Estes contos te atingirão diferente. Quer provar?
Don’t Blame Me, Love Made Me Crazy
Eu tenho assassinado pessoas desde meus sete anos. Começando pela minha própria mãe. Não posso mais lavar o sangue das minhas mãos. Tripas, vômitos, cérebros fora da caixa todas as noites.
Mas então algo aconteceu pela primeira vez… Do meu vasto castelo obscuro… A vela vermelha…
Segurei-a comigo sem apagá-la, desejando retornar. Ninguém me levaria para muito longe dessa vez.
Quando alcançou o Mundo Escuro, Blair não sentiu a mesma pressão no seu peito e falta de ar. Costumava ser guiada pelo medo, mas seu corpo ainda estava quente e suas ideias calmas e transparentes. Sentiu o carinho de Rhistel em seu rosto, e pela primeira vez não estava tão sozinha.
O piso negro, com uma leve camada de água, refletiu seu rosto e corpo coberto pelo manto negro. Blair abaixou o capuz e sustentou os olhos claros para as paredes de vidro erguidas que criavam um longo corredor adiante. Atrás do vidro, mãos começavam a surgir e rostos se esmagavam contra ele. As pessoas tinham um aspecto cinza, e carregavam cortes razões de suas mortes assassinadas. Os sussurros eram súplicas.
– Você ainda não tem ideia do peso de suas palavras… E peso nos seus ombros.
Meris começou sua conversa na voz áspera, rouca, viva e cínica – como de um fumante conformado com o fim dos seus pulmões e mundo. Blair ergueu o rosto e começou a caminhar, desviando o olhar de um lado a outra várias vezes; acompanhando os rostos de desespero. Pisava sobre o espelho d’água, molhando a barra da capa, e continuava em frente. O Avatar se movia como uma nuvem invisível, uma presença sem corpo e rosto, passando por entre as pernas de Blair e abaixo de seus cabelos na nuca.
– Quanto mais você tentar lutar e se esconder, mais injetada por fraqueza e medo vai ficar.
Blair reconheceu alguns rostos, mas continuou, olhando-os sem expressar o que Meris queria que ela sentisse. Sua voz ecoou muito mais forte que a dele quando falou:
– Você construiu isso em mim. Estou apenas me defendendo. – Disse com paciência e firmeza.
O silêncio imperou pelos próximos minutos, as paredes foram se aproximando e deixando o caminho mais estreito. Blair espalmou suas mãos em cada lado e continuou… Meris, atrás, segurou os pulsos de Blair.
– Mas não se preocupe… Eu mesmo vou a salvar disso… Eu vou te erguer para a luz que você merece, Blair… – A voz estava perto do ouvido da Maga. Ela negou e riu… Ele havia mudado. Não era mais aquele que controlava a menina perdida.
– O que um tempo preso não faz? – Provocou, esperando que ele revidasse com algum ataque, mas não aconteceu. Meris apenas apertou os pulsos de Blair, em aviso, ela os afastou para frente e fez um movimento no ar ao jogar as mãos para o alto. Um longa escadaria surgiu diante de Blair, que começou a subi-la em passos rápidos, afastando-se dos aquários para cima. No trajeto, ela tirou a capa e a largou nos degraus, ficando com um corpete negro e calças jeans justas e coturnos. Suas pisadas se tornaram mais leves sobre as escadas de mármore negro que a guiavam para o alto, até um passarela.
– Eu não preciso da sua ajuda, eu me salvo sozinha dessa vez.
– Não se atreva a me afastar de novo. – Ele rugiu e a alcançou em sua caminhada. Blair parou e se virou para o homem que usava o manto. Coberto o suficiente para não ser visto além de sua boca cortada, envelhecida.
– Eu posso me defender, Meris. – Blair disse ao Avatar – Você quer um combate? Eu aceito, no final apenas eu vou vencer.
– Você sempre teve esse ego para alimentar… Te satisfaz deixá-los pensar que é um anjo? – Continuou com seu rosto abaixado – Paciência nunca foi seu forte, e eu admirava isso. A sede de poder e a ausência do medo. – A respiração chiava – E agora anda de cabeça baixa… Treinando crianças… Parando de crescer por si… Vivendo como uma humana… Fugindo das próprias batalhas… Divertindo-se com o Dragão que tem uma granada no lugar do coração… – Moveu seu rosto lentamente em negação – Imprudente…
Blair o olhou cuidadosamente, e evitou cair em uma reflexão profunda, mas foi alertada:
– Pare, respire e pense… Aqui é o lugar para isso… – Meris a aconselhou calmamente. Blair observou a escuridão ao redor e cedeu a reflexão:
– Não me culpe… O amor me deixou assim… – Sorriu de canto– Eu parei meus treinos, você tem razão… Mas nunca fui tão forte. Você passou minha vida me afastando de tudo o que eu poderia amar. Koschei, Annis, Ewen, todos vocês… Mas não dessa vez. Não mais.
– E como isso te faz mais forte? Fraquezas… Apego…
– Você vai me ver batendo duas vezes mais forte. – Blair o olhou séria. Meris continuou parado, e a maga o encarando. Ele continuou como um professor insistente:
– Perdeu todos os seus professores. E me trancou… – Ele se aproximou e colocou a mão coberta sobre o colo exposto da Maga. – Sentimentos te deixam insano…
– “Quanto mais você tentar lutar e se esconder, mais injetado por fraqueza e medo vai ficar.” – Blair repetiu as palavras dele e recebeu o riso grotesco de volta de Meris. – Sempre confundindo minhas emoções na minha cabeça… Isso acabou… Eu tenho outros meios. – Fitou as próprias mãos – Eu descobri um novo meio de mover minha força…
– Hmm… – Ele afastou a mão e parecia escutá-la – Sua obsessão pelos Verdadeiros e seus meios… Mas ainda é… POUCO!
