Pingo-de-Prata

Categorias:Romance
Wyrm

Pingo-de-Prata


Jullian estava sentado em um dos sofás, praticamente deitado com o corpo escorrendo pelo móvel enquanto mexia no celular e escorava a cabeça no braço de Hannah. Seja lá o que ele estava olhando, dividia com a Senhora das Sombras e ria. Nathan observava os dois com o cenho franzido. O Galliard estava sentado no sofá perpendicular ao deles, abraçado com Annik e encostado em Kraz que fitava a porta afora com uma expressão entediada.

Annik havia vestido um vestido preto justo ao corpo e de manga cumprida, meia calça escura, botas acima do joelho de salto grosso e feitas em camurça e um casaco cinza claro até os joelhos que ela usava aberto. Ao seu lado, Nathan vestia uma jaqueta de couro aberta acima de uma camisa social preta, calças jeans e coturnos pretos. Krazugnis trajava um vestido de lã bege e curto, sem mangas e de gola alta.


– Hannah é tão linda, né… – Annik voltou a abraçá-lo, deitando o rosto do peito do Garou.

– É. – Nathan inspirou, apoiando o queixo sobre os cabelos loiros da Ragabash. – Será que Henry está bem mesmo?

– Henry talvez tenha dias difíceis com sonhos… Ele disse e eu senti que terá mesmo. – Annik respondeu, acariciando o Galliard ao peito. – Ele vai dormir conosco?

– Eu quero. – Nathan disse de pronto. – Já fiz o convite. Espero que ele vá…

– Você não tem vergonha. – A Dragonesa disse sem fitar Nathan.

Nathan se voltou para ela e um biquinho se formou em seus lábios descontentes:

– E você tem? – Ele arqueou uma sobrancelha.

– Hm. Minha vida não é da sua conta. – Krazugnis voltou os seus olhos serpentinos para o Garou. – Além do que… Eu acho que sou influenciada por você.

Annik ergueu os olhos de um para o outro, segurando o riso.

– Sei. Agora a culpa minha. – Nathan murmurou, desgostoso.

“Minha companheira de Alcateia foi chamada para a mierda de evento de moda. Ela é supermodelo. Ela está desconfiança de uma influência maléfica e eu vim acompanhá-la, mas eu saio correndo daqui se você puder falar comigo”, outra mensagem subia de Keith. Jullian esboçou um sorriso de escanteio enquanto digitava: “Não se preocupe. Nós vamos falar assim que Gaia desejar”. Não pareceu que Keith sequer pensou antes de digitar: “Jullian, primo, eu estou desesperado. Dios mio. Eu preciso de ajudar e você que me meteu nessa mierda!”. E, logo em seguida: “Lo siento. Estoy nervioso.”

– Essa ansiedade pela coroa… – Jullian comentou com a Senhora das Sombras. – Eu me senti tão odiado quando cedi ao pedido de Luna quanto em meu segundo julgamento. Famílias estão bem acostumadas a dividir a coroa… E eu imagino que essa oportunidade atrairá muitos Presas de Prata que não sonhavam com a oportunidade do trono. – O Philodox franziu o cenho e acabou sorrindo com certo humor. – Luna não me ajudou em minha popularidade… – O Lendário seguiu Sebastian com o olhar quando o Presa de Prata entrou acompanhado de Nikai.

– Surpreendente. – Hannah comentou com um sorriso selado. – Keith nessa posição. Eu sabia que ele era ambicioso, mas achava que não iria para muitos lugares… Desde que ele fugia dos combates. – Hannah tinha apoiado sua cabeça sobre a do Garou e observava o celular dele. – Mas Devon está certa. Ao menos… O que as histórias secretas contam é que o poder dos Presas de enfraqueceu pela hereditariedade.

– Nós precisamos de um upgrade… E eu não vou contestar a sabedoria do Incarna que me adotou. São leis antigas ainda em vigor. – Jullian franziu o cenho. – Keith daria um bom Rei, mas ele precisa aprender a lutar sim.

Hannah fitou ao redor depois de acompanhar Sebastian e Nikai entrando. Drawn voltou a se aproximar da sala no mesmo instante, mas ficou no batente entre a cozinha. – Sophie vem? Sempre achei que ela estava envolvida nisso tudo.

