Cherry

Categorias:Romance
Wyrm

Cherry


Havia juntado todas as possibilidades para onde as histórias caminhariam e resumia que não sabia de nada. Probabilidades tão misteriosas não poderiam ser resumidas com cálculos exatos, Nyra os adorava, mas se sentia muito mais mística do que calculada. Os planetas e as estrelas haviam sido sua vida desde que se entendia por pessoa, e as flores e os diamantes eram os presentes na terra que não poderia tocar no céu. Pó de estrelas. Corpos celestes iluminados, generosas ao emprestar seu brilho para a lua… A Lua que invejava sua luz e a beleza, absorvia e roubava os holofotes e todos os créditos. Mas Nyra sabia mais, sabia quais estrelas brilhavam mais forte e as perseguia com seus mapas e estudos. Era dessas que gostava – que trabalhavam em conjunto com outras e formavam sonhos no céu escuro.

Ela fumava seu cigarro de dose menor, e fitava o gazebo de vidro onde estavam seus mapas. Estava pé do lado de fora, e pensava, distante. Já não era hora de entender o que as estrelas queriam dizer? Os planetas não iriam se alinhar? Expeliu a fumaça e abaixou o braço. Ela usava um vestido branco que abotoava até seu pescoço, e deixava os braços nus. Ele era justo até sua cintura e terminava em uma saia rodada rendada curta. Os pés estavam descalços na grama aparada da clareira e os olhos vagavam pensativa. Nos cabelos de tom escuro, usava uma fina e delicada tiara de diamantes puros, com o mesmo valor do crucifixo de cristais raros no seu pescoço. As unhas longas estavam pintadas de nude, e os lábios acompanhavam o tom rosado leve, os olhos vivos no contorno negro e forte, combinando com os longos cílios.  Quando tirou sua mente dos problemas, da família, Rússia e Fox Town, os pensamentos voaram até Henry e a curiosidade de saber como as coisas aconteceriam com ele na Ilha… Os Dragões já haviam o perdoado? “Henry?” Nyra procurou a mente dele. “Você pode vir aqui, por favor? Estou perto do gazebo de novo, se não estiver ocupado…”.

O arquejo fugiu dos seus lábios com um suspiro rápido de prazer. Henry pestanejou, tocando o pescoço tatuado e massageando-o, disfarçando o que podia. O Kitsune franziu o cenho, ajeitando os óculos escuros no rosto:

– Desculpem, acabei me distraindo… O que você disse sobre as fontes?

Debra fez que tudo bem, embora tivesse se irritado. Os seus olhos diziam claramente: “Vou ter que repetir outra vez?”. Ela analisou a prancheta que abraçava e esticou o sorriso mais sincero que conseguiu: um sorriso bem seco.

Ela não podia culpá-lo tanto assim. Remi, que devia estar também muito interessado no assunto, não parava de digitar freneticamente no celular. Quando Debra recomeçou a explicação, Henry tentou prestar um pouco mais de atenção embora a voz sensual de Nyra ainda estivesse na lembrança mais fresca em sua mente. “Sim… Eu estou indo!”, o Kitsune respondeu com uma energia que não demonstrava naquele instante para a secretária e o amante Andarilho de Jullian Blackwood. Ele se olhou, certificando-se de estar minimamente bem vestido: camiseta branca sem desenho algum, suspensórios da Chanel, calças jeans pretas e botas. Ele também vestia um pequenino crucifixo de ouro, acompanhado de uma corrente muito fina, estava para fora da camiseta.

O assunto já era um estorvo. Arabella não queria uma fonte com dragões no vilarejo, mas Jullian havia gostado da fonte. Debra dizia para ele desenhar outra e colocar a dos dragões próxima à arena, onde uma praça deveria acompanhar. Ele não queria falar sobre fonte alguma. Estava mais curioso para saber o que Jullian, Acksul e Blair tinham tido fazer tão cedo no castelo, em direção às masmorras. Depois da voz quente de Nyra em sua mente, ele não conseguia se concentrar nem nesse assunto importante.

– Eu já volto… Preciso atender uma ligação. É importante. – Remi disse, afastando-se com um breve sorriso social.

