Scale Law

Categorias:Romance
Wyrm

Scale Law


Não que estivesse reclamando, mas Nathan estranhou acordar abraçando Jullian em vez de Nyra e sem Annik às suas costas. Peças faltando. Nem Remi estava presente! Também era esquisito ainda encontrar Jullian na cama com o Sol já despontando. O Lendário costumava se levantar bem cedo para fazer e montar a mesa de café da manhã. Ao invés disso, estava… Escrevendo?

Mais desperto do que o costume, Nathan ergueu o pescoço para espiar o caderninho em que ele aliviava o seu momento de criatividade. Jullian voltou os olhos para Nathan, arqueando uma sobrancelha questionadora.

– Oi, Jules. – Nathan murmurou.

– Bom dia, meu doce príncipe… – Jullian sorriu seladamente.

– Está tudo bem?

– Não.

O Galliard se sentou de sobressalto, sentando-se sobre as pernas. – Por quê? Cadê Annie e Nay? Remi?

– Remi, eu não sei. Não mandou enviou nenhuma mensagem em nosso grupo, mas ele não está na ilha. – Jullian respirou profundamente e Nathan sentiu sua irritação discreta. – Annie foi tomar café com as irmãs… Nay…

Nathan franziu o cenho.

– … Está com Henry. – Jullian fitou o Galliard, filmando suas reações.

– Ah. Por isso você não está bem? Para mim, estava bem claro já. – Nathan apertou os lábios finos.

– Para mim, também. Nenhum problema nisso. – Jullian se revirou na cama, fechando o caderno e deitando-se de barriga para cima.

– Annik acha ele sexy…

– É?

– Sim. Eu também.

Jullian riu, mas sem muita vontade.

– E você?

– Não reparei nele nesse teor. Rhistel gosta muito dele. Eu acabo tendo uma… Simpatia.

Nathan assentiu, esboçando um sorriso malicioso:

– Não tem nada a ver com o raposo, então.

– Não. É outra coisa.

O Galliard voltou a se deitar de lado, apoiando o rosto na mão e olhando-o. – O que é, Jules? Pode falar. – Pediu.

Apertando os lábios, ele se voltou para Nathan – estranhamente expressivo. O incômodo se estampava em sua face de uma forma que o Galliard raramente presenciava:

– Não sei se quero verbalizar isso. – Jullian disse, erguendo os olhos perplexos para o teto. – Eu não estou conseguindo lidar com a informação. Talvez, seja melhor apenas esquecer.

– Eita, porra. – Nathan o tocou nos cabelos, acariciando-o. – Parece sério… É sobre o Remi?

O olhar de Jullian foi se estreitando vagarosamente. Ele se sentou, cruzando as pernas sobre o colchão e pousando as mãos sobre os joelhos distantes:

– Remi? Não, não é sobre Remi. O que há com Remi?

O Galliard entreabriu os lábios, fitando Jullian com surpresa:

– Eu achei que você tivesse percebido…

– Que ele está distante?

– Não. – Nathan se sentou igualmente. – Não sei se quero verbalizar isso.

O Lendário entreabriu os lábios, mas se calou assim que a porta do quarto se abriu e Annik adentrou o cômodo com um imenso e belo sorriso aos lábios.

– Está chovendo! – Ela comemorou, erguendo os braços para si e festejando. A Ragabash girou em torno de si mesma, fazendo ondular o vestido evasê branco, de alcinhas finas, decote reto e de cumprimento até os joelhos que estava usando. – Mia chamou vocês para tomar café! Julia e Sophie também está lá! Oh… Nay ainda não voltou?

– Não, Annie. – Jullian respondeu e voltou-se para Nathan de soslaio.

Péssima impressão dentro do seu peito. Estava tão concentrado nos demais problemas da sua vida que havia deixado passar alguma coisa sobre Remi? O Philodox fitou o colchão com seriedade, mas sorriu quando Annik se aproximou e o beijou num selinho demorado.

– Vamos…?

– Sim… – Ele respondeu, tocando-a em seu rosto. – Me fará bem ver a minha irmã.

Nathan mirou Jullian e apertou os lábios, voltando-se para Annik e pensando…




Não foram sonhos bons os que vieram visitá-lo. Ladirus acordou com uma dor de cabeça fritando as suas ideias que chegaram todas de uma única vez.

Ele e Ártemis estavam em seu quarto, nus. Ultimamente, era onde dormiam já que não tiveram coragem o suficiente para ir até o quarto de Audrey. Não pareceu certo. A impressão que teve foi que não seriam bem-vindos. Ela ergueu um muro de distância e ele não sabia exatamente do quê, mas ao que parecia, ele estava incluso no pacote de bloqueios.

Ladi se sentou, mas se curvou para beijar o ombro moreno de sua gata adormecida. Trocou-se e seguiu até a academia na Casa do Lago. Malhou intensamente, fazendo todas as suas séries de exercícios e sentiu-se melhor. Após a saída misteriosa de Nyra, ele acreditou que faria bem em preparar o próprio café da manhã ao invés de seguir para a Casa de Vidro. Blair e Rhistel ainda estavam adormecidos no sofá. Ele passou por eles e seguiu até a cozinha e preparou um cereal nutritivo. Ladirus comia enquanto tentava ouvir algum som do quarto de Audrey, mas somente escutou a sua respiração profunda. Ele retornou para o próprio quarto após comer e lavar a louça e seguiu direto para a suíte, já que Ártemis ainda dormia. Ladirus se banhou no chuveiro, mas depois encheu a banheira e ligou a hidromassagem, largando-se nela. Estava preocupado. Uma preocupação até geral. Audrey ainda era o seu principal foco, mas o que dizer sobre Nyra e Acksul? Gaia…

O Dragão ligou colocou magicamente o celular para tocar músicas, movendo os dedos no ar. O último álbum de Nathan estava selecionado e o Dragão fechou os olhos, cochilando enquanto as canções soavam.

Ele apenas acordou quando escutou a voz de Alicia no quarto…

Espera. Eu não entendi. Você não confundiu as coisas…? Leah estava com Cassian, menina. Aisha é doida pelo namorado… E a Nyra não é a namorada do Rei Jullian?!

– Que Cassian o que!? Você esqueceu que ela fugiu dele no hotel. Ele quase matou a Leah! Agora… Quem foi que a salvou? ¡Vale! – Trocava mensagens de áudio com a amiga pelo aplicativo, ainda sem sequer ter levantado da cama depois que viu que estava com quase trezentos para responder. Cem da Alicia, cem da Nish, cem da Dessie. Nenhuma da Leah. – O mais suspeito é que nem sei para onde ela foi. Acho que foi para casa. Mas duvido também. Você lembra como ela era disputada quando vendia pipoca?! E a gente achava que ela só queria um namorado com mais dinheiro porque ela estudava em escola pública e a gente particular? – Ártemis riu baixinho – Coitada. Que maldade. – Cobriu a boca um minuto – Alicia! Alicia… Nyra e Jullian são quase casados. Mas é diferente o romance deles né… Ahh… Acho que você não sabia disso… Não sabe?

Diferente? Ou namorada ou não namora, né, amiga! Se ela estava namorando, por que o beijo? Não entendo disso, não! – Ela gargalhou na mensagem. – Viu as fotos que te enviei? Pelo menos, a internet está amando as suas com o Ladirus. Você acha que parece muito a Leah nessa? – Ela enviou mais uma foto.

Destiny enviou em seguida:

GENTE! Espera! Eu estou ficando nervosa! É só um rumor, né?! Já não estou gostando desse grupo que vocês montaram sem a Leah. Não digam nada por aí! Estão falando que no nosso grupo só tem safada já! Ai, que horror! Gente. Não parece nem a Leah nem o Acksul na foto! Vamos nos acalmar! – Ela suspirou, tensa. – Estou com medo…

– Dessie! Eu estava lá! – Ártemis devolveu o áudio – Eu vi tudo! Com certeza saíram em mil fotos! Tá doida que não?

Nossa. A carreira da Leah vai por água abaixo. – Nish disse entediada, mesmo que sem acreditar. – Aisha vai destruí-la. A mídia vai. Vai levar nosso grupo direto pra má fama de vez. 