– Ela aparece com a minha irmã, às vezes. O namorado dela é um Lobo Mago… Então, ela quer saber o que anda acontecendo. Além do mais… – O tom de voz do Lendário se tornou quase um sussurro. – Ela tem medo de que certas pessoas não saiam vivas desses encontros. Talvez, ela apareça. – Os olhos de oceano se voltaram para Hannah brevemente. – Devo adiantar que raramente estas reuniões são amigáveis.

Quando Polaris entrou, sério e silencioso, o Lendário ergueu os olhos até ele. O Dragão da Matéria caminhou até o sofá em que Jullian estava sentado e sentou-se entre o rei e Connor. Os olhos azuis passeavam pelos presentes sem paz ou calma. Connor lançou um olhar significativo para Hannah e desenhou um sorriso de escanteio. Sebastian mantinha o seu olhar pelo chão e o ruivo Nikai observava Drawn.

Drawn sentia muitas coisas naquele encontro, todas às vezes, mas parecia continuar sereno e com o semblante pensativo; como se fosse apenas um encontro casual, de pessoas que se viam o tempo inteiro e fariam negócios eventualmente. Mesmo que sua única razão de estar ali fosse devido a Jullian e aos demais Verdadeiros.

Os demais chegaram não muito depois, até mesmo Sophie, como se tivesse sido alertada da reunião, estava ali.  Possivelmente um pedido de Nyra que sabia das histórias da Valquíria com Klaus. Ela cumprimentou a todos, e se acomodou em silêncio, observando e dividindo a atenção com o celular em que trocava mensagens.

A casa encheu o suficiente para não haver assentos para todos, e mesmo alguns não faziam questão, como Blair. Embora estivesse leve em roupas casuais, claras, seus olhos não mentiam a natureza agressiva a qual havia sobrevivido e se adaptado. Tanto ela, quanto Polaris, eram falcões prestes a se mover a qualquer passo em falso.

Nina chegou, mas Nikki não apareceu mesmo depois que Nyra e Henry chegaram. Mas decidiram esperar à pedido da Dragonesa, que sabia que ela estava indo.




O Kitsune não estava com o celular. Claramente, havia largado por aí ou perdido. Ou pior. Janis Jyn ficou dentro daquela casa oriental pelo tempo que conseguiu após ampliar os seus sentidos e começar a ouvir as conversas que circulavam pelo vilarejo. Blair e Henry sumidos. Blair e Henry reapareceram. A Ahroun deixou a casa com passos pesados e se viu em um lugar bem maior do que imaginava pelas descrições de Henry. Havia pequenos comércios e “humilde” seria a última palavra que usaria para descrever o ambiente. Sentiu-se humilde. Um suéter vermelho e masculino com um gato branco bordado, short jeans e botas rústicas. Os cabelos escuros estavam presos praticamente no alto de sua cabeça. Ela quase recuou, mas ao identificar Louis Fourtiner de longe, reuniu coragem para caminhar em direção ao Garou.

Henry havia falado bem do loiro de fama problemática na mídia. Quando os olhos azuis violetas se voltaram para si, Jyn até sentiu o impacto da beleza estonteante. Ele era mais baixo que ela, mas nem disso o fazia menos atraente. Ele era perfeitamente… Foco, Jyn. Você nem gosta de homemTanto.

– Oi. – A Garou tentou abrir um sorriso simpático. – Eu sou Janis Jyn, amiga do Chang. – Ela apontou para trás, indicando de qualquer jeito a casa do Kitsune.

Interessado, Louis arqueou as sobrancelhas. – Olá. – Ele esboçou um sorriso selado. – Ah, o Chang não está aqui nesse lado… Ele está no, hm… – Louis deixou um risinho escapar. – … No lado dos reis.

A Garou desconfiou de uma piada interna.

– Como eu posso ir até lá? – Jyn chegou os braços.

– Com uma permissão. – Louis encolheu os ombros. – Ah, não é nada pessoal. São apenas regras. Ouvi dizer que ele está bem, se você estiver preocupada.

Permissão. Jyn fez um muxoxo e assentiu. – Eu só queria vê-lo e saber como ele está… Ele é importante para mim e simplesmente me largou aqui…

Da forma como Louis olhou, Jyn até desconfiou que fosse compaixão. Será que ele está pensando que eu sou a namorada iludida?

– Eu vou pedir para a Taylor, a Corax, enviar o seu recado. Beleza? É o que posso fazer. Eles estão em reunião. Bom, talvez demore. – Louis arregalou brevemente os olhos.