– Ah… Tudo bem, eu já entendi. Preciso ir também… – Henry abriu um sorriso mais sincero. Até sincero demais.

– Eu ainda…

“…Precisava conversar com você…”, Henry ouviu o restante na Penumbra ao Percorrer Atalhos, onde se transformou em um pequeno raposo e correu, ágil e elegante, em direção ao gazebo. De novo, o gazebo. O Sol ainda estava com uma enorme letargia de viver, morno e agradável. Henry saiu do Umbral com a sensação que ainda estava na Penumbra, tamanha representação perfeita da natureza naquela manhã. Pôs-se a prestar um pouco mais de atenção no ambiente – o que durou muito pouco. Ele adentrou, retirando os óculos e deixando-os sobre os seus cabelos escuros.

– Quase me escapa um comentário idiota… “Caiu da cama”? – Comentou, abrindo um sorriso de arte. – Mas vou confessar o meu crime e dizer que já te vi madrugando outras vezes… Quando você passa daquela ponte…

Ela abriu um sorriso quando o viu e escutou sua voz. Nyra o mediu com seu olhar, prestando atenção em suas roupas e desviou-os para a paisagem recém tocada pelos primeiros raios.

– Eu não cheguei a dormir… – Confessou, tragando. Sorriu outra vez e provocou: – Você tem me espionado, Henry? É um crime mesmo… Mas esse eu perdoo. – Brincou e desviou o rosto para expelir a fumaça – Era mais provável que eu te acordasse. Ainda bem que não te incomodei, parece que já estava em pé há um tempo, bonito com essas roupas. – Olhou-o de canto de olho – Seria bom saber como é sua rotina, se é que é possível ter uma por aqui, mas correria menos o risco de te pegar dormindo… Eu acho que vou te procurar mais do que deveria nesses próximos dias, se não se importa… – Ela andou até ele devagar e ofereceu seu único cigarro.

Ele não respondeu nenhuma questão de pronto, permitindo que ela terminasse o seu pensamento enquanto ele tentava manter a censura fixa apenas no rosto perfeito que ela possuía. As suas mãos passaram a alisar os suspensórios, esticando-os, quando foi elogiado. E, a todo momento que ela desviava os seus olhos de tempestades dos seus, Henry não conseguia se conter de viajar por todo o restante. Todo aquele restante

– Saber da minha rotina… – Ele repetiu, sentindo um sorriso de escanteio surgir em seus lábios por impulso.

Os olhos dele se pregaram aos dela enquanto se aproximava. Tentava se manter calmo, mas não havia calma com ele. Percebia. Não haveria. O seu coração não ficou em paz ao vê-la mais perto. Nada em seu corpo ficou em paz. Ele aceitou o cigarro, mas não o recolheu com a mão. Curvou-se e pegou-o com seus lábios, meneando-o com a língua antes de tragar.

– Eu tenho horários doidos, mas gosto de dormir de tarde… – Ele se desviou dela para expirar, levando os dedos aos lábios e abaixando o cigarro. – Eu funciono numa confusão só… Não tenho muito horário para nada… – O Kitsune esboçou novamente um sorriso ao canto dos lábios. – Não me importo, as por quê? Algum projeto novo…?

Os olhos cinzas assistiram ele tomando o cigarro de sua mão e ela mordeu o sorriso risonho. Sabia que algo na expressão e no jeito dele a cativava, e ela ainda tentava descobrir exatamente o que a aguçava em sua curiosidade incurável. As tatuagens, em particular, eram uma obra difícil de desviar, e diferente da polidez dele, Nyra apenas era educada não passando tempo demais focada nos desenhos, mas era questão de tempo até desejar investigar os inúmeros símbolos – mas até aquele instante, apenas passava seus olhos pela tinta.