– Eu acho que é melhor a gente avisar nossos assessores. – Ártemis disse. – Mas primeiro eu tenho que encurralar a Leah e perguntar o que deu nela. Mandei uma mensagem e ela não viu ainda.

Será que ela ainda está com ele…?

– Eu cacei aqui, gente… Não achei muita coisa. E zero da Click. De lá, nunca sai nada. Tem só fotos de vocês entrando… Mais nada. – Destiny dizia com a voz tremida. Parecia que tentava não chorar. – Eu disse! Pode ser verdade, mas ninguém sabe ainda! Só falarmos que foi encrenca de fã! Vamos negar tudo e proteger a Leah!

Leah não quer se proteger! Você não reparou? Ela ficou rebelde! Ladi não pode chegar isso com os seus superpoderes, Arty? Localizar Leah, não sei! Se ela voltou com vocês para ilha, ela pode estar em qualquer lugar daí! A ilha é enorme, né! Talvez aquela área de pobre… Ela ficou conversando tempão com a ruiva que tem um filho… – Alicia disse.

– Ladi não pode agora. Eu já sei. Vou perguntar para a Blair. – Olhou-se nua no espelho – Daqui a pouco.
Leah nunca largou a pobreza dentro dela, né. – Nish enviou seu áudio – Ela gosta de umas coisas. Nem parece que é popstar mundial.

Pois é! Com um castelo desses, aposto que ela está na área dos pobres, ouvindo rap e descendo até o chão! – Alicia gargalhou. – Fumando maconha!

Gente… Não digam essas coisas. – Dessie comentou, horrorizada.

– Aliás, a ruiva que tem o filho se chama Sera. – Ártemis as corrigiu – Ela é legalzinha.

Olha. Se tiverem notícias me avisem, eu tenho que malhar. – Nish disse começando a ficar desinteressada.

– Mas sério! Em algum lugar algum fã deve estar vendendo uma foto hiper reveladora. Estamos ferradas. Podem aguardar.

Vira essa boca pra lá, Ártemis! Logo sai o nosso videoclipe! É promessa do sucesso! – Alicia riu. – Só quero ver quando Aisha souber…

Com uma toalha enrolada na cintura, Ladirus deixou a suíte. O Dragão de Água observou Ártemis com o celular e caminhou até o guarda-roupa. As suas vestes estavam espremidas em um canto, pois as dela tomavam tudo e ele ainda não havia organizado o lugar. Ele pegou uma regata justa e preta e uma calça larga camuflada. Puxou a toalha da cintura e começou a secar os cabelos.

– Tá bom, Alicia. Você é a santa do grupo. – Ártemis respondeu sem paciência. – Leah pelo menos dá de dez a zero na voz de vocês e é bem mais bonita. – Respondeu por último e deixou de lado o celular, mesmo sabendo que elas ficariam enfurecidas. Ártemis acompanhou Ladirus terminar de se vestir e sorriu, sentando-se e o olhando por um tempo. – Você vai sair? Eu posso ir? – Engatinhou até a beirada da cama e se sentou nela. O móvel era alto e o colchão imenso, os pés dela quase não alcançavam o chão e se moviam no ar.

Não faz isso. Não engatinha. Ladirus suspirou descaradamente. Ele se sentou ao lado dela e curvou-se, beijando-lhe o rosto diversas vezes, descendo por seu ombro nu. Sentiu-se novamente tentado, mas segurou-se. Ártemis com aquela cor maravilhosa mexia consigo sem esforço algum… Ainda mais nua, agindo naturalmente como se estivesse vestida. Ela sorriu com os beijos e carinhos, e o rondou igual felina. Ajoelhou-se no colchão e ficou às costas dele. Ártemis o abraçou por trás, beijou sua nuca e massageou seus ombros fortes.

– Hm… Não… Mais tarde… Fazer as minhas tarefas e depois, estúdio. Podemos sair à noite, se você quiser… – Ladirus disse, mas o suspiro desanimado não combinava com as propostas. – Nyra está vindo conversar comigo. Eu senti a intenção dela assim que ela saiu da casa do Hen- – Ele mordeu a língua, mas continuou. – ..Ry. Gatinha, melhor ninguém saber disso…

Ela o escutou e deitou o rosto de lado para o fitar nos olhos quando ele mencionou Nyra na casa de Henry. Arty segurou o fôlego do susto e disse, segurando seus ombros:

– Mas, que!? Ay, ay… Não é ilusão minha! Os dois estão juntos?! – Explicou-se ao lembrar que ele possivelmente houvesse escutado – Mas eu só falo com as meninas… Elas não contam para ninguém. Eu mato se falarem algo! Mas elas nunca falaram. Bem, é que… Eu ainda estou inconformada com a Leah, na verdade.

Era para conversar? Nyra estava indo pra lá e Ladirus já estava pensando em chamas e nos seios contra as suas costas. Ele fechou os olhos. – Hm. Eu não sei… Se… Bom, ela está muito feliz. Duvido que não tenham ficado juntos. Ela estava toda entre aos suspiros ontem e aquele beijo lá teve paixão. Espero que isso não seja um problema. Eu já gosto do Chang. – O Dragão comentou, pensando. – E Leah… Eu acho que nem pensou nada. Nem ela nem o meu irmão. Só estavam afim de se beijar. Ele está indo para o castelo. Aisha te disse algo?

Ártemis cruzou os braços entorno do pescoço dele e fechou seus olhos, abraçando-o.

– Ela mandou mensagens me chamando para ir lá para o Castelo numa festinha com as meninas bestas dela. Eu nem disse onde estava. Não respondi. Acksul a enganou, muito do safado! Duvido que ela sabia que ele estava em uma balada. Morria. – Respirou fundo – O que a Nyra quer falar?

– Eu não sei, gatinha. Eu não consigo sentir mensagens tão específicas. É mais simples, entende? – Ele a olhou por cima do ombro. – Mas senti muito forte. Tudo na Nyra está intenso. Eu fico feliz, pois gosto de senti-la bem. Ela está nas nuvens… – Ele disse com carinho na voz, mas tão logo voltou a murchar. – Audrey ainda está dormindo… Ela sempre dorme demais quando está muito triste. Costuma ter um sono leve e assustado. Estou com uma impressão ruim, gatinha. Eu estou achando estranho também que o Rei do Reino da Pérola ainda não tenha feito contato. Esse casamento…

Ártemis deitou a cabeça no ombro dele e pensou por um minuto. Sorriu quando o escutou falar de Nyra, e franziu a testa quando o assunto parou em Audrey. – Ela está esquisita. – Disse – E se algo aconteceu com ela? E se ela está doente ou… Ainda tem alguma coisa que não nos contou? Foi tudo meio esquisito por lá. Ninguém falava nada com nada pra mim, não sei você… Mas… Talvez seja bom esperar ela querer falar também. – Afastou os braços – Se ela sair… Eu a chamo para ver um filme. Eu acho.

– Ou podemos falarmos com o Adrian. Ele parece uma boa pessoa.  – Ladirus arriscou, pois apesar de confiar na intimidade que tinha com Audrey, temia que ela simplesmente houvesse se trancado dentro de si, sem desejar sair tão cedo… – Vamos para a sala, gatinha? Nyra está perto. Eu não ligo se você for assim e provavelmente, ela não ligaria, mas Rhistel está na sala. Eu acho que seria um pouco estranho.

Ártemis andou de joelhos para ficar em pé diante de Ladirus, descendo da cama. – Claro que eu não vou aparecer assim. Eu também não quero ver ninguém pelado ainda. Eu faço um escândalo se isso acontecer. Eu gosto de todo mundo, mas tem um limite. – Disse, embora nunca usasse um tom agressivo quando falava com o Dragão de Água, sempre com a voz suave e até manhosa, miada. Apoiou as mãos no joelho dele e o beijou no rosto, depois um selinho. – Vou tomar banho. – E andou até a suite para se aprontar.