– Entendo. – Jyn assentiu devagar. – Obrigada mesmo assim.

Verônica revirou os olhos e seguiu adiante, mudou de forma e correu para a Ilha da Estrela, logo perto da ponte da travessia, onde a casa de Madeira se encontrava.

A Garou não conseguiu ser tão discreta a adentrar, porque era a última. Franziu o cenho quando viu Hannah ali, e a Galliard apenas respondeu com um sorriso rápido e sem graça.

Ergueu o rosto e viu Nina concentrada, Nyra ao lado, e Sophie de braços dados com a Theurge. Vim para um velório, gente? Rostos sérios, muita gente, entorno da mesinha de centro. O assunto era tão obscuro que não deveria ser discutido no castelo, mas uma mesa e cafezinho seria bom.

Acomodou-se rapidamente e aguardou quem quer que fosse abrir o evento. Estava curiosa para o que seria feito para não terminar em sangue, concluiu ao ver Polaris e Blair, depois Sebastian e Nikai. Procurou por Drawn, para saber se encontraria a resposta assim que ele se deparasse com o rosto de Nikki: Neil vem? Drawn negou incerto.

O relógio não girou o ponteiro em um minuto e o Arquimago surgiu e, não sozinho, Loba-Branca, Oliver, Vergil e Hugo acompanhavam-no. O Elder Theurge dispôs de um singelo sorriso para Nyra e Hugo a olhou, mas sério. Claramente tenso. Nathan fitou Neil e o Arquimago devolveu o olhar silencioso, mas o Galliard não sustentou o gesto e o Arquimago se voltou de Drawn para Nikki. Chay ficou de pé ao lado de Oliver e não olhou para ninguém. Oliver se demorou em Drawn com interesse e acabou desenhando um sorriso selado.

Velharias, pensou Nathan, inspirando com ansiedade. A sala parecia menor com as tensões no ar, preenchidas com Fúria e expectativas. O Galliard fitou Pingo-de-Prata sentado ao lado de Henry. O Kitsune, elegante em suas roupas emprestadas, estava de braços cruzados observando cada um dos rostos.

– Certo. Huān yíng nín. – Ele disse o bem-vindos em sua língua nativa, trazendo energia espiritual às palavras que davam início. Ele estendeu a mão para Blair e Acksul se aproximarem. – Vamos às formalidades, ah? Eu sou Henry “Tsuru” Chang, Shinju, Kitsune Doshi (Theurge) e estou em minha sétima cauda. Esta é Blair Valerius, estudante da Décima Esfera e Acksul, a Estrela Polaris, Dragão modulado no elemento da Matéria. Blair, como mestre desse ritual, eu e Polaris como os seus facilitadores. Nós três, com a permissão da Mãe Esmeralda, Gaia, damos início a esta reunião. – Henry fechou os olhos e inspirou, lançando mais uma carga energética no ar.

Acksul fechou os olhos igualmente, ativando naquele instante o laço que envolvia a todos os seus irmãos. Quando abriu os olhos novamente, eles brilhavam como faróis.

– Antes de mais nada, eu, como Doshi, e Blair temos muita experiência com rituais envolvendo sacrifícios. Os tais sacríficos podem ser discutidos, mas desconfio que não haverá muito para onde correr. – O Kitsune disse com polidez na voz macia. – Sei que muitos não estarão confortáveis com isso, mas é como o nosso poder funciona.

Acksul tocou a mão de Blair, segurando-a por um instante e tragando uma energia que existia apenas entre os dois. Ele se distanciou, agachando-se, e traçou no chão um grande e perfeito círculo. Quando ele se fechou, tornou-se um espelho.

– A minha ideia é juntarmos ao máximo de lembranças, objetos… Enfim, qualquer coisa. Se um de vocês possuir alguma história que se recorda dele ou qualquer outra coisa, traga aqui e jogue para o círculo. Se for uma história, conte diante do círculo.

Esperando que ninguém fosse tomar a frente, Blair se aproximou com cuidado logo depois que o espelho se abriu. A Maga não se apressava, reunindo sua forte energia hipnotizante, como ondas fluindo entorno do seu corpo, sem agressividade, apenas uma chama atraente de poder.  Esfregou a palma das mãos gentilmente, até que um volume surgisse entre elas, e gostas de sangue começassem a pingar dentro do espelho.