– E o que você fica fazendo até tarde acordado pelo vilarejo, Henry…? O que há de tão interessante por lá? – Ela perguntou, antes de responder. Pegou o cigarro da mão dele e tragou. Nyra andou de volta até a mesinha de centro e se ajoelhou diante dela, convidando-o a se sentar do seu lado. Haviam muitos papeis e desenhos sobre ela, mas aguardou-o se acomodar do seu lado. – Eu já vou te mostrar…

Ela estava segura na próxima que havia feito a ela e apesar de Henry não saber o que se passava pela mente daquela Lolita maldosa e maliciosa, ele não queria que ela parasse. Os olhos miraram o cigarro entre os lábios cheios e desviaram brevemente para cima quando ela se virou. Henry caminhou até o convite e se sentou ao seu lado, cruzando as pernas no chão.

– É verdade, a realeza não visita o vilarejo, ouvi dizer… – Henry disse, provocativo. – Minha casa é afastada do vilarejo… Uns… Dez minutos andando… – Henry apoiou a mão direita no chão e descansou a cabeça no próprio ombro enquanto a olhava. – Eu não estou sempre por lá, mas quando vou… Ouço música, bebo, fumo, toco violão, danço… Eles são animados e Sophie sempre se empolga em fazer alguma coisa. Então, eu fico lá… Eu não me envolvo muito, porque… A fofoca ali é uma norma quase, mas às vezes, eu apareço. Muita gente e muita gente que se conhece. Consegue imaginar? Você devia ir comigo um dia desses… – Os dedos livres tocaram a mão dela no chão, sentindo-a em carinhos tímidos. – Os seus súditos iriam apreciar te ver por ali… – Ele abaixou o rosto, observando o próprio gesto.

Os olhos claros desceram pelo braço dele até os dedos que tocavam sua mão, Nyra também passou a observar o tímido gesto e retornou aos olhos escuros dele – observou-o por quase um minuto antes de falar.

– Não iam apreciar não… Eu tenho certeza! – Disse baixinho, ainda abrindo seus sorrisos divertidos acompanhados da malícia silenciosa do seu olhar – Ninguém gosta da presença do chefe quando estão se distraindo… E neste caso, eu prefiro me divertir em lugares que não me conhecem, e isso normalmente se resume entre quatro paredes, já que todos sabem meu nome e esperam uma postura de mim. – Mudou a posição de seus dedos sobre os dele, tocando a mão de Henry e depois subindo suas unhas pelo desenho no braço, até o antebraço, onde estava o desenho do lobo. Nyra o observou por um instante, e apertou levemente a pele de Henry com suas unhas antes de soltar. Continuando sua fala: – Ou quando estou com meus Dragões ou minhas amigas na piscina. Você quem deveria vir ficar comigo um dia… – Afastou a mão da pele aquecida do Kitsune e cruzou os braços sobre a mesinha de vidro, debruçando-se para alcançar o desenho que queria mostrá-lo. – Bem… Seja sincero… Eu não preciso de um súdito agora. – Sorriu e mostrou o plano que tinha feito para um observatório de estrelas dentro do farol abandonado da ilha da Estrela. – Eu não sou nenhuma arquiteta… Mas eu aprendi alguma coisa na internet. Veja o que acha do meu projeto de transformá-lo em um observatório… Estive pensando em algumas coisas…

Quatro paredes. Promessas perigosas. O raposo apenas a observava. Te ver de biquíni?Street walking at night, and a star by day – Ele sussurrou o verso da canção dela e raposo fechou os olhos quando unhas ameaçaram feri-lo ao mesmo tempo que a voz sobrenatural amaciava em seus ouvidos.

Henry a olhou, endireitando a sua postura. Trabalho? Sério? O Kitsune observou o projeto amador, mas dedicado, tentando se encontrar entre os dados e o desenho. Ela quer que eu trabalhe enquanto me provoca até me excitar? Ele libertou o suspiro discretamente e pousou as mãos sobre os joelhos, apertando-se fortemente. Os olhos nos papéis tentavam se localizar enquanto a sua mente não obedecia. Henry suspirou mais uma vez, fechando os olhos e piscando.

– Ah… – Ele apertou os lábios. – Eu ajustaria… Algumas coisas… – Henry indicou algumas pontos, erguendo dedo e pousou sobre algumas partes do desenho. – Está bom, mas pode melhorar. – Olhou-a de soslaio, buscando pelos seus olhos. – Aquele ponto… Eu já o visitei. Fiquei sentado no chão, observando a janela. Eu acho uma boa escolha transformá-lo num observatório…

Nyra assistiu-o apontar nos detalhes do desenho e então devolveu o olhar. Ela viajou nos olhos escuros por poucos segundos e se voltou para a mesa, esticou o braço para alcançar a lapiseira e fez uma anotação em Mandarim e o olhou para checar se ele conhecia a língua, acabou rindo.