Blair já estava acordada há um tempo, mas não se moveu. Os pensamentos passavam por diversas preocupações, mas pousavam em assuntos mais tranquilos como seus últimos dias de trabalho antes da pausa, e a turnê que o acompanharia. Também sobre seus futuros treinos com Henry e o caderno dedicado. Fitava Rhistel em seu sono tranquilo, agarrados no sofá. Os braços dela o agarravam em sua cintura e ela tinha sua coxa sobre a perna dele, com ele a envolvendo com seu braço. Não era uma posição comportada, mas sabia exatamente onde todos os moradores estavam para se preocupar.

Depois de tanto olhar o rosto tranquilo diante de si, calmo e profundo, Blair sorriu para si ao perceber que ele entreabria levemente os lábios e respirava mais forte quando voltava para as camadas de sonos mais iniciais… Talvez levasse uma hora ou menos para que despertasse. Ele havia mudado um pouco seu corpo também com os exercícios, os braços estavam mais definidos, o peito mais largo e as coxas mais fortes. Lembrou-se que ele havia dito que iria usar a tinta em suas mãos e braços nos shows, então talvez fosse exibi-los mais. Ela mordeu o próprio lábio, mas não se conteve e beijou o lábio do Dragão de Gelo demoradamente. Abaixou o rosto em seguida como uma criança que não havia feito nada para tentar acordá-lo.

Ele nunca deixava de sonhar.

Havia dias em que os sonhos revisitavam os ambientes, utilizando dos mesmos cenários oníricos para formar uma história. Ele também revisava memórias e algumas das quais ainda não estava familiarizado. Dormir era um processo que sempre o levava para um lugar onde precisava ir.

Os seus pés relaxavam na terra que adentrava entre os seus dedos, tão macia quanto a massa de um bolo molhado. Rhistel estendia os braços, abrindo-os para a troca de energia com a terra. Uma chuva fina refrescava o seu corpo, mas o Dragão sabia que esta água provinha de fora do reino dos sonhos. Apenas um efeito consequente do som calmante que ouvia. Ele sentia o Sol em seu rosto, mas eram raios que não aqueciam. De repente, observava ao seu redor. Uma extensão de terra e somente terra por quilômetros entre a exceção de uma única árvore enorme. Escutou dela o piu distante de uma coruja. Ao estreitar o olhar, forçando-o, enxergou perfeitamente Floco-de-Neve, o sábio Espírito Coruja que acompanhava Jullian. Num piscar de olhos, estava deitado no chão de uma sala sobre um carpete tão macio quanto um colchonete. Rhistel deitou o rosto de lado e Henry sorriu para si. A sua atenção fora direta em sua tatuagem de coruja branca.

Então, o beijo.

O sorriso selado se abriu aos poucos com o cenho que se franzia até formar dobrinhas em sua testa. O seu corpo gelado se contrastava com a pele aquecida. Rhistel abriu os olhos de chumbo, mas não o suficiente para anunciar o seu despertar. Observou Blair riscada os seus cílios escuros. Os olhos verdes dela eram tão claros e grandes que conseguiam transportá-lo na distração para uma reserva natural onde a água era intocada pelo homem. Uma exaltação de beleza num rosto pálido e corado, com lábios rosados em formato de coração, perfeitamente simétricos.

– Oi… – Ele murmurou, aconchegando-se ao lado do rosto dela, escondendo-se da luz e mergulhando entre os cabelos claros e perfumados. – Bom dia, Bee… Ainda está tudo inteiro? Ainda… – Ele bocejou com demora, esticando-se levemente. – Eu tive um sonho…

Roçou seu rosto ao dele levemente quando ele se escondeu entre seus cabelos. A mão delicada da maga subiu até os cabelos negros e o acariciou na nuca. Seu sorriso cresceu quando ele disse que teve um sonho. Amava quando ele queria falar sobre eles.

– Eu quero ouvir sobre ele. – Beijou-o no lado de seu rosto e disse risonha, embora sussurrasse quase: – Enquanto ainda está tudo inteiro.

Ele deixou escapar um riso maldoso com um humor tão negro quando os seus olhos ao focar os dela. Rhistel moveu o pescoço para trás e encostou o seu nariz ao arrebitado de Blair. Ele tentou abrir mais os olhos, mas o sono impediu a totalidade. – Ahm… – Murmurou e beijou-a num selinho demorado. – Eu acho que eu me encontrei com o Espírito da Árvore de Dagda… – Ele mordeu o lábio inferior brevemente. – Eu vi a coruja do Jullian nela… E, ahm… Henry tem uma tatuagem iguaizinha ao Floco.

Ela retribuiu o selinho e o olhou com atenção, aos poucos com mais interesse e curiosidade. Blair desceu a mão dos cabelos dele, contornando o perfil do rosto com seu dedo indicador.

– Isso é bem curioso…  Bastante, na verdade.  – Pensou brevemente  –  Eu me pergunto às vezes qual ligação na história o Jullian, Nathan… Judith… Poderiam ter para serem ligados a vocês… Já que eles não tem contato nenhum com ancestrais, não parecem sequer que já tiveram contato com essa história no passado. Parece que há alguma resposta aí.  Não é? O que você sentiu…?

Ele fechou os olhos enquanto o carinho o contornava. – Ahm… Não. – Murmurou, manhoso. – Eu não senti nada. Só senti para ter atenção aos detalhes e nada mais… – Rhistel encostou os lábios no queixo de Blair, deslizando por eles enquanto pensava. – Sei que Jullian é uma ponta. É a única certeza que eu tenho… – Comentava, com a voz levemente abafada. – Ahm… Ultimamente, eu estou cheio de perguntas, Bee.

Sentiu prazer da respiração gelada tocando seu pescoço, Blair sorriu com a sensação, mas a mente continuava nos assuntos sérios.

– Isso é um começo. – Piscou os olhos devagar – Eu estava pensando… Existe um Oráculo que eu visitava em momentos muito específicos… Ele tem um reino e uma imensa biblioteca com histórias sobre o mundo. Eu conseguia algumas respostas de lá… Sobre qualquer coisa. Eu vou tentar contato. Eu só tenho pensado em que perguntas eu faria. Pode ser sobre isso… Pode ser sobre a Décima Esfera. Eu também estou cheia delas… – Os dedos desciam para o pescoço dele e o ombro, o trajeto seguia muito devagar, sentindo-o. – Por onde andam as suas perguntas?

Rhistel agitou levemente os ombros quando um arrepio lhe correu pelo corpo. O Dragão abriu um sorriso largo e risonho, mas se desfez dele quando começou a respondê-la. – Na minha criação. – Ele a mirou, piscando os olhos vagarosamente. – Na nossa aula, eu fiquei pensando se… Ahm, eu soubesse o início de tudo e o processo, seria parte do caminho que preciso trilhar para obter controle. Os sonhos ficaram mais nítidos desde que fizemos a aula. Eu até cheguei a me perguntar se adiantaria de algo aqueles exercícios, mas sim. Eles tocaram alguma coisa.

Blair descia o toque pelo braço dele e o olhar acompanhava, mas retornava aos olhos escuros o tempo todo. – Eu fico muito feliz em escutar isso… – Sorriu sincera – Você vai sentir mais controle e calma. Vai te ajudar muito e você não fica tão vulnerável em momentos emocionais. Eu sabia que ele poderia ajudar. Henry sabe muita coisa. Ele estava lá… E mais do que sabe de muita coisa, ele está disposto a falar e ensinar. É o mais importante. – Beijou-o em selinho e sorriu – É muito bom saber que sente que está desenvolvendo… Veio em uma boa época esse treino. Aliás… ! – O sorriso cresceu mais ainda e se tornou um riso – Minhas últimas filmagens são essas semanas… Eu estou ansiosa para ser dona de casa e acompanhar você em tudo, Rhis.

Empolgação e esperança contagiosas. Blair tinha o poder de inflamar até um coração indiferente. Rhistel sorriu por reflexo ao gesto doce dela. Gaia, como é linda! Ele a admirou, precisando se encontrar no assunto enquanto apenas se detinha na beleza feérica que ela possuía. – Ahm… Eu não acho que teremos tantos dias de calma, Bee, mas com certeza vamos nos divertir… – Ele acabou rindo. – Eu suspeito que teremos que arregaçar as mangas. Você reparou que essa semana não ouvimos falar de rituais? Nenhum? E toda essa história da Rússia, argh! Chega. Não quero falar disso agora. – Negou, agarrando-a com os braços e apertando-a. Os beijos que pousou na bochecha rosada da Maga foram infantis e barulhentos propositalmente. – Quero ir com você. – Declarou. – Falta pouco para fechar o álbum. Eu consigo ir.