Deixe que as sombras mostrem… Onde as reais mentiras repousam… – Ela falou respirando devagar, com pausas longas e olhos quase fechados, que se alimentavam de um efeito amarelado dançando sinuosamente como sua quintessência. A voz macia, chamava-o para descansar qualquer tormento em seus braços e dar força a seu espírito trancafiado: – Entregue para mim seu sofrimento… Eu suportarei seu fardo. Coloque sobre mim seu martírio… – Pedaços caíram de suas mãos que ainda se esfregavam delicadamente, misturado ao sangue espesso. Ela repetiu as palavras: –  Entregue para mim seu sofrimento… Eu suportarei seu fardo… Coloque sobre mim seu martírio… – A mão debaixo virou as costas,  a outra subiu pelo punho, manchando-se do sangue para terminar de derramar as últimas gotas de cheiro doce, quase enjoativo. –  Medo, não tenha… Eu beberei do seu veneno… – Afastou-se um passo devagar e suas mãos lentamente se limparam sozinhas, deixando no espelho um reflexo avermelhado.
Agachado, Polaris observou a superfície até que a energia se estabilizasse, tornando a cor uniforme até que enxergasse perfeitamente o seu reflexo. O Dragão de Matéria se ergueu e observou ao redor.

– Se alguém tem algo contra ao ritual, apresente-se agora antes do seu início. – O Dragão pediu com tom de desprezo.

No mesmo instante, Vergil deu um passo à frente. O Garou, vestido com uma longa capa negra com detalhes em roxo nas mangas encarou os três com tranquilidade.

– Eu tenho, meus caros e posso explicar o meu ponto de vista…

Henry encarou o Garou com a mesma tranquilidade que ele dispôs aos três e se voltou para Blair.

– Manifeste-se, então.  – Blair disse em seu tom firme.  – Essa é a hora. Importante que todos que vão participar se doem para o processo. Tragam argumentos válidos ou fiquem de fora.
O Lendário Theurge fez uma inspiração profunda antes de começar. Polaris o seguiu com o olhar sem esconder a sua irritação:

– Meus caros. – Vergil disse em tom calmo. – Elara estava bem à frente do seu tempo. Abraçava as diferenças enquanto nós queríamos distância. – Ele fitou Henry brevemente. – Meu pai tentou aconselhá-la diversas vezes a não deixar a mente voar tão alto. Nunca adiantou. Nós falhamos com Elara, mas não tínhamos como adivinhar que as suas ideias surreais poderiam ter fundos de verdade. Eram absurdas. Ela não aceitava ser contrariada. Nunca aceitou ouvir um “não”. Ela não era uma pessoa fácil… – Vergil passou o olhar por Nyra, claramente incomodado em expor os seus pensamentos e memórias. – Ela não teve paciência. Nunca soube ter. E agora… Nós estamos diante de algumas das suas ideias surreais. Vivas.

– O que Vergil quer dizer é que isso tudo é uma loucura. – Hugo disse, impaciente.

Henry ergueu os olhos até o Ragabash, pedindo que esperasse a sua vez.

– Klaus não era muito diferente. – Vergil continuou. – Ninguém contestaria os seus feitos, por há até mesmo diversos deles nos Registros Prateados. Ele viveu uma vida de doação. Viveu em seu tempo, em meados da Segunda Guerra Mundial. Vocês puxarão o rapaz que travou batalhas com nazistas, infiltrava-se, perdeu toda a sua família e foi impedido de ter contato com a sua amante quando uma Seita se trancou. – Ele fitou de Nina a Hawky. – Vocês querem trazer de volta uma pessoa psicologicamente perturbada.
Blair franziu a testa e negou lentamente.

– Não é desculpa para deixá-lo nessa situação. – Cruzou os braços – Loba Branca e Oliver lutaram na Segunda Guerra, passaram por tudo isso e aqui estão. – Ergueu a mão a eles – Posso usar outros exemplos de pessoas aqui, que passaram por muito, e estão presentes. – Descruzou os braços devagar – O fato de Klaus ser poderoso demais ou um visionário também não são argumentos, Vergil.– Estreitou os olhos – Mais alguma coisa?
Nyra sentia a tensão de Sophie pelos braços entrelaçados, e tinha seu foco no diálogo com a mesma angustia. Mas não pediam a palavra para interromper com argumentações, embora Nyra desejasse que seu avô não se colocaria contra, assim como seu pai.
– Acredito que Vergil esteja se referindo a Klaus como alguém que não passou por essa transição dos anos. – Chay disse, fitando Blair. – Não é a mesma situação. Eu não me posiciono contra, mas eu quero ter certeza que ele voltará bem… Ou prefiro vê-lo morto.

