Everything Is Blue

Categorias:Romance
Wyrm

Everything Is Blue


Fayre pensou se deveria retornar para o seu quarto, mas desistiu. Sua agonia só cresceria entre quatro paredes. Sozinha. Ela checou seu bolso procurando a droga e começou a caminhar em direção à praia turística. Naqueles passos firmes e pesados, nem sabia dizer o porque se sentia assim.

Sexo precisava ser impessoal. Distante. Com pessoas estrangerias que sabiam coisas novas, ou não sabiam de nada. A primeira chance que havia se aberto para algo diferente, alguém tão pertinho do seu ciclo, seu tapete havia sido puxado. ‘Foi tão fácil assim me deixar?’, lembrava-se das próprias palavras conforme seus passos se aceleravam em breves corridas ‘Eu deveria estar me perguntando o que eu fiz…?’.

E agora não conseguia parar de pensar no que poderia ter feito para evitar o sentimento… Na primeira chance… Deus, como estava triste. Preferia o sentimento de adormecimento. Como pode ter acreditado que algo assim não aconteceria? Aconteceu e rápido até demais. Ele me deixou de verdade, sem diálogo, sem aberturas, com palavras que mais confundiam do que explicavam. Por que ainda alimentava uma esperança estúpida? Não sabia mais o que era gostar de alguém.

Conforme foi se aproximando das casas, cheirou a cocaína, largou a camisa e o short pelo caminho, entrando com as roupas íntimas na praia escura, mas iluminada em várias partes pelos quiosques.

Muitas pessoas ricas ainda estavam espalhadas, mesmo na madrugada. Bebidas caras, músicas eletrônicas, pessoas drogadas. Era seu tipo de ambiente, relativamente. Conforme foi se aproximando do mar com passos mortos, um grupo passou a encará-la, tentando identificar Fayre no escuro. Seus passos foram seguindo em direção do mar gelado, e ela apenas caminhou na direção da noite até cair de joelhos e receber a sensação do sal na sua pele bronzeada. A maga se encolheu em um abraço e deixou seu corpo para ser balançado pelo vai e vem das ondas. Menos de meia hora, estavam tirando fotos suas… Flashes brilhando contra suas costas sem o mínimo de respeito. Audrey os olhou por cima dos ombros, com os braços cruzados sobre o peito e desviou o rosto com a terceira luz.

– Você é a Fayre? – Disse um rapaz. – Eu sou muito seu fã. Essa é a mina irmã, ela também é.

– Vocês podem desligar as câmeras, por favor? – Audrey pediu irritada, a mente uma bagunça.

– Claro! – A menina disse, e desligou – Gente, desliga! Por favor! Ela pediu pra desligar!

E começou um tumulto entre eles.

– A gente pode tirar uma foto com você!? Por favor!

– Espera! – Fayre disse, erguendo-se e andando até eles – Eu posso conversar com vocês, mas sem mais foto.

– Ah! – Alguém reclamou no fundo.

– Desculpem… Hm… – Ergueu o rosto e prestou atenção no quiosque – Talvez se me pagarem uma bebida, okay?

Houve aquele minuto de silêncio, descrença e surpresa. Fayre o fitou esperando alguma reação, e então um deles a pegou na mão e a levou até o bar e o restante seguiu cheios de sussurros.

Bebidas atrás de bebidas, rindo sobre coisas que realmente não escutava. Eles acabaram conseguindo mais fotos que estariam nas redes em poucos minutos. A festa se estendeu para um iate, mais drinks e drogas. Festejou com todos os seus fãs e passou mal, fazendo uma nova amizade com a menina que segurou seu cabelo. Stories suspeitas que vazariam na internet. “Não passe a noite com fãs”, regra número um que foi rompida. Estava no meio de todos eles na sala do barco, altos e dopados, alguém agarrava sua cintura e outro estava deitado na sua barriga.

Fayre despertou no meio da madrugada com um grande susto e uma dor de cabeça. Ela tirou a mão de sua cintura com desespero e saiu do meio dos corpos, ofegante. Pisou em algumas pessoas até conseguir chegar no sofá e se encolher no canto dele… Pânico. Estapeou os próprios braços e corpo como se ainda tentasse arrancar algo que ficou agarrado em sua roupa.

– Droga… – Ela segurou seu rosto com as mãos e afastou os cabelos para trás, perturbada, desnorteada. – Droga… Droga… – Tentou se localizar onde estava, fitando detalhes, rostos confusos, até que… Entre os adolescentes dormindo havia um corpo. Corpo. Uma morta. Molhada e pálida como o cadáver que era. Sangue corria de seu nariz e os dedos das suas mãos estavam quebrados. – Não… Não… – Negava, tentava afastar o que via. – Some…