Ela riu e se encolheu inteira com o beijo estalado, cheia de risos fáceis. – Nah, eu sei que o tempo está fechado. Mas ainda estou animada com as coisas que estão por vir. Não com medo. – Olhava-o com o mesmo carinho – Uma coisa que eu percebi, com as minhas experiências de vida, e com o que vi na Rússia, é que temos uma vantagem crucial que é os interesses unificados. Todo mundo aqui deseja o bem um do outro. Já parou para pensar nisso? Saber que o dia que eu estiver cansada, eu vou ter pessoas me vigiando enquanto eu me recupero… Isso é precioso demais, Rhis. É um pedacinho de paz que eu sei que vou encontrar aqui independente do que ocorra… Eles não tem isso… É uma coisa só nossa… E eu tenho certeza que de alguma forma a Audrey percebeu isso enquanto cuidávamos dela.

Sim. Ele sentiu a confirmação dentro do peito, aquecendo com uma fogueira emotiva. Ele deslizou as mãos das costas dela e levou-as até o rosto de Blair. Viver da escuridão por tantos anos parecia tê-la ensinado a fixar os seus olhos na luz. – Entre confusões e arranca rabos, sim, eu concordo, Bee… – Ele riu, acariciando-a com os seus dedos gelados. – Ahm… É, eu acho que é a nossa maior força. – E, provavelmente, o foco dos ataques. – Você tem algo hoje? Qual cena que está faltando gravar? Eu acho que consigo terminar as minhas amanhã. Preciso arrastar Acksul e Nina comigo para o estúdio… E a Nina, Gaia… – Ele passou a sussurrar. – Ela anda esquisita, minha irmã. Preciso falar com ela.

Fechou os olhos enquanto o escutava. As mãos em seu rosto a traziam uma sensação quente, embora fossem frias. Rhistel era o seu pilar mais forte, e ela se referia justamente a ele quando dizia que sabia que poderia fechar seus olhos e se deixar cair.

– Nina é calada. – Comentou o que já havia analisado – Ela é falante, mas dá para sentir a distância que ela preserva… Até sobre a própria natureza. Você pode convidá-la mais vezes para tomar café conosco… Ou até morar por aqui. – Disse, mas franziu o cenho, teve certeza que já havia falado sobre isso e ela recusado. – Bem… Eu vou terminar a cena da festa punk. Eu estou me divertindo um tanto de princesa alien punker. Adorei as aulas de canto que fiz mês passado, estou colocando em prática agora… Você vai?

Apesar de concordar com ela, não quis se delongar no assunto de Nina. Os demônios internos que ela alimentava, por todos esses anos, tinham modelado uma saudosa vontade de retornar para os céus. Um desejo impossível. Delicadamente, Rhistel se sentou no sofá. Andava tentando manter os seus pensamentos distantes das novidades, como a aproximação da turnê. Ele também possuía os seus demônios. – Claro. Ahm… – Ele passou a mão pelos cabelos. – Será até bom para mim. Eu ando sentindo o meu coração acelerando por qualquer coisa ultimamente. – Ele franziu o cenho. – Cheiro de Nyra.

– Nyra por aqui?

Blair confirmou a notícia e também se sentou. Ainda estavam com a roupa da noite anterior e amassadas. A Theurge entrou sem bater e quando surgiu, Blair se surpreendeu mais ainda. A Garou usava roupas propriamente masculinas, de quem havia dormido fora e pego o que servia. Sem muita maquiagem e os cabelos sem seus penteados clássicos, apenas soltos.

– Bom dia. – Nyra se aproximou deles ao fitar ao redor.

– Bom dia, Nay. – Blair sorriu de volta. A Theurge estava com um sorriso tão radiante que parecia perceber poucas coisas. A ruiva se aproximou e beijou Rhistel no rosto e depois Blair. – Aceita café da manhã?

– Se tiverem algum suco… Ou chocolate, acho que aceito… Mas se não tiver nada tudo bem… Jullian deve estar preparando algo. Eu estou atrás de Ladi.

Rhistel não a deixou ir. Agarrou-a pela cintura e fechou os olhos quando a abraçou fortemente.

– Ahm… Jullian não está em casa, Nay. Está indo para a casa da família de Annie. Mia nos chamou também, Bee… Se quiser ir. – Ele abriu os olhos. – Soltando a Theurge devagar. – Ladi está no quarto. Recomendo bater antes… – Rhistel abriu um sorriso. – Você está tão linda…

– Não…? – Nyra se surpreendeu, mas não perdia o ar leve que a cercava. – Ah…! Ok. Eu acho que vou ficar por aqui então. – Entregou-se ao abraço do Dragão retribuindo-o forte e os olhou – Eu? – Fitou-se e corou tímida – Bem… Não estou não. Acho que nunca sai assim de casa aliás…

– Cabeça nas nuvens. – Blair comentou com um riso breve.

– É… Por aí. Bem. Na verdade, antes de ir até ele. Eu quero saber muito da Audrey.

– Ela… – Blair fitou o corredor – Está… Dormindo. Ou acordando.

– Vocês já conseguiram falar com ela?

– Não. – Blair negou movendo a cabeça junto. – Ela tomou um calmante forte, estava muito nervosa. Dormiu o tempo todo. Ela não tem dito nada…

Nyra apertou os lábios:

– Eu não queria pedir nada a vocês… Mas estamos com dois Dragões na Rússia. Acksul está indo se resolver com Aisha e ainda temos essa história mal contada da Audrey… Vocês podem ficar pela Ilha hoje? Se puderem apenas… Estou ansiosa sobre esses assuntos…

Blair assentiu devagar e se entreolhou com Rhistel antes de responder:

– Só amanhã eu tenho algo inadiável, a gravação. Acksul e Aisha, então…? Mesmo? – Blair estranhou.

– Bem… Ele vai vir para cá e vocês saberão de todos os detalhes. A noite dele foi bem curiosa. Não vou adiantar.
Blair concordou.

– Vocês não estão com a sensação que algo muito ruim aconteceu com a Audrey, além do sequestro? Acho que estou me sentindo assim porque eu sinto a tensão do meu Ladi… – Fez um beicinho. – Estou preocupada.

Olhando de uma para a outra, Rhistel pensava consigo. Apesar de serem situações até amenas para o tipo de coisa que ele estava acostumado a lidar, sabia que relações sociais tinham um impacto muito maior do que uma missão sangrenta. Ele imaginou que Aisha passaria por um momento complicado… E Acksul, Rhistel não conseguia entender o que o irmão estava decidindo. Enquanto assistia Nyra transbordando todo o tipo de felicidade, pensava em Drawn. Ele também sentia Jullian estressado, mas quando se perguntou se era por Henry, sentiu uma resposta negativa.

– Ele está tentando não parecer tão agoniado quando está… – Rhistel disse a Nyra, franzindo o cenho como se sentisse um Sol invisível. – Sobre a Rey, não sei dizer. O impacto emocional do abandono é horrível… E ela foi traída pela família. Eu não sei o quanto eram próximos, mas acho que para ela isso nunca importa. Ela coloca uma placa na pessoa de “preciosidade”… E é isso, mas como estamos falando da mãe… Bem. Quem poderia dizer algo… É o Keith também, né. Ele não nos visitará em poucos dias ou isso não foi acordado…? Afinal… – “O casamento…”, ele completou em pensamento.

– Keith virá… Mas acho que ele sabe menos que qualquer um, sabe? Ele estava quase implorando perdão por algo que ele foi metido por acaso… – Nyra explicou. – Mas vai ser bom vê-lo e confirmar.

Blair se ergueu do sofá e cruzou o braço na altura da cintura.

– Eu acho que sim… Bem… Audrey era muito diferente antes de… “Morrer”. – Abaixou o tom de voz – Era completamente apegada à mãe. O que me preocupa mesmo é Auric… Mas acho que ela nunca falaria se ele.. Enfim.