– Exatamente. Há alguma garantia? – Vergil perguntou a Blair e Henry.

– Não. Mas tentaremos o noss-

– Então, Loba-Branca? – Hugo interrompeu Henry.

– Henry, continue. – Jullian pediu.

– Não há garantia de nada em nossas vidas quando lidamos com magia. Você mesmo quando fez um trato para tê-la deve saber muito bem, Garras-Vingativas. Claro que ele terá uma adaptação…

Inspirando profundamente, Chay se entreolhou com Sophie, apreensiva.

– E vocês estão considerando algo que é somente uma hipótese. Não podemos avaliar a sanidade dele se ele sequer está aqui. Sequer sabemos se ele adormeceu, se ele assistiu, se ele ficou enjaulado, qual a sensação, como ele suportou…. – Blair rebateu impaciente, mas ainda se mantendo longe de rotas mais pesadas. –  Trazê-lo ou não, não deveria estar em questão. Vocês querem ir direto ao ponto e fechar um acordo? Se ele não estiver claramente bem e resolver que quer destruir tudo, ou sei lá o que, ou quer ser um problema para Gaia, nós o assassinamos? Nós podemos fazer um trato, mas sinceramente, não vai acontecer. Ele não perderá a essência, e se perder, temos meios de conter. – Arqueou as sobrancelhas e se voltou a Vergil. – Qual a dúvida?

Hannah transitou o olhar para Vergil, mas sua mente continuava transitando por pensamentos que podia ler… Logo ficou suscetível a uma forte dor de cabeça.

Assassiná-lo? O olhar de Polaris expressou a sua Fúria. Estava fora de questão. A não ser que Klaus quisesse. O Dragão da Matéria abaixou a cabeça, mas acabou dando um grito de raiva.

– Klaus é de nossa família. Logo, é da responsabilidade Blackwood. Ele provavelmente terá um período de adaptação… Vocês estão contando com isso? Darão toda a assistência a ele? Se ele se tornar um problema, resolverão? – Vergil perguntou, firme. – Isso não pode chegar até a Sociedade Garou até ele estiver bem.

– Sim, Vergil. – Jullian respondeu de pronto.

Com um suspiro emocionado, Henry se voltou a Jullian.

– Klaus é importante para muitos seres que queremos bem. Falo pelos Versos da Magia. Além do mais, ele tem sido companheiro de minha pequena estrela. Inclusive… Auxiliou-a em missões diversas vezes… – O Lendário disse, neutro.
O semblante de Blair foi tão entediado que soou cínico.  – Isso é óbvio, Vergil. Não vamos jogá-lo no mundo depois de trazê-lo.

– É verdade… Ele está do meu lado já faz anos agora…  – A Theurge disse  – Ele não está insano. Ele sabe muito bem de tudo o que está acontecendo, e me ajudou sempre. Nós faremos o que for possível.

– Isso é tão estranho para mim…  – Sophie murmurou e acabou ouvida.  – Parece que o vi há um ano atrás… Não parece que algo aconteceu…
– Mas são muitos anos… – Chay disse a Sophie.

– Se ele voltar pior do que ele já era… – Oliver comentou com um humor maldoso. – Melhor assassinar…

Sophie fez uma careta para o comentário e negou brevemente, não conseguia-o ver tão insano quanto diziam, ou que poderia ficar insano. Klaus foi especial para a Galliard.

Apaixonado, Rhistel observou a maga com as sobrancelhas arqueadas. Sabia que não deveria admirar aquele lado, mas não conseguia. Ama-a sendo poderosa e altiva.

– Não sabemos se ele não está insano, princesinha. Não sabemos. Ele não será mais o seu bichinho de estimação. – Hugo disse a Nyra, que apenas devolveu o olhar sem muito ânimo. Poderia defender Klaus das poucas memórias que ainda havia lido no diário, pois o capítulo dedicado a ele ainda estava reservado pelas vontades dela.

– Creio que já esteja decidido? – Jullian observou a fotos.

