Bad Blood

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Wyrm

Bad Blood


Teleportaram até a praia, onde apreciaram a paisagem poucos minutos na caminhada da terra, através da areia e onde o mar abraçava os grãos embranquecidos. Blair ficou alguns passos atrás e esperou que Rhistel fizesse sua conexão com o Dragão de Água.

Não entendeu a demora, fitando Rhistel com crescente preocupação. Blair ergueu a mão para tocar as costas do Dragão, mas antes de alcançar seu ombro, percebeu as linhas modificadas da trama. Seus pés notaram que a areia se dissolvia e se transformava em grama morta, o céu ganhava um aspecto acinzentado, mesmo durante a madrugada.

Quando percebeu que haviam caído em um Efeito, tentou bloquear rapidamente a Mágika, mas a força aplicada não funcionou contra a energia que se movia ali e Blair absorveu Paradoxo ao tentar combater a Mágika de Koschei. Blair sabia que existia três pessoas que conhecia capazes de anular sua Mágika de frente e o desespero subiu à boca como ácido…

– Não… Rhistel… – Ela se abaixou sentindo marcas Mágikas nascerem nos seus pulsos como correntes em brasa. – Foge…

A voz morreu sem intensidade, pois sabia que já haviam sido capturados. E logo reconhecia o casarão e, o mais importante, Annis, Ewen e Koschei.

Foram poucos os momentos em sua vida que Rhistel se sentiu tão desnudado e nervoso. Sentia-se manifestado em sua completa forma original sem que a tivesse vestido. Os dedos se estenderam, afiados com poderosas garras afiadas e a Fúria se levou anormalmente rápida, angariada por um ódio desconhecido, desperto do mundo de sua alma. Os olhos se assumiram em um rubro cereja e o ambiente como um todo perdeu calor.

– Aquiete-se, Ras Algethi, ou Blair terá problemas.

Ele conhecia a voz, mas não sabia exatamente de onde. Conhecia bem. Rhistel buscou pelo olhar de Blair ao seu lado, mas a figura que surgia diante de si mereceu maior urgência.

– Não, não, não. Não ataque. Eu prometo que Blair terá problemas. E ninguém quer isso, quer?

Ele sorriu. Era um homem alto e forte, em seus possíveis quarenta anos. A sua barba era grisalha e o rosto quadrado propunha uma descendência norte-americana. Possuía olhos negros, intensos, mas com uma profundidade vazia. Os cabelos curtos estavam cobertos pelo capuz negro de uma capa que cobria o seu corpo, assim como luvas as suas mãos.

– Pare isso, Ras. – Koschei pediu uma última vez.

Rhistel resfolegou, endireitando-se. Os lábios se encrespavam de desgosto e o seu coração acelerado era perturbadoramente audível.

– Tanta perfeição. – Koschei sorriu um sorriso aberto e cheio de dentes. – Tanta perfeição.

A grama marrom começou a se cristalizar abaixo de seu corpo, e Blair tentou reagir, mas se conteve por um instante. Estava presa e estavam em desvantagem… Emocional especialmente. Ela estava sentada sobre os pés, e analisou o círculo para onde havia sido arrastada, um ritual comprometia seu poder e a prendia em laços de correntes invisíveis. Não conseguiu ver quem o fez, mas marcaram sua testa com um X de sangue, e percebeu rapidamente que seria usada como chantagem.

Seus olhos seguiram para Annis e Ewen logo atrás. Sua antiga mentora que segurava a ponta da corrente de energia, mas não dedicava seu olhar a Blair, estava igualmente fascinada pela presença de Rhistel e o efeito da temperatura que caia drasticamente não a fez menos interessada, apenas mais cautelosa.

– É uma pena as circunstâncias serem sempre tão adversas. – O sorriso de Annis se desenhou selado. Ela estava com o mesmo manto negro, e o capuz abaixado, exibindo seu bolo rosto de olhos gananciosos. – Fique calmo, por favor.

Analisando um a um, Blair notou Ewen curiosamente mais calmo. Ergueu-se devagar, pisando nos cristais que a grama virou, e lutou contra a própria impaciência e medo, sentindo a agonia quando Annis adiantou um passo para fitar Rhistel um pouco mais de perto. Mãos atadas. Blair tentou pisar para fora do círculo, mas uma corrente invisível puxou-o de volta.

– LUTE, Ras! – A maga ergueu sua voz raivosa, afastando um passo – Eles não podem me ferir! Vai EMBORA! VAI! Rhistel! Vai!

Ewen retribuiu o olhar de Blair sem denotar opiniões. O belo e fétido quarentão estava completamente coberto, com exceção do rosto.