A moça se sentou e mantinha seus olhos brancos em Fayre. Por que agora?! Teve vontade de gritar em raiva, mas não podia acordar todos – se é que estava realmente na Tellurian. Puxou o travesseiro e o agarrou. Por que agora? Havia diminuído a visita com o passar dos anos, e os sustos eram cada dia mais raros. Embora ainda houvesse traumas como buracos em sua mente, como do braço viscoso que a envolvia durante o sono e a causava constantes paralisias do sono: daquelas que nem respirar era uma opção, onde só conseguia se erguer caso alguém a tocasse e puxasse. Lutou contra aquele demônio por muitos meses até conseguir entrar em um acordo e dar ao espírito o que ele desejava. Mas ainda tinha constantes sonhos dos tentáculos a puxando pela perna ou simplesmente dormindo do seu lado, onde pudesse assisti-la; dormir no completo escuro era outro trauma seu. A luz acesa costumava ser a ideia de um caminho de retorno quando sua alma se afastava demais e vagava entre as atormentadas. Histórias obscuras da Umbra Negra foram rotinas. Piscou seus olhos devagar, mas a assombração persistente já estava ao seu pé, agarrando-a e escalando até suas mãos quebradas alcançarem a cabeça de Fayre  e tentar entrar. A maga esperneou para se afastar para o outro lado do sofá e fitou os olhos da morta que gotejava e gemia.

– O que você quer?! Não vai conseguir entrar em mim. – Sussurrou nervosa, certificando-se que os outros estavam dormindo ainda. Quando teve a palavra dirigida a si, a mulher parou e ficou alguns minutos assim… Fayre aguardou, precisava ter calma para lidar com aquelas almas. Repentinamente o corpo ergueu o braço apontando para as suítes, engatinhou na direção de Audrey de novo e tocou seu corpo como se pedisse ajuda, agarrando sua roupa.

– Me mataram… O homem… Tatuagem de cobra…

Fayre não pensou muito para se lembrar dele; havia tentado se aproximar de todas as garotas na festa em investidas exageradas, abusivas, mas havia se embriagado demais e em certo ponto desmaiado pelo álcool. Ou foi o que pensou.

– Eu estava na festa… Abusou… Me sufocou… Disse que eu caí no mar… Minha família não me acha…

Audrey assentia e percebeu que um líquido negro caia de sua boca conforme falava e engasgava-se.

– O que você quer?

– Vingança… Ele fez isso com todas… Morte…

– Qual seu nome?

– Cristina…

A maga se afastou para seguir pelo carpete branco do barco e sentiu o arrepio quando deu às costas. A assombração vinha se arrastando atrás, engatinhando e tentando ficar em pé enquanto se agarrava às paredes. Fayre não a olhou, continuou sua caminhada até o quarto principal e abriu a porta devagar. A madeira rangeu e a cena foi dolorida demais. O homem estava de bermuda e havia uma garota nova do lado dele, a saia levantada e com os braços machucados. Fayre andou devagar até a beirada da grande cama e checou se ela ainda respirava… Encarou a porta ao confirmar e a Assombração olhava com os olhos maiores, e baba mais negra, apontando com desespero:

– Ele…

Fayre fitou ao redor, tentando não se deixar levar pelo próprio desespero, e segurou sua cabeça agarrando os cabelos. Respiração… Respiração… Fechou seus olhos com mais força e despertou novamente, voltando para a sala e acordando mais uma vez: mesma cena, mesmo susto, mas nenhuma aparição. Ergueu-se e repetiu o caminho até o quarto do homem para encontrar o mesmo quadro. Fayre sentiu a respiração de Cristina em sua nuca e percebeu que estava acordada desta vez

“Ele…”

Escutou o sussurro e checou novamente se a adolescente na cama respirava. Fayre cobriu a jovem e engatinhou pelo quarto procurando uma agulha, sabendo que a encontraria ao checar os furos nos braços deles. Encontrou-a e passou a rastejar pela droga, mantendo o mínimo de barulho possível. Achou a cocaína em umas gavetas, entre cuecas e meias e jogou na seringa com um pouco de vodka encontrada.

Caminhou até o homem e procurou o melhor lugar para injetar de uma vez, encolhendo o pescoço embora houvesse muita gordura acumulada até ali. Observar a tatuagem de cobra que ele tinha no braço apenas a causou mal estar e a necessidade de vomitar. Ele se ergueu um minuto depois, convulsionando, e caiu sem forças para morrer ao lado da cama. A maga cobriu a própria boca e evitou chorar… Abaixou-se perto do corpo e obrigou o sangue dele correr mais rápido pelo corpo, assassinando-o com mais facilidade.

“Obrigada…”

O sussurro arrepiou seu corpo, e ela levou a seringa até o banheiro onde pudesse despejá-la.

– Droga… Droga… – Andou para o convés do barco desnorteada e vomitou na água ao se inclinar por cima do corrimão. – Preciso sair daqui…

Não pensou duas vezes em saltar no mar, jogando-se na água e vendo a  região da costa da Ilha. Muito longe.  Virou-se para o barco e tocou o casco, Fayre descarregou uma energia magnética forte o suficiente para afetar os aparelhos eletrônicos para não correr o risco de que houvesse qualquer prova estranha. A maga começou a nadar na direção da praia, braços e pernas e mais de dois quilômetros. Seus olhos foram para o alto quando se cansou, sem ter onde se apoiar e com uma fobia estranha que a qualquer minuto algum animal marinho iria desejar a fazer de jantar. Seria uma desculpa se o chamasse? Ladirus… Ladirus… Tentava se focar na sua forma Dragão… Eu estou no meio do mar… Preciso de ajuda…Não alcanço a costa… Continuava batendo suas pernas cansadas. Talvez não fosse só uma desculpa mesmo. Precisou encontrar forças para continuar nadando.

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