– Queridinhos. Se Klaus tiver problemas, talvez eu possa ajudar… Ou ajudar vocês a ajudarem-no. – Neil abriu um sorriso tímido e se voltou de Hannah para Connor. – Ele precisará de ajuda, de qualquer forma…

Hannah entreolhou com Connor. Sem saber se suas habilidades seriam proveitosas naquele caso, mas imaginava alguns usos. Seu olhar voltou-se a Neil e concordou.

– Ótimo. – Blair concluiu – Isso não está mais em questão. O mais importante é, quem vai se doar nesse processo de buscá-lo ou não. – Fitou Sebastian de canto de olho – Sabotagens não serão toleradas.

Calado, Sebastian lançou a Blair um olhar de descaso. Nikai a encarou e suspirou profundamente. Toda a situação lhe ira irônica. Mais irônica ainda quando acompanhou Chay se aproximando do círculo de prata com um pequeno saquinho de couro em sua mão.

– Isso é terra da Seita do Coração de Thor. Ele visitava a Seita com frequência.

Henry observou a bela loira em suas vestimentas de vinil e indicou o círculo:

– Pode jogar, Loba-Branca. Eu tenho certeza que eles bem boas memórias de lá… – O Kitsune disse, afável.

Delicadamente, a Guardiã levou o saquinho aos lábios e disse algumas palavras sussurradas antes de deixá-lo cair. O círculo o envolveu como se fosse uma célula, engolindo-o. Observando-a retornar, Oliver se adiantou. Trazia em mãos nada menos que um uniforme nazista, muito similar ao que ele usava como Vigia.

– Não existem boas memórias, mas creio que ele precise se lembrar de quem ele foi e é.

– Com certeza. – Polaris disse sem pestanejar.

Oliver deixou cair o uniforme, observando-o também ser engolido.

Nyra ergueu o olhar para Sophie, esperando que ela fosse, mas a Galliard parecia pensar ainda sobre o que fazer, ou decidir, já que sabia que  tinha muitas memórias dele ela mesma. Nina também aguardou, mas apenas um segundo, e resolveu andar adiante, pois tinha algo preparado. Ajoelhou-se diante do espelho e beijou um colar delicadamente antes de o pousar sobre o reflexo. A Dragonesa pareceu doar o pedaço de joia com muita relutância, quase uma última memória concreta que houvesse restado. Nikki pode sentir o desconforto e o alívio só de assistir.

Ela quis dizer algo, mas as presenças entorno não a deixaram confortável. A Dragonesa se afastou e parou ao lado de Rhistel e Ladirus. Sophie andou em seguida, e se ajoelhou para fitar o espelho e sussurrar “Obrigada pelas tardes de conversa, vinho e piano.” E voltou para o lado da Theurge rapidamente.

Gaia. Sebastian acompanhou Sophie indo e vindo com uma sensação de desânimo tardia, relembrando-se das próprias idiotices e ilusões passadas que já não tinham significado naqueles tempos, mas conseguiam incomodar e convidá-lo a se dar um atrasado soco na cara. Ele olhou para o teto e só se desviou dele quando notou Rhistel se movendo…

Claro que ele se levantaria. Os lagartos alados deviam muito ao judeu revoltado. Sebastian se conteve de boa parte dos seus pensamentos, pois sabia que havia muitos investigadores presentes, mas os seus ressentimentos fluíam livres. Klaus poderia odiá-lo, mas ele também tinha muitos motivos para odiar Klaus. E a antiga competição ardeu em seu peito como uma ferida recente.

Rhistel se sentou a beirada do círculo com um pequenino teclado sobre as pernas que se cruzaram no chão. Ele fitou Blair, Henry e Polaris por um instante antes de começar a tocá-lo.

He stays home for work this time. He never really told his wife. He never really told a lie but this time he decides that it’s alright… It’s alright… – Ele cantava a canção muito antiga, tirando o pó da letra que havia composto dentro de uma caverna de gelo para um Lobo-Fantasma escutar. – No one really knows his mind and no one knows behind his eyes. The man deserves a medal… But he’s never really won a prize before. He goes to lock the door… – A voz ganhava potência e distância, alongando-se em notas poderosas. – He is falling… And though he knows it’s not… The world looks down and frowns. Get up Johnny boy, get up Johnny boy! Get up cause the world has left you lying on the ground! You’re my pride and joy, you’re my pride and joy… Get up Johnny boy because we all need you now… We all need you now…

