Daddy Issues

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Wyrm

Daddy Issues


Emoções não existiam para serem contidas e a minha caminhada apressada contava como um cronômetro me alertando que eu estava perto do meu limite de não conseguir segurar nada dentro de mim.

Eu só queria chorar e desaguar até morrer.

Passado, presente e futuro se encontravam e apresentavam-se para mim como uma única massa de tempo esférica, próximos o suficiente para que eu pudesse tocá-los com os dedos sem precisar esticar os braços. Eu gostaria de poder ter me encontrado, mas eu estava no meio de um tornado criado por mim. Eu conseguia até ter ciência que havia feito quase tudo ao contrário do planejado, mas não dava a mínima para isso. Mexi e remexi com sentimentos que eu acreditava estar acostumado a lidar e os resultados atingiram a minha testa como um tiro de escopeta. Eu não estava preparado para nada disso.

Abri a porta da minha casa como um bêbado errando a maçaneta e se esquecendo da forma correta de girá-la. Meu pensamento estava sem direção como o meu corpo e eu escapei para dentro, tentando deixar os meus problemas do lado de fora.

Ou as pessoas de fora deles.

Tirei minha camiseta e lancei-a no chão. A minha Fúria espantou os meus companheiros felinos para os cantos da casa que eu nem conhecia. Eu abri o bar e puxei uma garrafa de saquê, disposto a assassiná-la e atacá-la na parede. Eu não limparia mesmo. Os outros sempre limpavam a minha sujeira. Eu nunca saía como culpado dos meus piores crimes. A garrafa permaneceu intacta. Eu desisti dela antes de começar a me embebedar… Só para chorar como um bebê. Joguei-me no sofá, deitando-se de costas e esticando-me como se eu pudesse me separar todo de mim. Um Kitsune sem linhagem ou família. Sem amigos ou amores verdadeiros. Tudo havia ficado em algum lugar do passado e a minha linha de vida ultrapassava a normalidade, saltando por caminhos mágicos e prolongando o que eu não tinha mais certeza se queria manter.

Descolei os meus lábios desejando falar alguma coisa para me confortar, mas fui interrompido pelo som da maçaneta girando mais uma vez. Soergui meu corpo, acompanhando a entrada inesperada de Torvoethardurg. Ele encarou meu rosto manchado com a serenidade de sempre e se aproximou, sentando-se no mesmo sofá que eu estava largado. Eu não tive medo da rejeição quando me ajeitei e o abracei. Meu querido Dragão sábio, neutro como a terra. Senti a sua mão em meus cabelos e desabei de vez…

– Sinto muito por pelo rumo da nossa história, mas eu não podia me aproximar. Eu estava sendo procurado… Não tinham certeza de minha morte, Torvo. – Eu falava sem entender o que eu mesmo dizia. Eu não sabia se eu estava fazendo sentido ou minha voz aguada roubava a compreensão. A camisa branca que Torvo usava se molhava com as lágrimas que eu não conseguia conter nos meus olhos. – Eu tive medo de levá-los até vocês… Aparecer e… Mas… Ajudei-os das sombras… Como pude… Salvei Lavinia… Direcionei acontecimentos…

– Eu sei. – Torvo respondeu calmamente. – Eu sei, Chang.

Senti-me confuso por um instante. Deixei o abraço para olhá-lo, buscando por seus olhos escuros e calmos, tão belos quanto somente Elara conseguiria desenhar.

– Tayrou te percebeu algumas vezes… – Explicou-me com algo que eu poderia descrever como um carinho relutante a se tornar pleno. – Sabíamos que você estava vivo. Somente não tínhamos o estava acontecendo na sua vida.

Uma ótima questão sem resposta. Eu também não a tinha. Que rumo minha vida seguia? Eu perdi forças e me larguei ao seu lado. Minha mão tocou o braço dele e eu inspirei o seu cheiro. Cheiro de terra, folhas úmidas e flores. O cheiro que Gaia deveria possuir como perfume. Meus olhos se elevaram até os dele. Eram gêmeos dos meus. Completamente negros, praticamente. Elara costumava comentar sobre os meus olhos: escuros e firmes. Os que Torvo eram iguais aos meus, embora eu invejasse a segurança que ele possuía naquele instante. Uma aspiração que eu estava distante de alcançar.

– O que você fará? – Ele voltou a acariciar os meus cabelos e eu me derreti mais uma vez.

– Ajudar… – Sussurrei, mordiscando o meu lábio inferior. – Nyra aceitou minha ajuda… Posso fazer muito por todos. Você sabe disso.

– Eu sei. – Torvo trocou a posição da cabeça.

Naquele instante, eu me sentia o filho e não o pai. Queria-o olhando para mim, falando comigo e me dando o seu carinho receoso.

– Meu coração parecia que explodiria quando vi o símbolo reviver… – Confessei, desabafando o que minha carência me cobrava. – Senti-me perto dela… Senti-me tão próximo dela… Senti que arrumei um problema para mim…

Os olhos dele se desviaram de mim e ele foi educado o suficiente para não verbalizar a sua opinião que eu senti que seria fria e direta. Calei-me, pois já havia tido o bastante. O que quer que ele fosse me dizer, eu provavelmente já sabia. Estava ciente de que, não importava o que eu desejasse ou sentisse, o passado havia ficado no passado e eu vivenciava um presente que não era meu, invejando vidas que não me pertenciam. Quando adormeci, acabei entre mais lembranças do que propriamente sonhos…

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