Drawing Spells

Categorias:Romance
Wyrm

Drawing Spells


Uma casa solitária no centro de uma ilha verde em um oceano de nadas. A varanda com a cadeira de balanço ainda era a mesma da qual se recordava, cuja a madeira clara combinava perfeitamente com a casa. A janela, como de praxe, estava aberta e uma cortina branca com bolinhas vermelhas esvoaçava para fora, flertando com a brisa inexistente.

Polaris abriu a porta, sabendo que estava destrancada, e adentrou a casa. O ranger era nostálgico e quase jeitoso, fazendo parte da composição do clássico antiquado dos móveis e aparelhos domésticos dos anos trinta, perfeitamente conservados e muito mais eficientes que os seus primos esquecidos no passado. A geladeira verde, forrada de imãs coloridos de diversos países, estava cheia de gostosuras chamativas, ele sabia. A fruteira sobre a mesa redonda de madeira escura, igualmente. As frutas açucaradas realizavam convites para serem saboreadas através dos perfumes que exalavam. Ele roubou uma uva e a mastigou com volúpia, fechando os olhos. Assim que os abriu novamente, a mesma uva surgia no lugar da fruta roubada. Polaris esboçou um sorriso selado em seus lábios maldosos e seguiu sem pressa para a sala, sentando-se em um sofá que não era nem confortável ou desconfortável. Típico dos móveis antigos. O seu reflexo sobre o aparador o encarou de volta: camiseta preta e justa, calças jeans e botas marrons grosseiras.

Os porta-retratos eram todos de uma única garota. Pele pálida como marfim e olhos grandes, levemente puxados e destacados como jabuticabas doces, com sobrancelhas retas e média e cílios longos e curvos. Lábios finos, mas precisamente desenhados, com o arco do cupido evidente e reto. Uma beleza exótica. Ela possuía um olhar audacioso, mas também gentil e inteligente. Gostava de mostrar a língua para a câmera e fazer caretas. Seriedade raramente fazia parte das suas expressões. Se não felizes, irônicas. Os cabelos pretos eram lisos e longos, brilhantes e bem tratados. A sua profissão lhe permitia regalias.

Polaris observou ao redor. Os desenhos pelas paredes, impressos de vetores e artes gráficas, destoavam do restante antigo. Monstros, no geral. Ela detinha uma curiosidade peculiar com criaturas saídas de pesadelos e seres desprezados, como sofredores de enfermidades ou deformados. Não era à toa que preferisse trabalhar com animações envolvendo filmes de terror ou fantásticos. Era fã do Guillermo Del Toro e as referências se encontravam em sua arte, brincando entre o preto e o dourado. Como o Dragão da Matéria estava tão íntimo do cinema e da televisão ultimamente, ouvia o nome dela com frequência: Kali Eld. Nome exótico que escondia um real bem mais simples: Charlotte Blackwood.

Ela não demorou a chegar. A casa era um instrumento tão vivo que ela perceberia qualquer mudança a qualquer distância. Entrou correndo, parando na entrada da sala com os olhos surpresos e arregalados. Enormes! Charlotte não era alta nem baixa em seus um e sessenta a nove de altura. Vestia-se com uma cacharréu marrom escura, bem justa, minissaia jeans com botões frontais e botas longas marrons claras. Três colares delicados e longos decoravam o seu busto: uma pedra azul oceano, um círculo de prata e uma concha envernizada. Amuletos.

– Charlie! – Acksul se ergueu. – Parece que viu um fantasma!

Ela correu chorosa até ele, pulando em um abraço que envolveu seus braços e pernas. Acksul riu, sustentando-a carinhosamente.

– Desculpe, eu demorei… – Ele murmurou.

Ela assentiu, fungando e erguendo o rosto para encará-lo. Os olhos mágicos brilhantes como chamas irmãs de duas velas.

– Demorou… – A Maga desceu do abraço, olhando-o. A carência logo se transformou em revolta e os socos leves, de protesto, irritaram-na ao fazê-lo rir. – Filho de uma puta! Você contou quantas vezes eu te chamei?!

– Várias vezes!

Várias. Isso mesmo! Com essa loucura toda na cidade e você nem para parar e conversar comigo?! Argh! – Ela se afastou com as mãos à cabeça. – Só se lembra de mim quando precisa. Acksul. Eu estou chateada com você…

O Dragão a observou silencioso. O sorriso desaparecia dos seus lábios.

– Você estava escondida. Era arriscado. – Declarou. – Mas parece que tudo ficou arriscado agora… Tudo. Então, é melhor você vir comigo.

Ela se virou para ele, chocada. As suas mãos buscaram pelo apoio de uma poltrona para se sentar. As suas pernas subitamente não estavam cooperando. Acksul se aproximou, agachando-se ao lado dela e tocando o seu joelho. Os dois se calaram por um instante longo. Charlotte apoiou o rosto na mão, perdendo os olhos por suas criações nas paredes…

– Eu soube que você é um Viking aleijado agora. Estão elogiando muito a sua atuação… – Ela tentou recuperar o ar. – E que namora ninguém menos que a Aisha Arnezeder. Você é mesmo uma lenda, né?

O sorriso de Acksul se estendeu largo. Charlotte o olhou em dúvida.

– Eu não sei, Acksul. Eu estou tanto tempo longe. Eu fico ansiosa somente de pensar… – Charlotte cobriu o rosto com as mãos ao se endireitar. – Você não quer saber o que eu descobri primeiro, antes de me atormentar?

– Claro. – O Dragão a acariciou no joelho.

– A “Doença do Desejo”, chamam-na. Parece que só transmite sexualmente. As mutações são diversas. Algumas pessoas sumiram da faculdade… A mídia está sendo afastada. – Ela descrevia. – Pelo que sondei, a Goetia não teve a iniciativa disso… Parece que foi a Mensageira. – Ela o olhou, preocupada. – Não estou falando de Blair.

– Sei que não.

– Kallisto acha que… Meris sabe de algo. Ela disse que já viveram uma epidemia parecida no passado. Pelo que entendi, foi assim que se conheceram. – Explicava, inspirando profundamente. – Kallisto acha que o… Agoureiro retornou.

Com um rosnado, Polaris se ergueu, afastando-se. Charlotte também se levantou, cruzando os braços.

– Cedo ou tarde, ele iria retornar… – Charlotte se abraçou. – Mas é só uma desconfiança ainda… – Ela fez um muxoxo.

– Ele tinha essa maldição de espalhar doenças. – Acksul se encarou novamente no espelho. – Jun é o raposo que procuramos? Descobriu isso?

Charlotte negou. – Ele é forte, mas não é ele. – Ela suspirou. – Mas…

– Mas…?

– Nada. Apenas uma desconfiança. – Ela espantou a ideia com a mão. – O que você pretende fazer, Acksul?

O Dragão da Matéria se aproximou do espelho. O reflexo que o encarava passou a manifestar uma expressão diferente, sorrindo de escanteio.

– Uma reunião familiar.

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