Jullian se tocou sobre o peito, dando dois tapas leves. Rhistel repetiu o gesto ao se levantar e se afastou com um sorriso nos lábios, parando ao lado de Ladirus. Henry observou os dois com uma tranquilidade nos olhos escuros. Polaris inspirou com os olhos fechados, guardando em suas mãos a energia que a canção elevou no ar. A voz de Rhistel despertava sempre um sentimento positivo em si e em seus irmãos. Mágica e poderosa, capaz de acalmá-los em seus piores momentos. O irmão mais velho citou o Dragão de Gelo por cima do ombro e recebeu dele um sorriso doce. Acksul retribuiu o gesto e virou-se para frente.

O Kitsune deu um passo a frente se sacou das costas, tornando visível à Tellurian, uma Grã-Klaive suja e ensanguentada.

Desconfiava-se que Vingadora-Dourada havia se perdido no Umbral, sido corrompida ou destruída. A lâmina de prata, mas com a cor do Sol, estava tão opaca quanto se estivesse morta e o sulco onde diziam as lendas que o Lobo-Fantasma guardava uma varinha estava vazio até aquele instante. Henry se ajoelhou com o Fetishe sobre as coxas e pousou no suco na adaga ritual, encaixando-a, a farinha de salgueiro.

Nikai se virou para Sebastian. Não havia apenas sangue seco de Klaus no Fetishe, mas também do Ragabash e, possivelmente, dos outros que o amaldiçoaram. Henry colocou a adaga de pé e mergulhou-a no círculo:

Volte para acertar as suas contas, meu irmão de alma… – O Kitsune sussurrou.

Nina colocou a mão no ombro de Rhistel e o abraçou quando retornou. Apertado e carinhosa, desejando que tudo desse certo, e retornou o olhar para o centro.

As palavras de Henry agitaram levemente o ambiente, Nyra não se manifestou, no fundo não gostava da briga. Mas Blair segurou um sorriso ao escutar a promessa de guerra.

Esperaram cada um deixar sua parte, com cada trecho de cada memória, e sussurros foram perdidos dentro do espelho.

Quando parecia ser o final de tudo, Nyra se aproximou de Pingo de Prata, finalmente movendo-se do lugar de onde não saiu. Agachou-se diante de Pingo, um lobo já grande, e apoiou as patas dele nos seus ombros, Nyra encostou sua testa a dele e disse a ele mentalmente:

“Vamos saltar, meu amigo?” Acariciou o pelo do Espírito materializado “Eu sinto que você precisa estar lá”.

Ladirus se curvou para tocar Nyra no ombro quando sentiu a emoção lhe aconchegar ao coração. O Dragão de Água por fim de agachou, observando o Espírito de Prata lambendo diversas vezes o rosto do Theurge como se, lá no fundo, ele soubesse que também poderia se tratar de uma despedida.

“Eu te amo. Sempre”, Ladirus ouviu a voz masculina em sua cabeça e se entreolhou com Nyra, pois não fluiu da sua mente o pensamento. Eu te amo. Sempre. O Dragão se endireitou, lembrando-se de ouvir essa frase diversas vezes, retornando-se a uma coleção de pequenos fragmentos. Eu te amo. Sempre. Ele fungou, passando a mão abaixo dos ombros quando os sentiu desaguar. Uma mão ternamente lhe alcançou o seu ombro. Ladi encarou os olhos firmes de Tayrou e sorriu, recebendo o mesmo gesto do irmão de Luz.

Calmamente, Tayrou se agachou ao lado de Nyra. O coração do Dragão de Luz forte como um tambor e os seus olhos vermelhos de lágrimas que ele não queria derramar. Ele tocou os pelos do Espírito, afagando-os e a sua voz, suave como o toque do Sol, fluiu baixa:

– Eu esperaria a eternidade por você. Eu conviveria com esse vazio apenas com a esperança do seu retorno. Nada me faz mais falta que você… Nada conseguiu me trazer paz… – Ele afagava os pelos prateados. – Você disse que eu precisava aprender a perdoar e eu estou aqui, ano após ano, esperando que você me ensine. Você é o meu melhor amigo, Klaus. Você egoísmo seu ir e não me levar junto… – Ele fungou. – Então, faça-me o favor de retornar. Quando você se ligou a mim, você também fez uma promessa… – Ele fechou os olhos. – Eu ainda espero por você.



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