– Eu não sei se seu sobrenome é fake, Henry. Chang é bem curioso. – Ela provocou e caminhou sua mão até a dele e deixou a lapiseira em sua mão – Faça seus rascunhos. – Pediu.

O sorriso dele se abriu tanto que a joia em seu dente permitiu o vislumbre. – Não é fake… – Ele disse, olhando-a e acabando por rir. Ele pegou a lapiseira e desenhou os ideogramas chineses num formato mais antigo, escrevendo “Chang”. Olhando-a novamente, ele mordicou o lábio e escreveu outra coisa em um estilo ainda mais antigo. – Meu pai era chinês e a minha era mãe americana… Não se engane pelos meus olhos que não são puxadinhos… – Henry piscou um dos olhos, rindo novamente. – A Ásia sempre fez parte de mim. Você verá se me visitar um dia lá na minha casinha… Devo ter passado mais anos entre China, Japão e Coreias do que aqui na América do Norte…

– Uau… – Ela riu contagiada por ele e concluiu: – Eu já visitei o Japão quando fiz show por lá. Mas só uma vez. Talvez um dia mais para frente… Se quiser me levar eu deixo… E… – Ela fitava o ideograma antigo, sem conseguir traduzir. Mas não perguntou naquele segundo.

– Se você já esteve lá… Mesmo não devendo estar… Sabe que só existe um andar depois de uma longa escadaria em espiral. As paredes estão velhas e tem musgos pela umidade. Eu pensei em aproveitar e fazer um enorme jardim nas paredes até o teto do térreo e lá em cima fazer meu santuário das estrelas. Sabe? – Ela cruzou os braços sobre a mesinha e debruçou seu corpo, deitando a cabeça sobre eles. O rosto permaneceu deitado de perfil e ela o encarava com seus olhos curiosos demais sobre ele. Seu corpo também se ajeitou de lado e de frente para o dele. – Desde que sai da minha casa em Fox Town eu ainda não encontrei o lugar perfeito para continuar estudando o céu. Então isso é especial para mim, Henry. Você pode fazer um projeto único para mim? – Disse, fitando-o em seus olhos – Desde a nossa última conversa eu não parei de pensar que eu deveria voltar a me reaproximar do céu… Quando você despertou minha energia. Eu sonhei com as estrelas todas as vezes que fechei meus olhos.

O sorriso dele se fechou devagar, mas continuou largo por seu rosto. Henry se estendeu, imitando a posição dela. Os olhos profundos olhos escuros, firmes e fixos, continuaram aos dela. Mais bela do que foi Elara. Ele reparava nos olhos maiores e o seu formado felino, no nariz levemente arrebitado e nos lábios cheios. Cada traço em seu rosto se relacionava com harmonia, desde o queixo que acompanhava o nariz até as sobrancelhas desenhadas. O Kitsune voltou a mergulhar nos orbes de tempestades. – Nós faremos algo incrível, então… – Ele levou a mão até o braço dela, tornando a sua linha com o dedo até chegar em sua mão. – O céu te chama. Ele sempre te chamará… Há um pedaço dele em você e vice-versa. – Ele disse, tocando as longas unhas. – Eu notei que… Você tem uma mania curiosa de querer para você o que a maioria não recomenda. – Ele abriu novamente o sorriso. – Eu amarei participar desse seu projeto…