Nyra fez uma cara de desagrado. Nunca teve irmãos próximos, nem os de sangue eram, mas deveria ser dolorido e inaceitável.

– Bem… Ladi não saberia lidar com nada disso… – Negava – Por isso eu queria que ficassem de olho nele. Eu nunca sei dela… Quando ela vai contar. Se vai. A gravidade dos fatos. – Sussurrou preocupada: – Ladi pode querer matar um príncipe do nada.

– Esperem… – Rhistel ergueu os braços, olhando-as alternadamente. – O que tem o príncipe, além de nos odiar e nos desprezar de todo o coração? Eles só parece um cada idiota, mas ainda é irmão dela, né…? – Ele se levantou, mas voltou a se sentar ao lado de Blair. – Ahm… Ou você viu alguma coisa?

Blair mordeu o canto do lábio e achou melhor proteger a conversa com Mágika discreta para contar por cima o que sabia. Nyra já havia escutado alguns comentários estranhos sobre a relação familiar abusiva de Audrey, Blair havia confirmado uma história há meses atrás.
– Ele é agressivo com a Audrey. Sempre foi… Com o Adrian também. – Disse, fitando de Nyra a Rhistel – Eu descobri que ele a feriu de verdade quando ela o atacou no Palácio, tentando não ser arrastada para o quarto, eu vi que ela estava com uma marca nas costas quando fui a ajudar tomar banho… Eu perguntei… Ela não quis responder… Então eu tenho certeza… – Blair falava séria – Ninguém no Palácio faria isso com ela… A única coisa estranha é que ela chorou muito depois que ficou quieta e toquei nesse assunto… Muito mesmo. Audrey não é muito de ligar para o que os outros dizem dela… Mas Auric pode ter dito algo… Que a deixou assim, sabe? Paralisada. Ela ainda está congelada…

Nyra sentiu-se mais desconfortável, abraçou-se e prendeu a respiração um segundo:

– Como é o Adrian?

– A parte boa da família. – Blair falou sem hesitar – Ele não tem nada a ver com Alana e Audric… Ele é uma boa pessoa para ela.

– Me assusta pensar que eles tratam seus Aparentados assim. – Nyra murmurou. – Mas parece que ele deve ter dito ou feito algo a mais… Se Audrey estava acostumada com esse tratamento…

A mente de Rhistel era ótima para criar desastres, mas ele queria acreditar que não se tratava de nada tão desastroso entre os dois irmãos que pudesse causar um tormento maior do que ela estava passando… – Ahm… Ser raptada pela própria família, casada à força e trancada num quarto já é um trauma terrível, não? Ainda queriam que ela participasse de uma festa… Tudo isso é grotesco. Aparentados tratados como bichos de estimação valiosos. Desumano. Se isso não foi agressão o bastante… – O Dragão de Gelo fez um breve beicinho. – Ficarei de olho nele. Na verdade, já estou… Ele não fica legal quando uma delas não está e o silêncio da Audrey está o torturando.

Nyra concordou com as palavras de Rhistel.

– E eu vou ficar de olho nela… – Blair finalizou e ergueu a mão para tocar a de Rhistel, segurando-a. – Quando ela quiser desabafar, e seja com quem… A gente vai ouvir e ela vai se sentir melhor. Eu acho que o Ladi pode ser racional também sobre a situação…

– Gaia te escute, Blair. – Nyra terminou com um sorriso ao fitar com mais atenção o casal. – Vocês dois estão lindos também. Nem sei como cheguei a achar um dia que vocês não são boa coisa juntinhos. E depois… Quando tivermos um tempinho… Preciso que venha no estúdio escutar as novas músicas, Rhistel. Eu acho que me superei dessa vez…
Blair riu, achando fofa a animação doce de Nyra.

– Já terminou seu novo?

– Já… Faz umas semanas. – Nyra começou a andar na direção dos corredores – São novas essas.

– Ah…!

Nyra enviou um beijo aos dois e andou até o quarto de Ladirus. Como Rhistel sugeriu, bateu na porta antes.

– Que rápida. – Rhistel disse, mas sem surpresas. A forma como a mente de Nyra trabalhava era num nível de agilidade e criatividade sobrenaturais. Sorriu para Blair e se curvou para beijar-lhe e rosto.

O Dragão acompanhou Nyra com o olhar. A camiseta folgada e branca que ela usava parecia exatamente como veste da garota que dormiu na casa do namorado. Parecia um vestido curto.

Subitamente, ele virou a cabeça, olhando por cima dos ombros. Nathan estava ao pé da escada com os seus grandes olhos escuros arregalados. O Galliard estava vestido com uma regata fresca do Chigado Bulls, short preto também esportivo e um tênis de corrida. Os seus cabelos estavam jogados para trás ao natural. Rhistel estranhou muito não percebê-lo chegando, mas investigou que nada parecia percebê-lo. A Esfera da Força que ele alimentava como a sua principal estava, deveras, mais elevada que o Dragão havia percebido. O calor do seu olhar chegou a Nathan como o bafo de um forno aberto.

– Oi… – Ele se aproximou do sofá.

Com pressa, abraçou Rhistel e se demorou um pouco mais em Blair.

– Oi, Nate. – Rhistel sorriu. – Procurando a Nyra?

– É. – O lobo respondeu, fitando o Dragão.

Novamente, a sensação de calor. Rhistel franziu o cenho.

– Ela foi ali falar com o Ladi. Senta aí.

Visivelmente transtornado, o Garou se sentiu e cruzou os braços.

No quarto, sem esperar que ela completasse o segundo toque, Ladirus abriu a porta e agarrou Nyra num abraço tão apertado que estalou a coluna da Theurge. O alívio confortável de ter a alma ligada à si próxima era justamente o aconchego que estava necessitando naquele momento…

– Nay. – Ele segurou docemente o rosto dela com as mãos. – Que roupas são essas?

Seus pés deixaram o chão por alguns segundos, agarrada a ele mas sem a mesma força.

– Ai! – Ela riu com o abraço forte, soltando devagar os braços agarrados fortemente dele quando pisou de novo no chão. Nyra fechou os olhos brevemente para o carinho do rosto segurado, apreciando todo o cuidado que ele tinha com ela. Também ficava mais tranquila com a presença dele… E mais propensa a falar mesmo que não houvesse pensado sobre tudo.Acabou rindo de novo com a pergunta e corando. – São do Henry. – Falou baixinho. – Sai do show e ele foi atrás de mim. Eu dormi na casa dele depois de um passeio na chuva. Mas não fomos muito além disso. – Disse, mesmo que não estivesse nada preocupada com repercussões ou que pensasse. Também sabia que seus Dragões não a julgavam sobre nada. O sorriso aumentou: – Foi bom… Nós conversamos e nos beijamos. Estamos no meio do tornado e estou feliz. – Murmurou mais baixo ainda: – Pareço muito apaixonada?

– Parece tonta. – Ladirus respondeu.

– Eu devo estar parecendo tonta mesmo. – Segurou o riso e deu atenção ao Dragão, segurou sua mão brevemente e a beijou, para então a soltar.

Ela desviou o olhar brevemente para a porta da suíte fechada. Ártemis cantarolava ‘West Coast’ no chuveiro. Gentilmente, Ladirus tocou o queixo dela e retornou-o para si, pedindo pelos seus olhos de tempestades nos seus.

– Você está com um cheiro bom de chuva mesmo. – Ele se aproximou, cheirando-a próxima ao nariz e esboçando um fácil sorriso largo. – Eu não sei o porquê, mas eu tinha certeza que você ficaria com ele. – O Dragão de Água apertou os lábios brevemente. – Eu encontrei com ele na cozinha no castelo um dia desses e tive essa certeza. Até não entendi, mas hoje eu compreendo melhor. – Ele a alisou nos braços, descendo por seus ombros. – Você parece que está mais nova. Deve ser coisa que o amor faz. Queria essa sua leveza para mim.

Nyra voltou sua atenção a ele e se focou com um pouco de demora.

