até ele. – Polaris disse com um olhar parado pelo tapete. – Não ajudei. Klaus nunca abandonou a gente. Visita-nos sempre que podia. Sempre breve, mas presente…

A Theurge esticou a mão e acariciou a dele gentilmente. Nyra negou lentamente, e respirou fundo entre os lábios. – Você não pode colocar isso sobre você, ou teria que se culpar todas as vezes que poderia estar em algum lugar e não estava. A vida não funciona assim, Acksul… ninguém pode culpar você por isso, e nem você deveria assumir esse peso. Você já assume muitas coisas…

Ele já estava ciente do pensamento sem sentido quando o começou a verbalizá-lo, mas não impedia do sentimento denso se formar dentro do seu coração apertado. – Éramos uma família. O sentimento não muda. É como eu funciono. – Ele passou a mão pelos cabelos longos. – Eu tenho certeza que ele voltará. Consigo sentir. Eu não sei como… E também não sei se é o que ele quer. Não sei se estamos fazendo o correto…

Nyra sentiu que não era um sentimento que conseguiria aliviar dele facilmente. Sentiu-se mal por um momento e o silêncio veio… Os olhos se ergueram até o alto, onde um bulbo de pétalas se camuflava entre plantas.

– Eu tenho certeza que ele voltará. Talvez tenha uma recuperação demorada de tudo que passou, mas é nosso papel ter paciência e cuidar para que ele tenha o melhor. – Apertou os lábios e fez uma pausa – Lembra quando o professor voltou? Jullian não é transparente sobre muitas coisas… Mas eu sabia que ele se perguntava ‘onde eu estive’? Ao vê-lo naquele estado… Mas… Não adianta… – Ergueu-se – Não adianta. O que resta é lutar para reverter. E dar uma chance para os que não tiveram chance. Como foi com a Blair. – Nyra estendeu as mãos e esperou os ramos descerem, carregando o bulbo para baixo devagar, em direção à mão da Theurge. – Felizmente… Nós temos um grupo, conhecimento e, principalmente, poder… Poder o suficiente para não tornar nenhum quadro irreversível. É o que nos resta a essa altura… Tentar…

Por um momento, ele enxergou outra pessoa diante de si. O coração chegou a disparar com o susto breve, mas o bastante para fazer mais seriedade aos olhos sem humor. Polaris umedeceu os lábios. Em um mês, as nossas ligações evoluíram mais do que eu poderia imaginar. Treinamentos intensivos em conjunto estavam dando resultados assombrosos. Vocês me dão asas, lembrou-se das palavras sinceras de Elara. As fadas nos dão asas.

– Provavelmente, você gostará dele… – Polaris disse, ainda em uma séria reflexão sem sorrisos. – Ela é muito inteligente e talentoso… Aprecia abraços e é a pessoa mais dispersa que eu já conheci. A mente está sempre nas alturas. É viciado em doces… E péssimo cozinheiro, embora tentasse muito. – Um sorriso discreto surgiu em seus lábios. – Nós comíamos para não chateá-lo, mas era tudo horrível.

Nyra abriu um sorriso e riu concordando. – Eu sei… Algumas coisas. – A Garou agarrou as folhas quando pousaram em suas mãos e elas se desfizeram enquanto o livro de Elara surgia sob as duas palmas de Nyra. Sentou-se novamente próxima a ele com o diário em seu colo. – Eu não estava lá obviamente, mas… É como se eu me recordasse do dia que ele quis fazer o bolo de aniversário de Scarlett… Era só um encontro em família… E ela percebeu como o sentimento de família e unidade era importante para qualquer um. – Falava baixo, não transparecendo completamente o sentimento que obtinha sobre aquilo, mas havia carinho e cuidado nas palavras de memórias que sequer a pertenciam. – Eu sei que ainda não havia visto… – Ela abriu a capa. Quando Nyra tocava em páginas, as letras brilhavam se revelando, e os enigmas viravam textos em inglês. Quando Nyra parava de tocar a página, o papel perdia o brilho e voltava ao aspecto de um diário velho e codificado. Ela caminhou até as últimas páginas que estavam em branco e procurava uma específica. – Eu sempre me sinto esquisita quando penso que esse diário não deveria me pertencer. Mas claramente ela deixou sob meus cuidados… Algumas partes pelo menos… Ela era tão incansável quanto eu sou… Sequer poderia sonhar em morrer sem terminar o que comecei.

Ele não sabia se queria ouvir ou não aquelas histórias antigas. Assim que viu o caderno, reconhecendo-o de pronto. Os mistérios eram a novidade. O toque nas páginas trouxe aromas e sensações. Elara ainda vivia através daquele diário, guiando a vida que almejou ter, certeza de amor e poder.

O Dragão da Matéria ergueu os olhos até Nyra. Sentia como se a medida que ela descobria a história da Lendária mais a Theurge se afastava e ganhava, até em sua Mágika, características únicas e somente dela.

– Não. Ele é seu. – Polaris disse, voltando a observar as páginas. – O que tenho certeza é que ela não se suicidaria com tanta segurança como o fez se não tivesse certeza que voltaria… – Ele terminou quase sussurrando a verdade. – Você parece que arrumou alguém para conversar sobre uma história complexa. – Ele esboçou um sorriso de escanteio. – Ela.