– They say I’m wasting time, they said that I’m no good… Summer of my life, not doing what I should. – Cantou o verso de uma das suas músicas jogadas pela internet. – Call me poison ivy ‘cause I’m far from good, pretty from afar, like a dark star. – Sorriu maliciosa, retribuindo o olhar pelo belo rosto de Henry, cativada pelas pedras negras e firmes que ele tinha nos orbes. – Fica mais fácil viver quando você aceita que nasceu quebrada para a maioria das pessoas… E que eu só tenho que me preocupar em manter as que eu gosto perto de mim. E eu gosto de você, Henry. Problema ou não. E… Você gostaria de estar perto de um problema igual a mim, eu vejo… Por isso estou feliz que esteja aqui, me auxiliando. Encontrei uma parte de mim, que me deixou mais calma… – Fechou seus olhos com o carinho em seu braço, e sentiu-o na ponta de seus dedos quando virou a palma da mão, arranhando-o em um carinho suave. –  Estão todos com medo de eu me achar por inteira, parece…  Como se fosse assustador o que eu fosse ver na minha alma… Como se algo ruim fosse acontecer quando eu tiver todas as respostas… Mas eu não me sinto assim mais.

Nervoso. Sentiu-se nervoso. Uma coceira na garganta surgiu com as palavras inquietas, junto ao palpitar agitado de um coração que queria falar. Henry fechou os olhos, ouvindo a música, a voz, as palavras que diziam mais do que um coração como o dele podia ignorar sem se emocionar. Henry entrelaçou os dedos das mãos que brincavam, sentindo a dela consigo… – A sua alma selvagem não tem os limites que a sociedade aprecia impor… Ela é livre. Ela ignora os preceitos, a religião e os dogmas. Ela ignora a censura… Ela enxerga com os sentimentos e desabrocha sem receios, pois ama a vida. – Henry se deslizou pelo chão, aproximando-se dela. – Sabe, Lolita… – Ele abriu um novo sorriso. – Quando Elara se matou, ela fez a única coisa que eu nunca a imaginei fazendo… Porque ela amava muito a vida. Ela amava viver… Amava conhecer… Tinha sede de tudo… – Sussurrava. – Ela amava como nunca vi alguém amar… – Falava com um carinho sensível. – Falo isso porque, eu… Sinto e mesmo que você não seja a mesma alma pela qual eu me apaixonei, que você tem muito dela… Então, eu recomendaria que você pare de sentir medo de si mesma… E se abrace… Deixe que os outros falem…

Ele trouxe a mão dela junto ao próprio peito, espalmando-a em si sobre o coração. O seu coração agitado batia, respondendo ao toque feminino. Henry suspirou, observando-a antes de aproximar o seu rosto, roçando ao dela de lado onde os seus lábios se encontravam bem próximos do ouvido da Garou.

– Cante um pouco mais para mim… – Ele sussurrou bem baixo, fechando os olhos. – Cante… Cante e tente me acalmar, porque você está me deixando muito nervoso…

As palavras foram escutadas e absorvidas. Nyra sentiu o coração acelerar com a energia invisível que ele passava para ela. A vontade de liberdade e amar quem gostaria de amar a abraçava tão forte às vezes, que precisava se lembrar que prudência a manteria sã. Mas o gosto foi tão doce aos seus lábios que precisou entrar mais dentro de si para não envolvê-lo pessoalmente na sua fantasia quente, carinhosa, dias tranquilos de verão. Parecia que podia até tocar as noites que não existiram, visitavam suas memórias apenas como um deja vu sonhado… O corpo seu abraçado pelo desenhado dele, perto da água e calorosos – tudo imaginação. Assim como teve vontade de amar os seus Dragões, tocá-los e dizer que estava tudo bem. Por que um coração tão vasto? Era errado expressar seus sentimentos com a carne? Às vezes sua mente estava tão cansada. Arrastaria muitas pessoas para seu universo imprudente e insano? Tinha medo das suas marcas serem como aço quente, não queria ferir ninguém… Queria apenas amar.

Ela suspirou ao retornar para o terreno e sentir a respiração dele no seu rosto, os batimentos tocando seus ouvidos, e mão sentindo o peito. Nyra abriu os olhos e pressionou seus dedos na pele dele, afastou sua mão devagar e virou o rosto na direção de Henry ao se ajeitar sentada. Seus lábios se entreabriram antes que percebesse, e ela se agarrou a canção em sua mente. Olhos nos olhos. Não se sentia calma. – If you go I’ll stay… You come back I’ll be right here… Like a barge at sea, in the storm I stay clear. ‘Cause I’ve got my mind on you… I’ve got my mind on you. – Murmurou a calma canção que havia apresentado no dia do Ritual. Nyra ergueu a mão até o pescoço dele e aproximou mais seu rosto para deixar um beijo demorado no dele. Afastou-se com menos pressa ainda, e se ergueu devagar. Sem expressar nada além de uma respiração pesada e olhos que mal piscavam, Nyra terminou de se levantar e deixou o gazebo para retornar para a casa de vidro.