– Sério? Você devia ter me avisado, porque foi um relâmpago como tudo aconteceu para mim. – Nyra o beijou no rosto e o abraçou de novo, com carinho. – Eu sei que você não se sente bem. – Olhou para o corredor e o puxou para se sentarem em duas poltronas decorando o final do corredor, perto de uma imensa janela para o mar. Nyra se sentou em uma delas e o esperou se acomodar na outra. – Você está tentando ficar bem pela Arty, né?

Quando se sentou, desabou na poltrona. Ladirus se largou com as costas no encosto e a fitou com seriedade. – Sim. – Ele concordou vagarosamente. – Ela anda tendo crises de ansiedade. Um videoclipe das Shaped Diamonds será lançado num futuro próximo e ela está agoniada com o resultado. Ela ficou bem ansiosa durante as aulas do Henry também. Arty está vivendo num tornado e eu estou procurando ficar perto. – Suspirou. – Também quero ficar perto da Audrey, mas ela está distante…

Nyra o fitou com muita preocupação e nem conseguiu ficar longe. Ergueu-se da sua poltrona e se sentou sobre uma das pernas dele, repousando seu corpo sobre o do Dragão quase deitado ao se largar na poltrona confortável. Nyra o abraçou pela cintura, carinhosa.
– Você se apaixonou por duas meninas muito intensas. E que vivem coisas muito diferentes. Eu entendo que é muito difícil… – Ergueu o rosto a ele – Audrey precisa de um tempo. Não tem muito como ajudar quando se trata de família. Eu entendo. Vou tentar conversar com ela, tudo bem?

– Eu não sei se você deveria. Eu não sei o que é melhor. – Ele a envolveu com os braços. Os seus olhos estavam no teto, perdidos. – Até o inútil do Pingo está falando que é melhor esperar a chuva passar. Eu não sei se é uma metáfora ou ele está falando da chuva mesmo. – Fez um muxoxo. – Elas são muito especiais para mim. Atinge-me diretamente quando as vejo passando por alguma coisa que eu não possa interferir e ajudar como realmente gostaria. – Ele umedeceu os lábios. – Ladirus a acariciou nas costas. – Sinto-me não podendo nem piscar ultimamente. Para as duas. Imagino como vai ser quando esse videoclipe sair. Espero que, ao menos, Audrey esteja melhor. Agora, ela está preocupada com a Leah.

Nyra o bateu no peito quando ele mencionou Pingo como inútil.  – La-di-rus! Você tem que perder essa mania de chamá-lo assim! Ele é muito competente. – Reclamou baixinho.  – Só não é muito bom com expressões. Provavelmente está falando da chuva…
Nyra o escutou terminar de falar e assentia devagar.

– Você não acha que pode estar se preocupando demais com a carreira da Arty, ou ela está tão ansiosa assim por causa de um clipe? Olha, ela pega muito no pé da Leah à toa, isso dá para ver. Aliás, ela pega no pé de todo mundo… E também… Ninguém vai descobrir sobre o Acksul e Leah. Os dois são adultos e vão manter isso discreto por um tempo também, tenho certeza. Diz isso para a Arty. –Nyra disse com convicção, não o quis lembrar do detalhe da Aisha e que provavelmente isso ia atingir a carreira das Diamonds  – Ainda… Ártemis sabe se virar melhor sozinha do que a Audrey, eu tenho essa impressão e é quase certeza… Arty viajou todos esses meses por aí sem problemas. Sem ninguém supervisionando de perto. –  Franziu o cenho e acariciou o peito dele no local que havia batido minutos atrás. – A Audrey sim… Parece que você desvia o olhar e ela está em algum problema, e problema sério.

– Preocupado com a carreira? – Ladirus franziu o cenho, questionando. – Eu não estou preocupado com a carreira, mas o que isso vai causar nela. Eu não estou preocupado nem com a minha carreira. – Ele negou com a cabeça. – E com certeza não estamos falando do mesmo Acksul. Você deve ter conhecido outro em vez do meu irmão que estava se agarrando loucamente com Leah na frente de quem quisesse ver. – Ele se ajeitou na poltrona. – Você está ouvindo algo do que eu disse ou ainda está viajando? – Cutucou-a no nariz. – Não me culpe por me preocupar. Eu me preocupo com elas igualmente. Não tem diferença para mim.

Nyra franziu o cenho quando foi cutucada e cobriu o nariz com as mãos. Então se irritou junto com ele:

– Esquece o Acksul. O que eu estou dizendo é que Ártemis sabe se virar e isso é um problema futuro. Audrey não. – O olhou entediada e se ergueu – Aliás, ainda está se preocupando com coisa errada… Audrey está sozinha agora e você vai continuar agindo como se ela fosse a amante… Isso não vai funcionar por muito tempo, sabe? Você conhece suas garotas. – Cruzou os braços – Isso pode estar a ferindo também. Ela ficou sozinha lá no canto do Camarim, parecendo que ia morrer de depressão, e você com a Arty no colo tentando não olhar muito. Isso não foi nada legal. Eu estou ouvindo e vendo muito bem.

– Ah, eu também tenho olhos, mas não posso fundar um segundo “Versos da Magia”. Na frente dos outros, eu preciso manter as aparências. Eu não tenho as suas regalias. Eu tenho irmãos que odiariam saber disso. – Ladirus respondeu, ríspido. – Ela não está falando comigo direito.

“Blair! Por favor, vem aqui.” A voz de Audrey soou pelo corredor sem que ela abrisse muito a porta do quarto vermelho. Nyra desviou o rosto, mas não dava para enxergar a maga atrás da porta. Blair surgiu andando e seguiu até o quarto da amiga. A porta fechou assim que a loira entrou.

Ladirus lançou um frio olhar para de “Viu?”

Nyra o fitou entediada e respirou impaciente:

– Eu não tenho regalias. Você não estava lá no começo de tudo, aliás, estava sim e deveria saber tudo o que passei. Inclusive, com a minha mãe, meu avô. Até sobre meus amores. – Enumerou – Ficar sentado e esperando as coisas acontecerem é que nunca funcionou. E … meu namoro não é nenhuma fundação. – Ela saiu andando irritada, de volta para a sala. – Quando você quiser falar, a gente conversa. – Voltou para a sala.

– Nem a sua mãe e nem o seu avô tem o tamanho de prédios! – Ladirus disse, sem sair do quarto.

Nathan e Rhistel olhando na direção da voz do Dragão de Água e retornaram à Nyra, ambos com expressões surpresas. Nathan se levantou do sofá, observando a Theurge com o cenho franzido de dúvida.

– Ah e você está com medo de apanhar, é?  – Nyra respondeu de volta.  – Antes eu tivesse apanhado a ter que ouvir o que ouvi…  – Murmurou nervosa para si. Quando viu Nathan na sala, surpreendeu-se e andou até ele devagar.

– Aconteceu alguma coisa? Gaia. Minha cabeça está até girando.  – Tocou a testa tentando reunir todos os problemas.

O Garou as mãos na cintura. Nervosa, discutindo, Ladirus irritado. Era um pacote completo para a sua cabeça. – Aconteceu alguma coisa? – Ele repetiu a pergunta dela e desenhou um sorriso provocativo ao canto dos seus lábios maliciosos.

Piscando os olhos devagar, Rhistel olhou da porta aberta do quarto de Ladirus para os dois diante de si.

– Não! – Nyra murmurou nervosa, não gostava nada de brigar com seu Dragão, ainda mais sabendo que ele estava mal. – Espera.

Nyra voltou caminhando devagar, respirando fundo e retornando até onde ele estava. A Theurge o abraçou de novo, recomeçando e disse:

– Eu não quero que você tome nenhuma medida sobre isso. Não foi o que quis dizer… Eu sei que essa posição é difícil. Foi para mim também…

Nathan a seguiu com o olhar até sumir de sua vida no quarto e desviou para Rhistel. O Dragão de Gelo retribuiu o olhar dele, calado e tão confuso quanto.

Ladirus estava de pé e agarrou-a com força, apertando-a carinhosamente. Ele a cheirou, ouvindo as suas palavras com os olhos fechados. Ele assentiu vagarosamente e deixou-a, saindo do quarto.

