British Memories

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Wyrm

British Memories


O aeroporto de Fox Town estava vazio àquela hora e ninguém aguardava pela sua presença. Os poucos paparazzi que estavam à espera de uma artista o perceberam tardiamente e não conseguiram uma foto decente para vender pela internet. Jullian comprou uma passagem somente de ida para o próximo voo em direção Londres. Ele facilmente poderia ter caminhado pelo Umbral, seguido para a sua terra natal com uma familiaridade que muitas memórias traziam, mas a intenção era justamente não fazer esforço algum. Foram nove horas que ele conseguiu passar adormecido, sonhando com nada que fosse importante.

O boato da sua presença fez alguns fãs aparecerem. Ele os atendeu com uma paciência e carinho que exalavam uma paz de espírito que ele ainda não sentia em verdade. Decidiu ir para a Oxford Street de ônibus e sentiu muitas pessoas em dúvida se estavam se encontrando quem acreditaram ser. Encontrou alguns fãs pela rua e novamente os atendeu com simpatia. Entre as ruas formosas e luxuosas que se ligavam ao centro de compras para todos os gostos, Jullian adentrou algumas lojas após comer um lanche em um café simpático. O Lendário comprou algumas roupas novas e vestiu um sobretudo preto sobre o jaleco.

Segurando duas sacolas em uma mão e um sorvete de palito em outra, ele caminhava por caminhar, observando os arredores com olhos que não enxergavam dentro e apenas viajavam por fora. De repente, uma paz real apropriava-se de si. Ele pegou outro ônibus e subiu para o andar superior. Nem sabia para onde estava indo quando avistou o Big Ben. Levou algumas castanhas à boca e observou o relógio com uma expressão pensativa, embora não estivesse pensando em nada importante.

Jullian pegou o metrô, traçando rotas em direção à estação Euston. Dela, seguiu de trem para Manchester, a sua cidade natal. Abraçado às suas sacolas, ele dormiu as duas horas em que durou a viagem.

Lembrou-se, quando acordou, das inúmeras vezes que fizera o percurso com Adam e o seu grupo de amigos.

Lembrou-se da sua mãe o aguardando na estação.

A porta não rangia mais quando a abriu e a casa estava tão limpa quanto alguém estivesse morando nela. Nyra fazia questão de sempre enviar alguém para limpá-la. Estava mais moderna, com eletrodomésticos de última geração e móveis restaurados, mas ainda era mesma casa em que vivera por muitos anos. Jullian gastou um longo tempo em um banho de banheira. Somente nele, os seus pensamentos começaram a vir e se apresentar como um teatro ao contrário em que os atores se curvam antes que a peça terminasse.

Drawn amava Elara, mas para todos os efeitos, Elara era Nyra. Havia rompido a crença Blackwood que não haveria reencarnação para eles e caminhava de novo pela face de Gaia, decidida a viver. Não havia culpados na história, mas a dor que sentiu aos olhos do professor fazia Jullian temer as próprias atitudes que seguiam.

Deveria se esquecer do que percebeu?

Deveria falar sobre o assunto com ele?

Os olhos azuis se entreabriam quando sentiu a presença Aputsiaq – Floco-de-Neve – pousando à borda da banheira, mas voltou a fechá-los, relaxando-se. A lembrança da voz de Nathan pela manhã trouxe Remi à sua mente.

Remi. Distante, recluso e deixando de lado o relacionamento que o Jullian e os demais Versos da Magia abriram para ele de corpo e alma. Permitiu-lhe a sua amada estrela, mesmo que nunca tenha o amado como um membro de sua Alcateia, por mais que tentasse. Não estava propriamente chateado pela distância, mas concluía igualmente que o seu receio podia vir ao sentir que o Andarilho do Asfalto nunca estivera junto a eles de verdade. Havia sempre um ressalve… Um aviso…

O que faria sobre isso?