Ele não conseguiu se mover, mesmo quando ela se levantou. Henry manteve os olhos fechados, como uma linha invisível de prudência em que pudesse se segurar. Suspirava, sentindo-se tão quente como se tocado em suas partes mais sensíveis e segurado por aquela voz que o envolvia em uma loucura torturante. O raposo pestanejou os olhos quando os abriu. O beijo ainda ardia em seu rosto e ele se tocou levemente onde o sentiu. Levantou-se, de súbito, correndo até ela antes que se afastasse demais… – Nyra! Nyra, espera! – Ele ofegou. Estava corado, levemente trêmulo e já não pensava com a razão. Já não queria pensar no problema que geraria das suas atitudes. – Espera… – As mãos já não se censuraram, tocaram-na à cintura, envolvendo-a, trazendo-a para si possessivamente. – Espera… Não fuja de mim… – Sussurrou. Os dedos escorreram delicadamente por seu ventre… – Não… Você não vai fugir de mim… – Ofegou. Ele a trouxe para mais perto, curvando o pescoço e inspirando o perfume de flores no pescoço. O seu corpo excitado se arrepiava inteiro com a proximidade… Queria amor. Queria o amor dela…

Nyra não recuou quando foi agarrada. Seus olhos cinzas apenas o encaravam como se não esperasse a reação, mas não faria nada contra… Porque estava curiosa e instigada, inclinada a abraçar a liberdade que rondava sua mente. Ser tão imprudente quanto gostaria, e aceitar a dificuldade de pensar.

– Eu sinto que você me quer… – Ele continuou. – E eu estou aqui… Eu estou aqui para você também…

Sentia-se até incapaz de negar o toque do Kitsune. A imaginação estava tão longe e insensata. Não deveria. Querer… Queria, mas… – Não é essa… – “A questão…” mas não terminou. Apertou seus olhos e terminou de sentir o arrepio que percorreu sua pele, mal conseguia decidir ou se lembrar de onde se agarrar. Quente, excitada, carente do seu toque… Seu corpo e a sua voz. – Henry…

– Entã-?

O coração do Kitsune parou. Henry se afastou num passo com mãos que não sabiam mais para onde ir e se largaram. Ele não sabia o que Annik havia visto ou ouvido, mas a última coisa que conseguiria fazer era disfarçar a sua expressão de agitação…

– Nay! – Annik exclamou com os olhos bem abertos e as sobrancelhas muito erguidas. – Henry…!

A Ragabash estava com um vestido florido branco e justo ao tronco, de calças largas e sem decote, mas muito curtinho. Aos pés, um All Star de cano baixo branco. Os óculos escuros estavam sobre os cabelos longos e soltos. Uma boneca delicadinha e cheia de curiosidade e surpresa.

– Que coincidência! – O sorriso da Garou estava enorme, até exagerado. – Eu te chamaria em seguida e já achei os dois!
Prendeu sua respiração e não se moveu. Havia se assustado, mas não se iludiu em passar outra impressão do que estava acontecendo nem por reflexo. Ela fitou Annik, sabendo o que ela poderia ter presenciado, e agradecendo a imediata discrição. A Theurge continuava lutando para esconder o fôlego e se virou para a Ragabash. Seu rosto estava corado e a mente longe por um segundo:

– Oi, Annie… Está tudo bem? – Nyra afastou o cabelo para trás do ombro e fitou brevemente Henry. – Conseguiram alguma informação?

– Annik… – Henry começou e não sabia mais o que falar. Ele passou a mão pelos cabelos e já nem sabia o que ela havia dito mais.

A Ragabash mordeu os lábios coloridos de nude. Não conseguia tirar o sorriso dos lábios nem mordendo.