– Eu sei… – Nyra devolveu o sorriso e voltou a fitar a página em branco marcada. – Mas é solitário. Me deixa cheia de perguntas. Não sei onde as coisas começam ou terminam… Se eu também estou fazendo certo… Se eu estou atendendo… Expectativas… Eu também não sei o que é certo. – Olhou-o e riu sem jeito – Eu sou insegura, você acredita? – Nyra abaixou o olhar e puxou, rasgando duas folhas com cuidado. Ao destacá-las, dobrou-as com cuidado sob a capa de couro. – Às vezes, não sei o que fazer com o peso de algumas informações…

– É justo. Você está lendo as palavras de uma Lendária, a primeira Loba Maga… Que foi uma pessoa genial e visionária. Eu acho que ainda não vi um Garou tão poderoso quanto ela foi… Até porque, ela viveu bastante, mas… – O Dragão da Matéria estreitou os olhos. – Em que parte você está? Imagino eu que a nossa criação te deixou um pouco tensa… E aconselho que certos detalhes continuem em segredo.

Nyra contornou o lábio e o fitou. – Cronologicamente… Connor…  Mas é difícil dizer. Ela volta seus pensamentos o tempo inteiro. É um fluxo. – Disse e dobrou mais uma vez as duas folhas. – É para você. Ela me confiou que eu a entregasse quando fosse a hora… Eu confio que seja agora. – Encarava os olhos claros do Dragão – Há um enigma no final do diário… – Revelou – Eu suspeito que além de ser uma carta, trata-se de parte da resposta nessas folhas que ela dedicou a você… Elara guardou o final para quando todos nós estivéssemos prontos. – Estendeu a mão para entregá-lo, mas segurou-a entre os dedos, perguntando antes de entregar. – Leia depois do Ritual… Tudo bem?

Gaia. Polaris nunca teve certeza se fazia ou não parte da Mãe Terra, mas foi o único nome que surgiu dentro de sua mente assim que os papéis tocaram a sua mão. Não sei se quero saber. Definitivamente, não sabia. Sequer quis espiar. Lançou-os no ar para guardá-los no Umbral. Seu coração, de repente, pareceu pegar mais alguns quilos que o normal. Ele a olhou e assentiu sobre a cláusula do recado passado. Assentiu lentamente. Os olhos se distanciaram para as folhagens ao redor. Repentinamente, sentindo-se mais cansado, mas aliviado por aquele pedaço a história não estar somente nas mãos de Nyra.

– Eu tenho certeza que é uma boa mensagem, Polaris. Ela não despejaria apenas preocupações. Mas ainda há algo que está faltando, claro… – Disse e apoiou o queixo sobre as mãos repousadas no joelho da perna dobrada. Os olhos claros de Nyra passeavam por ele cheios de sentimentos incertos.  – Vamos sair de tudo isso… Eventualmente… Tudo acaba. –    Olhou para a refeição  – Não esqueça de se alimentar. Faz parte do preparatório.

– Ah, sim. Com certeza. – Ele respondeu, concordando, mas claramente contrariado.

Tudo acaba. Quando tudo acaba? Não se lembrava de ter tido nenhum longo período de paz. Era como se cada passo estendesse mais três para serem dados. A história apenas descia e rondava, mas nunca se resolvia problema. O Dragão da Matéria não acreditava na liberdade, mas sim em alguns momentos. A carta iria trazer alguma missão e Klaus outras tantas…

– Sim. Vou comer isso e… Caçar alguma coisa para mim. Não se preocupe. – Ele abriu um dos seus sorrisos maldosos.

Nyra se inclinou e o beijou no rosto carinhosamente, ergueu-se com lentidão, quase com preguiça, e se espreguiçou ao erguer os braços. – Ok. – Ela disse, sem conseguir pensar em nada para tentar reverter o humor do Dragão. Ergueu a mão para o alto, permitindo que as plantas levassem o Diário de novo. A Theurge pegou sua jaqueta no caminho e saiu da estufa, pensando que precisaria ela mesma de alguém para ajudar com o próprio humor.

Nem mesmo a poderosa maconha preparada magicamente por Nyra conseguia amansar os seus ânimos. Dado momento, desistiu de tentar domar as suas emoções. Discretamente, saiu. A caminhada até a Casa de Madeira se fez bem-vinda. Não importava em qual polo o grupo se encontrava, a palavra da vez ainda era a ansiedade e Henry precisava de um pouco de paz para conseguir se organizar internamente ou ao menos aprender a lidar com a expectativa do momento.

Ele não vivia do passado, mas Klaus nunca ficara perdido nele. A certeza que se encontrariam era tão pura quando o seu reencontro com Elara e Scarlett. Ele simplesmente sabia que aconteceria cedo ou tarde. Dentro do seu coração, residia a certeza de que o tempo seria gentil em reorganizar presenças tão importantes para a felicidade do Kitsune.

Amigo, irmão e até pai, às vezes. O Lobo-Fantasma assumia diversas posições em sua vida, uma mais importante que a outra. Esperava de coração que pudesse retribuir ao menos parte de todo o apoio que recebeu de alguém que nem tinha o seu sangue dentro das veias. Amor por amor. Os braços abertos que o raposo nunca se esqueceria. Quando se sentou aos degraus da Casa de Madeira, aguardando o restante do grupo, se pegou sorrindo com a ideia do reencontro. Os insetos cantavam para o escuro e as damas-da-noite permitiam pureza de o seu perfume adocicar o momento. O Kitsune sentiu a presença de Connor e Tayrou. Henry olhou para o relógio de pulso. Blair já devia estar buscando o ingrediente final para o ritual no atelier. Ele fitou os próprios All Stars e se curvou todo para frente, abraçando-se como se sentisse dor. Sentia tantas emoções juntas que talvez, no fundo, dor fosse uma delas.

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