A dúvida transpareceu no semblante sério de Rhistel, mas fugir? Ele não sabia se conseguiria livrar os dois e não enxergava como opção deixar Blair para trás. Os olhos de cereja se voltaram para o chão. E, de repente, ele notava enxergando cada mínima linha mágica.

– Ras. – Koschei o olhou sentido, fazendo um beicinho.

O Arquimago moveu a mão com uma rapidez que um ser humano não conseguiria ter acompanhado. Dois dedos e um corte no ar. Dois dedos e o cheiro de sangue.

Um passo e a queda abrupta no chão. Blair caiu e logo notou a ausência de movimento de seu pé direito. Quando abaixou o rosto, apenas presenciou o sangue se misturando com os cristais e fechou seus olhos. Annis se abaixou ao lado da Maga, segurando a cabeça de Blair entre os fios loiros e bloqueando a Mágika que ela usava para não sentir dor. O choque foi tão profundo que o ar fugiu do seu peito quando as lágrimas começaram a surgir, Blair chorou e deu um grito estridente de dor, escondendo o rosto sobre a grama depois, tentando conter a agonia.

– Ras? – Annis soltou a cabeça de Blair lentamente. Ergueu-se e o encarou com seu olhar profundo – Apenas faça o que pedirmos, e ela ficará bem. Pare de descer a temperatura, por favor.

– NÃO! – Blair gritou em meio ao choro.

Nem mesmo Rhistel havia percebido as paredes de gelo que os cercavam como uma esfera que crescia cristalizada, coberto por nervuras de cor cereja, semelhantes aos vasos sanguíneos de um corpo pálido. Ele se agachou para acudir Blair e ouviu o gelo se quebrar. Rhistel olhava para um deles, com a respiração tão acelerada que as narinas se inflavam a cada inspiração profunda. E o coração batendo tornava-se um tambor a vibrar em seu peito, estremecendo a camiseta que descolava do seu corpo suado. O susto do Dragão com o som gerou um sorriso selado de Koschei.

– Melhor assim. – Koschei disse e suspirou, rindo-se depois. – Preciso de um chá. Ah. – Ele moveu novamente a mão no gesto rápido.

Blair ergueu seu olhar para Rhistel e ofegou, tentava encontrar alguma saída, mas decidiu que obedecer seria o melhor caminho naquele segundo.

Annis se abaixou ao lado dos dois e pegou o pé decepado de Blair. Tirou a bota dele, demonstrando certa frieza em lidar com o membro. Mas gentilmente o encaixou na dona e usou energia para colar da mesma maneira. Blair encarou a situação com a mesma frieza e arrancou a bota do seu pé esquerdo para ficar descalça. A maga teve ajuda da mão de Ewen para se levantar, e ela logo se virou para Rhistel.

– Não o machuquem. – Blair disse nervosa e Annis apenas abriu seu maior sorriso silencioso.
Blair obedeceu ao ser conduzida, liberta do círculo, mas ainda cercada em vigilância, mas não saiu do lado do Dragão de Gelo.

Ao se erguer, Rhistel notou que tremia e o corpo quase vacilou. A mão direita se tocou sobre o peito, tentando se conter dos violentos sentimentos que feriam o seu coração. Ele assistiu Blair se erguendo em auxílio. A sua mente estava acelerada demais para conseguir tomar uma decisão correta. Ele começou a caminhar assim que Blair o fez.

– Perdoe-nos a bagunça. – Koschei disse, cortês. – A intenção não era recebê-los nessas condições desagradáveis. Ah, Blair. Aproveite que você está aqui e chame alguém para limpar essa bagunça. Eu não quero ter que ser cruel com ninguém agora. Eu nem queria ser cruel com você. Eu fui obrigado.

O fedor dos fluídos humanos os recepcionou. Rhistel expressou o seu nojo, mas nada foi mais agravado do que a agonia de ver diversas pessoas nuas acorrentadas umas as outras, em diversas idades, chorando e gemendo em seus desesperos. O aroma do medo incomodou o Dragão. Koschei fitou o casal e guiou a todos para a sala do piano, indicando os sofás confortáveis. Ewen ficou de pé, ao lado do instrumento clássico. Os olhos escuros não saíam do Dragão.

– Blair. Bem-vinda. – Disse-lhe. – Temos muito a conversar.