Nathan e Rhistel acompanharam o Dragão de Água abrindo a porta e adentrando quarto de Audrey.

– Caralho. – Nathan disse ao Dragão.

– Ahm… É… – Rhistel coçou o rosto.

A situação era uma bagunça, problemas não convidados para uma situação já crítica. Audrey havia sussurrado algo em seu ouvido e Blair não sabia como levar aquela informação adiante. Seus olhos ficaram na amiga e conseguiu apenas abraçá-la. Queria dizer mil coisas, mas era difícil pensar no que era viável… “Por que você não me disse?” Os olhos dela respondiam: medo. Não havia caído a ficha. Não queria ser a mensagem ruim.

– O que eu tenho é tão perfeito. Eu não queria estragar a vida dele, os planos que tínhamos… Ártemis… – Audrey chorava em seu ombro.

– Você ainda não se cuidou disso? – Blair perguntou agoniada.

– Não. Minha mãe falou que ia chamar o médico, mas tudo aconteceu. – A voz da princesa falava rapidamente, baixa, dolorida porque arranhava as cordas vocais do esforço do corpo.
– Ela sabia?

– Sabia. Eu disse a ela uns dias antes de ir à Rússia. – Agarrou Blair mais forte – Ela queria que eu fingisse que era do Keith. Mas eu não ia conseguir. Mas eu estava com muito medo.
“Monstro”. Blair apertou os olhos e a soltou devagar.

– Auric não sabia de nada. Ele sempre foi bruto. Ele me empurrou, eu usei Mágika nele. Minha mãe tentou impedir a briga, mas eu estava nervosa, ele me jogou contra… A parede… – As lágrimas voltavam de novo, Audrey ofegava. – Eu não quero que o Ladi saiba. Ele pode me odiar…

– Mas… – Blair viu a expressão de dor no rosto de Audrey. Havia discreto sangue pelo colchão. – A gente precisa ir ao médico.

O rosto da maga empalideceu apagando todas as cores possíveis. Sentiu Ladirus se aproximando, e as consequências passaram muito rápido na sua mente para ter uma atitude. Blair pediu ajuda a Rhistel, “É melhor não deixá-lo entrar, Rhis. E-eu não sei!” Pediu nervosa na mente dele, antes de conseguir explicar “Audrey perdeu… um bebê, e eu vou levá-la para o hospital.”

– Eu não quero contar. Eu não tive coragem. Eu… Não quero que ele sofra… Tem a Ártemis… E… – Perdia o ar.

– Audrey. Guarda para depois. – Blair a tocou no rosto, chamando sua atenção e teleportou do cômodo.

Ele gostaria de ter três cabeças para pensar como Acksul possuía. Foi o seu primeiro pensamento quando visualizou o Dragão da Matéria caminhando despreocupado pelo corredor do quarto de Aisha. Tão despreocupado que nem parecia estar prestes a terminar um namoro que, com certeza, não teria a melhor resposta. Terminar relacionamentos era sempre uma experiência horrível. Terminar com Aisha Arnezeder deveria ser o inferno.

Pela velocidade que as suas emoções afloraram, ele até teve a percepção que o seu corpo esquentava. Por um segundo, achou que poderia se controlar perfeitamente, mesmo fervendo. Depois, duvidou. Rhistel tentou fazer a respiração que Henry havia ensinado, mas já estava tomando pela Fúria emotiva.

O que exatamente aconteceu com ela?, Rhistel perguntou na mente da Maga, Leve-a para Jullian”.

– Ladi, Audrey não está bem. – Rhistel disse, rosnando. – Passou mal. Blair vai ajudá-la.

Rhistel ergueu a mão e moveu os dedos. A porta do quarto se trancou. O Dragão de Água mirou a porta com confusão e virou-se para o irmão com um princípio de Fúria, principalmente ao senti-lo tão nervoso.

– O que aconteceu com ela?! – Ladirus se aproximou do sofá.

Não entendendo absolutamente nada, Nathan apenas olhava de um para o outro, mas parou de desviar de Rhistel ao notar os seus olhos rubros.

– Ela não está bem. – Rhistel respondeu sem paciência.

– Rhistel… O que houve? – Nyra perguntou, também se aproximando. A sensação de algo ruim retornava ao seu peito, e teve a impressão que Audrey havia tentado se ferir, mas não parecia certo ainda. Não insistiu na pergunta, pois os olhos do Dragão de Gelo estavam na cor de sangue.

Blair não conseguiu responder Rhistel, começando a perceber se era uma boa ideia ter dito a ele primeiro. Não havia se lembrado de que se Audrey estava esperando uma criança, além de ter sido de Ladirus, era um dos primeiros dos irmãos Dragões. O primeiro.

Pousou Audrey chorando de dor na cama de um dos quartos do Castelo.

– Está doendo. Eu acho que eu preciso tirar de mim. – A princesa disse. – Por favor… Não diga a ninguém…

– Audrey. Para. Ninguém vai te culpar. – Blair a tocou nos cabelos. –  Vou chamar Jullian primeiro. Não sabemos como lidar com um ser sobrenatural que … Olha… E vou buscá-lo, e se for o caso eu te levo para um hospital humano.

“Jullian… Eu vou te buscar, é urgente. É muito urgente”, Blair avisou enviando sua voz para perto do ouvido dele, “Audrey teve um aborto. Na Rússia. Eu acho que precisa tirar o que restou… Eu não sei… Ela está sentindo dor, e eu estou muito não-calma. Vou te abrir um portal para cá… “ Blair dizia em um nervosismo que sentia poucas vezes. Aquilo estava implicando tantas coisas em sua mente que qualquer outro problema pareceu ter desaparecido…

Lentamente, Jullian pousou os talheres sobre o prato. Os olhos azuis piscaram vagarosamente. “Passe e pegue Elizabeth no castelo igualmente”, ele respondeu. Péssimo momento para uma problemática como esta estourar no seu colo. Ainda nem havia tomado o seu café da manhã.

– Tudo bem, Jules? Annik pousou a mão sobre a dele. – A sua Fúria…

Desnorteado, ele se ergueu e fitou os demais à mesa. Nero se afastou com a filha em seus braços e as Natalie levou as mãos à boca.

– Não. Preciso resolver um assunto. Perdoem-me… – Jullian disse e transpassou a Película antes de ouvir respostas, aguardando Blair.

Aquela agitação fez os bebês chorarem à mesa do café. Julia não esperou ser convidada, era sempre parte da sua natureza perseguir problemas. Fitou Nero brevemente e traspassou a película. A Garou viu um portal se abrir diante do irmão,  e saltou sabendo que era de Blair, sem ao menos dizer, “eu vou com você”.

Blair também havia feito o mesmo para Elizabeth e a avisado. A maga estava ao lado da cama, observando Audrey que mantinha uma respiração continua e forte, estabilizando-se da dor. A loira estava com seus olhos aguados, ainda absorvendo a triste notícia.

– Eu acho que era melhor levar a um hospital para um obstetra terminar de cuidar do corpo dela… Mas eu não sei o que é o bebê… Rhistel me aconselhou a te chamar…

Julia estreitou os olhos e retornou ao irmão.

– A princesa russa estava grávida do…?

Blair moveu a cabeça assentindo apenas, brevemente não entendendo o que Julia fazia ali.
– Ela perdeu na Rússia. Eu não quis levar ao hospital do castelo para não virar notícia também. – Explicou, afastando-se, ainda confessou: – Eu apenas contei ao Rhistel porque não sei o que fazer… Eu não quis que Ladirus soubesse disso, assim… No susto. Droga. – Blair passou do susto para a irritação e ansiedade: – Quantos meses, Audrey?

– Eu não sei! Eu não tenho ideia! – Gritou, trêmula pela dor. – Que diferença faz agora!

– Vocês tem certeza que foi um aborto? Sangramento não significa que ele morreu. – Julia fitou o irmão.

– Não tem jeito de estar  vivo. – Audrey negou, voltando a derramar suas lágrimas. – Não tem.

– Não se preocupe, Blair. Sou perfeitamente capacitado para cuidar dela. – Jullian disse, ríspido.