– Ah, não! Não sei…! – Embananou-se, negando com a cabeça. – É que… Iriamos falar sobre o Klaus hoje, né?! Drawn está com Sebastian e Nikai na Casa de Madeira!

Annik assistiu Henry perder a cor. – Ah! Drawn te pediu para nos procurar? – Henry disse, arqueando uma sobrancelha.

– Sim! – Annik acabou rindo. – E eu achei os dois! Que sorte! – Ela uniu as mãos sobre o peito, olhando de um para o outro. – Você está tão bonito hoje, Henry. Parece que saiu de um dos seus videoclipes! Nyra já te contou que vimos todos?

– Obrigado… – O Kitsune riu, sem graça e nervoso. Muito nervoso. – Sim, ela contou… Eu fico honrado!

– É verdade… – Nyra lembrou-se e piscou os olhos devagar. – Mas… Jullian, Rhistel, Acksul e Blair já retornaram? Eles deveriam estar presente. E… – Olhou para Henry, entreabriu os lábios e respondia com certa demora, pois toda vez que encarava seu rosto, precisava separar os recentes acontecimentos: – Você deveria ir. – Desviou para a ponta do próprio cabelo – Eu vou apenas buscar algo na estufa antes. – Olhou para Annik e depois o Kitsune: – Obrigada, Annie… E… Até mais, Henry. – Sorriu educadamente e seguiu para a casa de vidro.

– Eu vou chamá-los também! – Annik disse rapidamente. – Nos vemos todos lá, né?! – A Ragabash riu de novo.

– Até… Okay, ah… – Henry entreabriu os lábios, mas se esqueceu completamente do que ia dizer. Precisava se acalmar o seu corpo e só Gaia sabia como. Os olhos piscaram vagarosamente enquanto observavam Nyra se afastando. Reunião?! Péssima hora… – Sobre Klaus… Certo. A Casa de Madeira…?

– Por ali! – Annik apontou, olhando-o com curiosidade.

– Valeu… – Henry sorriu para ela, encarando os olhos de ouro da loira. – Eu espero vocês lá…

– Henry. – Annik o chamou.

Ele a olhou por cima do ombro.

– Eu também adoraria conversar sobre as suas canções qualquer dia desses… – A Ragabash selou o sorriso.

Henry assentiu, pousando a mão sobre o coração num gesto de carinho para ela. Quando se virou para frente, tinha os olhos arregalados. A respiração retornava a se inquietar. Caralho, você vai ver o Drawn. Acalma-se dessas ideias. Resfolegou, assumindo uma caminhada muito lenta até a Casa de Madeira.


Nyra agradeceu de Annik não ter vindo atrás. Ainda não sabia o que falar daquela história, mas o toque da mão de Henry estava quente no seu ventre, e toda sua cintura envolvida. Ele havia a apertado tão forte contra seu corpo e a voz ecoava em seu ouvido, “não foge”. Não esperava se sentir da forma que sentiu, tão acelerada por algo novo. Subiu direto para o quarto e correu para o banho, tirou a roupa, se trocou por outro vestido de meia estação, rosa claro, fechado  com botões dourados até o pescoço, e de mangas longas. A saia era curta no corte tubinho, e facilmente subiram mais do que deveria – mas nenhuma novidade sobre aquela roupa, apenas sobre os cabelos. Ela voltou ao ruivo depois de um ano usando-o na cor mais escura. Vestiu o salto plataforma em sandálias de boneca no tom bege e seguiu após maquiar os olhos e vestir o batom cereja: hora de reunião, Nyra. Reunião. Desceu sem pressa, passou na cozinha para beber um copo de vinho, e viu Remi na piscina no celular. A Garou Maga o fitou sorrindo, mais empolgado do que o comum, e ficou imaginando que boa notícia teria o envolvido. Ela andou até o lado de fora e esperou ser vista, mas estranhou a última frase antes de ser percebida… ”Claro que eu lembro daquele dia…”.

– Mais tarde eu confirmo, tudo bem? – Remi disse, sem o sorriso na voz que havia demonstrado. – Daí… Nós acertamos tudo. Obrigado. – E desligou.