Ela estava tão tensa que apenas deslizou para seu modo de auto proteção, onde assistia e parecia não sentir nada por aquelas pessoas. E infelizmente, não era nada que já não houvesse visto com a presença de Koschei. Antes de entrarem, uma empregada recebeu Blair na porta, seus olhos apagados e a mente distante como se nem fosse uma pessoa:

– Limpe o sangue lá fora. – Disse à mulher que saiu andando para a cozinha. Blair a observou seguir e continuou atenta ao redor, discretamente buscando por qualquer item que os salvassem.
Quando entraram na sala de piano, Annis encostou a porta e ficou perto dela. Blair resistiu em sentar, mas percebeu que era apenas inútil não seguir aquele fluxo confortável que eles seguiam. Ela poderia ter ficado tranquila, como ja ficou muitas vezes perto deles, mas a atmosfera de Rhistel a preocupava. Não queria que ele visse… Não queria qualquer final para ele que não fosse voltar. Precisava ao menos tirá-lo dali.

– Faz um tempo desde que não vejo os três juntos. – Ela falou, em pé.

– Você tem se divertido muito sem nós. – Annis comentou com tranquilidade.

– E queria continuar assim. – Blair falava altiva.

– Ora, ora. De onde surgiu tanto egoísmo… – Annis riu. Seus olhavam estavam sobre Rhistel o tempo inteiro.

Os olhos do Dragão fitavam de um para o outro, rápido como um pássaro. As mãos se agarraram aos joelhos, firmes e instáveis, mas se fixou em Koschei quando o notou se aproximando, ignorando a conversa que ouvia de Blair. Ele tirou o capuz delicadamente antes de se largar ao lado de Rhistel no sofá, obrigando o moreno a se equilibrar.

– “Gaia”! – Ele disse, cruzando as pernas e abrindo um sorriso perante ao olhar firme e sério do Dragão. – Com licença.

Ele esticou a mão para pegar a do Dragão, mas Rhistel a afastou. Koschei lançou-lhe um olhar de aviso e repetiu o gesto quando o Dragão permitiu.

– Tão gelado. – O Arquimago tocou os dedos e o pulso tatuado com as três linhas que o circulavam. – Olhe isso, Annis. Venha aqui.

Blair os olhava com o canto de olho, e se sentou ao outro lado de Rhistel devagar. Quando Annis se aproximou também, foi como provocar a própria Mensageira. A maga ergueu o braço sobre o Rhistel, impediu Annis de tocar e afastou a mão de Koschei.

– Não. – Disse simplesmente, o olhar de raiva e alerta, exibindo aos poucos aquele pó amarelado dançando na água de seus olhos, por detrás da íris. Sua voz ríspida: – O que vocês querem?

Annis desviou seu olhar maldoso para a aliança na mão de Blair e se entreolhou com Koschei.

– É verdade, então… Você tem estado próximo a eles, mais do que conseguimos. – Annis disse com curiosidade e voltou-se as tatuagens – Exatamente os mesmos desenhos…

Koschei franziu o cenho, observando Blair com leve surpresa no olhar. Ele se voltou para Black Annis e seguiu a atenção para a joia. As joias. O Arquimago concordou vagarosamente com a cabeça:

– Você não cansa de me surpreender, Blair. – Declarou, direcionando o seu olhar escuro para Rhistel.

A respiração acelerada demais, assim como a pulsação. Os orbes escuros dele pareciam ganhar aquele forte tom cereja a cada piscar de olhos e se dispersar.

– Isso é um ataque de ansiedade. Não é?

Rhistel apenas o olhava, sério. Se voltou brevemente para Black Annis, mas parecia enrijecer o corpo todo como o seu elemento.

– Eu conheço esse olhar. – Koschei apontou para Rhistel, pensando, e voltando-se para Blair. – Eu não entendi a sua pergunta. “O que vocês querem”? Você está realmente na dúvida sobre isso?

Blair fitava diretamente Koschei, seu braço continuava sobre Rhistel e seu olhar foi para Ewen poucas vezes.

– Vocês não querem vê-lo ansioso. – Blair sorriu amarga – É melhor pararem.

Annis ajeitou sua postura e cruzou os braços. Seus olhos também visitaram os de Blair, e tinha certeza que não era sua mente falando sozinha.

– Tenho dúvidas. Como eu tive minha vida inteira. Por que não coloca suas cartas na mesa e terminamos com isso, Koschei?

Franzindo o cenho, Ewen se aproximou. Quando Rhistel se voltou para ele, o Arquimago interrompeu o passo e observou-o novamente, curioso.

– Ah. – Koschei passou a mão pelo pescoço, coçando-o. – Nós precisamos conversar e eu preciso falar com ele também. Eu não sei se ele está me entendendo…

Os olhos escuros de Rhistel se voltaram para o Arquimago e ele sorriu.