Blair recuou um passo, quase caindo da plataforma quando a cara de Meris ficou centímetros do seu rosto para gritar e sumir. Observou o chão embaixo e viu todos os corpos saltando, tentando alcançar seu patamar. Blair se recompôs e voltou a erguer as escadarias para o alto, subindo-as. Novamente, Meris vinha atrás.
– A cada três noites… Volte para seus treinos… Aprenda com eles e me deixe filtrar seu conhecimento…
Ela parou ao sentir a capa sendo jogada sobre seus ombros.
– Me deixe saber sobre os Dragões… Eu posso ajudá-los. Podemos protegê-los para que cumpram sua parte…
Blair ajeitou a capa sobre os ombros, mas não a vestiu. Continuou com passos menos apressados, pensando sobre a mudança de abordagem de Meris. O medo não a engolia por inteiro, e ele havia notado. Ela não fugia para os cantos e ele tinha menos poder sobre sua vida, mais próximo da função de um real Avatar. Tocou o próprio rosto de novo ao sentir um novo carinho…
– Como posso confiar nos seus objetivos? – Ela perguntou, e a resposta veio na voz menos destruída, mais jovem e profunda.
– Descubra toda a minha história e você saberá.
– O que você quer dizer com cumprir a parte deles? – Blair continuava a subida e parou no terceiro patamar entre as escadarias, segurou o manto da Mensageira entre as mãos e olhou para o abismo, onde jogou a capa. Meris não respondeu, a Maga apenas sentiu as mãos etéreas a puxando pelos braços, fazendo-a recuar novos passos, mas logo a soltando. A voz voltou a sua fraqueza:
– O Diário… A dona, Nyra, deve ler… E a sua energia reconquistar. Reúna os cacos da história… Encontre o Tabelião… Leia os livros… Encontre Pingo de Prata… Visite meu reino… Eu vou te guiar pelos próximos dias. Prepare-se… Precisamos assassinar uma Entidade… Agoureiro… Passo a passo… Você voltará para treinarmos?
Blair não respondeu.
– Você precisa aprender tantas coisas… – Ele insistiu, mas ela continuou caminhando sem responder. Os fios loiros cobriam parte de seu rosto e sua reflexão foi guardada sozinha. Meris a agarrou pelos ombros irritado e derrubou Blair no chão. Ela gemeu quando suas costas foram acertadas contra o chão, e deitou-se de lado. Sua mão alcançou o espaço vazio e puxou uma adaga para jogar contra o peito dele. Blair o acertou um chute na perna antes de erguer e o acertou com novos facadas até que seu corpo despencasse nos degraus, sangrando. Ela o acertava repetidas vezes, enquanto ele se surpreendia e depois ria, observando seu sangue… Acertou-o trinta vezes em todo seu corpo, inclusive em seu rosto coberto pelo manto, até que se desse por cansada e se afastasse com passos que quase a desequilibraram. Blair ofegava, e afastava os cabelos finos do rosto ensanguentado com respingos. A risada continua dele, fraca e intercalada em tosses quase a deu motivos o suficiente para acertá-lo mais vezes… Mas ela soltou a faca no abismo e respirou fundo. Seria mais fácil se ele revidasse, mas nem isso ele escolheu fazer. Meris continuou deitado nas escadas e falava sem se mover:
– Não ouse… Render-se… Medo não trará nada… Lembre-se quem você é. Acima da Mensageira. Acima das suas esferas mais poderosas. Seus sentimentos te ajudaram e te guiaram para o local certo… Mas não vão te levar ao altar sozinhos. Agora eu lembro… – Ele tossia sangue – Décima esfera, Blair… A última corrente…
– A décima esfera… ? – Ainda ofegava, confusa.
– Não ouse se render… Eu ainda estou do seu lado… E… Eu vou te guiar. Vamos atrás das perguntas corretas. Das suas ferramentas perfeitas. Proteger o que ela não pode… – Disse áspero: – Não se sente especial em ser a Maga pós-Elara? A única Maga e os Dragões… – Ele riu e sentou-se no degrau – A energia construída, as partículas da última esfera… Dentro de cada um… Pequenas doses… A maior de todas… Está em Ras… Ele… Aguentaria… – Dizia como se lembrasse dos detalhes com a dificuldade de uma memória fragmentada. As palavras de um poema surgiam soltas: – ‘Ame-os’ ‘Você irá cativá-los’ ‘Eles oferecerão respeito’ ‘Mas não deve feri-los’ ‘Nem dominá-los’ ‘E eles estarão do seu lado’ ‘O objetivo mais puro’ ‘O equilíbrio do mundo’.
Antes que Blair conseguisse juntar os pedaços da mensagem, Meris estava diante de seus olhos, agarrava-a pelos braços e a jogava do alto das escadas, direto para o precipício escuro. A maga fechou seus olhos um minuto, mas não cedeu ao medo, transformou a queda sobre mãos, na queda sobre o mar – afundou na água por minutos, sem piscar seus olhos quase, absorvia a conversa e encontrava uma clareira em um mar de dúvidas – As lembranças de Meris; um ser racional por trás da dor. Amor… A obsessão de Elara… Sentiu a sensação quente de despertar a acolhendo de volta para a realidade.