O Garou caminhou até a geladeira, abrindo-a e pegando uma lata de refrigerante. Uma filha única, pois nenhum dos demais Versos da Magia tomava o combo de açúcar. O Ahroun abriu-a e bebeu. Os olhos cinzentos se ergueram até Nyra quando ela surgiu:

Stella! – Ele exclamou, aproximando-se de Theurge. – Eu estava indo para a Casa de Madeira… Achei que só iria te encontrar lá. – Ele se curvou, beijando-a em um selinho breve. – Parece que consegui outro papel para um filme de ação! – Riu, olhando-a. – Ah, eu já tinha te dito… É que ligaram para pedir a confirmação… De novo. Acredita?

O sorriso de Nyra sumiu brevemente, e ela concordou. – Eu não esqueci. Você é um ator de filmes de ação mesmo agora, né? Você tinha feito até uma reunião com eles. Estranho ligarem de novo. – Lembrou-se dos detalhes – Você está animado… Bem animado para o papel… – Olhava-o e fez um beicinho. – Vai ficar difícil conciliar esses filmes e todos seus projetos fotográficos…

– É… devem estar com medo de que eu desista… – Remi disse, voltando-se para a pia limpa brevemente. – Annik disse que vamos falar sobre Klaus agora… – Ele disse, erguendo as sobrancelhas. – Posso me ausentar disso? Estou cheio de trabalho e com certeza não terei muito a dizer…

Nyra se surpreendeu com o pedido de dispensa dele, pensou antes de acabar concordando:
– Se você acha que não tem nada a dizer… Não vejo o porque insistir. – Olhava-o curiosa e intrigada, ele ainda estava agitado pela ligação. – Você não pensa nada sobre essa história? Alguma opinião…?

– Eu não gosto quando a gente se mete nesses assuntos passados que não são bem nossos, mas entendo também. – Remi cruzou os braços, apoiando-se de costas na pia. – É assunto de família… Eu provavelmente faria a mesma coisa pela minha, mas… Eu não sei. Parece um pouco demais, sabe? Jullian disse que Drawn tem medo do cara retornar louco… Eu nem sei o que opinar. Esses assuntos mágicos estão muito além da minha compreensão. Eu me sinto distante deles.

– Você também… Faria qualquer coisa pela sua família, não é? – Apoiou o quadril de lado na pia e o olhava. – Bem… É difícil quando não se sente a Mágika correr. Mas… Você também pode aprender se quiser. Mas só se quiser. E eu acho que você está envolvido demais em outras coisas… Os assuntos andam meio sombrios… E lá fora faz tanto Sol. – Ela sorriu, e se desencostou. Nyra andou até os armários e pegou o vinho para colocá-lo em um copo, molhar seus lábios e o virar rapidamente depois. – Bem… Eu preciso estar lá… De qualquer modo. Sua família está bem? Os trabalhos com a nonna?

“Lá fora faz tanto Sol”, Remi franziu o cenho. Os grandes lábios dela se avermelharam com a menina e o cheiro do vinho era como um perfume que fazia parte do seu ser. Ele encarou os olhos tempestuosos e as mãos se agarraram ainda mais na pia. Ela era perfeita em seu modo de ser, caminhando como se o mundo fosse seu e não houvesse escolha para ninguém além de aceitar. O mundo poderia ser mais escuro na vida de qualquer um. O preço existia para ser pago e quando se tratava se tratava de Nyra Blackwood, por mais que fosse um preço alto, ele se apresentaria baixo demais… – Está tudo indo muito bem… – Ele disse, aéreo. – Vamos. É melhor eu pelo menos acompanhar isso…

A Garou afastou o copo da mão e sorriu brevemente para Remi.

– Tudo bem. Eu posso te atualizar depois… Tenho certeza que você tem muito trabalho. – Nyra disse depois de pensar, devolvendo o olhar a ele por um instante. Aproximou-se apenas para sair pela porta da cozinha, passando por ele sem se despedir com seus selinhos. A sensação de que algo estava errado a envolveu de muitas formas que não conseguiu sequer desenvolver as ideias. Talvez fosse melhor caminhar devagar até a Casa de Madeira…

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