Os olhos curiosos e inteligentes de Elizabeth seguiam a conversa das duas. A moça entreabrindo os lábios para falar, mas Jullian calou qualquer comentário que quisesse fazer:

– Caladas. – Ele disse, mas parecia que havia gritado perante a Fúria que acompanhou a sua voz. – Se estão aqui para deixar a minha paciente mais nervosa, eu as colocarei para fora. – Audrey, o que você está sentindo? O que exatamente aconteceu? – Ele dirigiu uma voz neutra e calma a ela, olhando-a em seus olhos.

As mãos de Rhistel surgiram nos ombros do Lendário antes do restante do seu corpo. O Dragão de Gelo mirava Blair com os seus olhos de sangue, visivelmente ansioso pela resposta.

O pedido de Jullian foi claramente uma ordem cumprida para as duas. Blair assustou-se ao ver Rhistel se aproximando, tinha medo das reações dele, mas não estava preocupada com o que aconteceria com os envolvidos, apenas com a repercussão e o estresse de Audrey crescer. Quando a Thorheim viu Rhistel, ela fechou os olhos e ficou alguns segundos em silêncio, relutando em falar do que aconteceu.

– Eu… Não sei… – Apertou mais os olhos, derramando suas lágrimas – Eu perdi muito sangue, eu achei que tinha acabado… Só está doendo muito agora… Aqui… – Ela apontou o ventre – É uma cólica forte… Eu levei… Um golpe forte e cai. Eu perdi um pouco a consciência. Eu lembro mais do sangue… Minha mãe disse que ia pedir um médico, para tentar salvar, mas era muito sangue… Meu irmão me curou, a dor parou… Eu achei que eu ficaria bem.  – Ofegou, sentindo dificuldade em falar e respirar ao mesmo tempo. – Eu senti algumas dores quando voltei, mas fiquei tomando remédios e passava… Ontem eu tomei o calmante e dormi… Eu acordei e tinha mais sangue, e a dor.

Jullian a ouvia enquanto Elizabeth o auxiliava na preparação, entregando-lhe as luvas de procedimento e preparando o carrinho com utensílios, caso fossem necessários. Rhistel o observava calado, seguindo-o com os olhos. Elizabeth agia perfeitamente de acordo com as necessidades. Rhistel sabia que não se tratava de sincronismo, mas ordem. Sentia os impulsos de Jullian chegando diretamente na mente da moça. Ela seguiu até Audrey e aplicou um analgésico diretamente em sua veia, rápida e delicada.

– Com licença… – Jullian pediu ao erguer a camiseta dela, expondo o abdome.

Delicado, ele posicionou uma mão ao frente da Maga e a roupa estendida em direção à genitália. Ele fechou os olhos com força e a sua Força Espiritual nublou o ambiente como a chegada de um nevoeiro arroxeado, trazendo o aroma agradável de damas-da-noite. As flores que sua mãe tanto apreciava.

“Blair”, Polaris enviou a mensagem mental à Maga. Sua presença surgiu do outro lado da porta, “Querida, você vai ter que falar”.

Blair fechou os olhos devagar, como se quase fosse pegar no sono, mas apenas tentava visualizar adiante para não focar na súbita raiva que sentiu de Alana. Ela saiu do cômodo quando escutou a mensagem de Polaris e tocou brevemente Rhistel no ombro, indicando que sairia e a seguisse. Julia se sentou à poltrona do quarto e observou atenta, disposta a auxiliar se necessário.

A loira saiu, esperou Rhistel e fechou a porta delicadamente.

– Desculpe. Eu quis ter certeza que ela ficaria bem antes. – Tocou a nuca e respirou, tentando se acalmar. Prendeu o cabelo em um coque e começou a falar depois de esfregar o pulso no olho. – Audrey não quis contar que estava grávida. Ficou com medo da reação do Ladirus, ele devia estar envolvido com o retorno da Ártemis. Eu não sei. Qualquer razão sem sentido que a mente dela inventou. Mas ela acabou contando para a mãe que achava que estava… Alana esperou duas semanas, provavelmente para agilizar o casamento… Droga… – Suspirou e negou desviando seu olhar brevemente – Audrey achou que seria uma visita, que a mãe dela a daria alguns conselhos, mas, Alana a chantageou emocionalmente. Queria que ela casasse com Keith para conseguir parte das Alcateias dele, e achou que seria vantajoso fazê-lo acreditar que o filho era dele… – Blair falava devagar, a todo instante avaliando palavras e a própria calma. Sua vontade era matá-la, mas não quis incitar aquilo nos dois naquele segundo. – Obviamente Audrey foi contra… Mas Alana tentou entrar na cabeça dela de todas as formas, isso eu imagino. Disse que morreria e a culpa seria da Audrey, ameaçou-a, disse várias coisas no mínimo… A Rey ficou desesperada, mas não cedeu…

Polaris e Ras Algethi se olharam o tempo todo que durou o relato de Blair. Entre poucas reações, respirações instáveis. Comunicavam-se e não escondiam da Maga que o faziam. Os orbes se liam de uma forma sobrenatural, processando informações. Connor surgiu às costas de Polaris e Torvoethardurg atrás de Blair. Polaris se afastou com um grito, negando com a cabeça.

– Foi Auric. – Rhistel disse, neutro.

– Tem certeza? – Connor perguntou, fitando o irmão de olhos vermelhos e pousando a mão em seu ombro.

– Sim. Eu senti. – Rhistel se voltou para Torvo. – Você pode fechar, mas eu sei o que senti.

– Confio em você, irmão. – Torvo respondeu, olhando-o com profundidade.

– Ladirus precisa fazer… – Rhistel disse, fitando Polaris.

– Não! – Acksul rosnou. – Ladirus saberá quando tiver feito. Hawky está perto de Auric.

– E a Rainha? – Torvo perguntou.

– Kraz, óbvio. – Acksul passou a mão pelos cabelos. – Já pedi.

– O que falaremos? – Rhistel perguntou.

– Nina ficará no lugar dela e encenará uma morte amanhã. – Connor respondeu, lendo a mente de Polaris.

Blair acompanhou-os com suas energias instáveis. Quando Rhistel reafirmou ser Auric, ela apenas assentiu.

– Auric não sabia que ela estava esperando… Alana tentou impedir a briga quando a Audrey tentou ir embora, mas já era tarde demais. Curaram-na e continuaram com seus planos de casamento.  – Terminou a história com um gosto amargo na boca. Não via sentido em se colocar no meio dos planos deles, mas achou que seria importante mencionar: – Eu não sei o que a Audrey vai pensar sobre isso. Ela tem protegido eles… De algum modo… – Tocou os próprios ombros – Eu não acho que eles deveriam viver, mas isso pode afetá-la diretamente. Quer dizer… Eu não sei o que ela pensa a essa altura. Só estou preocupada com a saúde mental dela… – Abaixou o olhar – Ela está achando que a culpa é dela até agora. Eu nem acredito que ela não ia contar… Nem faz sentido não falar…

– Blair, ela não precisa saber de nada disso. Auric voltou para casa a pedido da mãe e nunca chegou lá e Alana sofreram um atentado ao se deslocar sem avisar para o Pôr-do-Sol. Há como se duvidar? – Polaris respondeu a ela com um sorriso maldoso. – Perfeitamente aceitável.

– O casamento com Keith veio em boa hora… – Connor comentou, meneando a cabeça.

– Pensei a mesma coisa… – Rhistel disse, seco.

– Nina? – Connor perguntou.

– Voando. – Polaris respondeu de pronto. – E eu vou realizar o segundo assassinato do meu dia.

– Segundo? – Torvo franziu o cenho.

– Sim. – Polaris mordeu a língua. – O primeiro foi o meu namoro. – Ele disse com um risinho e deu um passo para trás, adentrando o Umbral.

Blair até achou graça na piada, mas apenas o olhou partir. Quis ter ido junto, mas estava preocupada com o suficiente com Audrey para achar que não deveria deixar a porta do consultório improvisado. A loira se adiantou até Rhistel o abraçou com carência, não imaginando que ficaria assustada com a situação como ficou. “Porque você fez isso, Audrey…” Apertou os olhos.

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