Jullian estava ciente que quando retornasse também lidaria com mais um assunto que não poderia mais ignorar: Aisha. A premissa imaginativa da conversa exaustiva fez menção que estragaria o seu clima de paz e resolveu não confabular sobre ela.

Lâmina-Mortal, a Rainha da Sociedade Garou está morta”, Aputsiaq lhe confidenciou em sua mente, “Sofreu um atentado quando seguia para a Seita do Pôr do Sol”.

– Eu sei. Nós já sabemos. – Ele disse, solitário. – Assim como o príncipe…

Assim como o príncipe. Você precisará comparecer ao funeral e expressar o seu voto para o próximo Garou a assumir o trono…”, Aputsiaq acrescentou, “Será amanhã à noite.

– Pico-da-Fúria é a aposta do conselho, imagino eu.

Sim…”, a voz do Espírito lamentou, “Mas fala-se muito no Sentinela-Incansável e no retorno de Vlada Romanov… Também ouvi o seu nome…”

– Se eu tivesse insano o suficiente, talvez… – Jullian disse com secura.

E também se fala em guerra”, Aputsiaq finalizou.

Vestido com um roupão preto, Jullian seguiu até a sala e ligou a televisão. Um canal popular exibia Monty Python em Busca do Cálice Sagrado e ele assistiu até o final, rindo sozinho das piadas que já conhecia enquanto comia biscoitos amanteigados e tomava um chá de frutas bem quente. Quando seguiu para a cama de casal, deixou o celular tocando uma lista de músicas clássicas para amaciar o seu sono de seis horas.

De manhã, após um café da manhã reforçado e tradicionalmente britânico, Jullian finalmente seguiu para o destino que o levou até Manchester. Seguiu para o Southern Cemetery e comprou um vaso de vocês para o túmulo de Elizabeth Blackwood, embora não acreditasse que a sua alma estava presente e se animaria com a decoração. Jullian gastou um tempo com as suas próprias memórias antes de se voltar para as três lápides menores ao lado da que pertencia à sua mãe.

Connie (Constance), Dot (Dolores) e Dorian. Os trigêmeos perdidos, sangue do seu sangue. Teoricamente, não possuíam nomes, mas o Lendário precisou nomeá-los para enterrá-los e o gesto também era um gesto de respeito à sua memória. Somente ele tinha conhecimento dos túmulos. Jullian não acreditava que estavam mais presentes em alma e próximos aos seus túmulos, mas uma esperança inocente e o sonho interrompido o fazia crer que, onde quer que estivessem, eles podiam ouvi-lo sempre que ele conversava com eles.

– Olá, meus amados… – Jullian sussurrou. – Já faz alguns meses desde a nossa última conversa… – Jullian se sentou no chão, cruzando as pernas na grama curta.

Ele tirou do Umbral dois carrinhos de madeira e um ursinho de pelúcia. Um dos carrinhos para Dorian e o outro para Dot. Não sabia dizer o porquê, mas sempre imaginou a filha como um espírito do contra e livre, similar ao de Flora. O ursinho, para Connie.

– A princesa da Sociedade Garou ficou grávida e perdeu o bebê. Eu não consegui salvá-lo… Apenas a princesa sobreviveu. – Jullian explicava. – Essa história me atingiu de tal forma que eu só conseguia pensar em vocês. Eu reflito… Se eu tivesse mais presente ou se… Eu não sei. A culpa não tem fim. Parece que eu poderia ter feito mais. – As lágrimas começaram a rolar bem antes que percebesse. – Sinto que esse peso também é meu…

Uma brisa fria o fez se encolher. Jullian abaixou a cabeça, protegendo o rosto do frio cortante dentro do casaco e abraçando-se. As lágrimas resfriaram ainda mais a sua tez e ele fechou os olhos com força, sentindo o coração pulsando com a força de uma bateria enlouquecida. A sua respiração fugia dos seus lábios turva e quente…

“Gaia, me dê uma chance… Me dê uma chance de cuidar deles… Só uma”.

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