– Certo… – Koschei concordou. – Nós estamos um impasse delicado e perigoso para todos nós, eu sinto… Então, serei educado e tomarei a iniciativa. – Cruzou os braços e encostou as costas no sofá. – Nós precisamos do sangue dele, Blair. Algumas gotinhas somente. – Ele encolheu os ombros. – Mas, claro, precisamos saber de onde tirar… Ou seja, Annis precisa estudá-lo um pouco, fazer alguns testes… Nada doloroso. Eu não quero te ferir, Ras. Eu nunca faria isso. – Dizia, amaciado. – E eu tenho certeza que é obra do destino este… Romance de vocês. Você é exatamente o Dragão que eu precisava encontrar. – Ele fez uma pausa curta, não permitindo ser interrompido. – Antes de Elara colher as três estrelas do céu para criar os primeiros Dragões dela, ela pediu a Annis… – Koschei a indicou com a um gesto. – … Que separasse partes vivas do seu próprio cérebro e coração.

Rhistel inspirou, fitando-o com horror. Koschei o olhou, notando novamente a íris vermelha surgir.

– Em seu corpo, tem algo que eu preciso muito. – Koschei enfatizou. – Mas você precisa se acalmar e, pela sua falta de controle, eu arriscaria dizer que se tentar me ferir, você ferirá a Blair igualmente. – O Arquimago caminhou em direção à porta. – Eu vou dar uns minutos para vocês relaxarem e trarei um chá.

Uma dose de sangue não deveria ser problema, e sim as razões. Blair acompanhou Koschei sair e fitou Annis e Ewen brevemente, ainda atentos ao casal. A maga então se voltou a Rhistel e tocou sua mão recebendo a leve onda de choque, da energia e o calor que não estava acostumada. Ele estava ansioso e possivelmente não pensava racionalmente – e estava bem longe disso. Uma bomba que explodiria a qualquer hora, e Blair pensava que talvez teriam alguma chance se ele explodisse na hora certa. Aproximou seu lábios do rosto dele e sussurrou:

– Confia em mim, Rhistel? – Olhou o perfil de seu rosto – Tente se acalmar… Eu vou voltar com você, prometo… Então confie em mim.

Annis havia se afastado alguns passos para os dar espaço, mas escutava a conversa atentamente, com um sorriso discreto nos lábios; também surpresa com aquela relação.

Ele não pareceu ficar mais em paz com a saída de Koschei. Os olhos cereja ficaram um tempo na porta antes de se voltarem para Black Annis, atento aos seus movimentos. Seus pés batucavam o chão como se estivesse usando o pedal da bateria que movia as pulsações fortes do seu coração. Ele estava corado e cada vez mais distante do frio… – Huh-hum… – Ele murmurou, mas inspirou, sentindo uma gota de suor escorrer por seu rosto. – Eu não… Estou me sentindo… Muito bem… – Murmurou, manhoso.

Um sorriso surgiu selado nos lábios sérios de Ewen:

– Vocês não vai sair daqui antes de colhemos esse sangue. – Ele declarou com a sua voz rouca, cheia do sotaque de Londres. – Ninguém vai sair ganhando, Blair. Acredite em mim. Eu sei.

Blair segurou a mão de Rhistel por um instante e a soltou, fitou Ewen apática e ajeitou suas costas no sofá. – Vocês não podem segurá-lo aqui e sabem disso. – Falou em sua calma fria e se ergueu. – A minha pergunta é: Por que o sangue? Não tiveram o suficiente daqueles experimentos?

– Blair… – Annis respirou fundo impaciente – Faça apenas o que foi pedido, e vocês sairão daqui. Com vida. – Annis disse, fitando brevemente Rhistel e depois a loira. – Por hora. Eu posso coletar o sangue ou não?

Blair desviou seu olhar a Rhistel e assentiu ao Dragão, indicando a ele que permitisse se ele consentisse, mas o Dragão receou, segurando o próprio pulso esquerdo e tatuado na mão…

– Que garantia eu tenho… – Ele afirmou. Visivelmente travava uma luta para controlar o que ele nem mesmo sabia o que era… – … Que esse ritual não é para mim? – Ele resfolegou, franzindo o nariz desgostoso. – Meu sangue diz respeito a mim. Por que você quer o meu sangue?

Annis não diria, era uma decisão de Koschei. A Arquimaga cruzou os braços e sorriu brevemente:

– Você está vendo aquele “x” em sangue na testa de Blair? – Indicou apontando com o indicador – Vai acontecer algo muito pior que a morte, se você se importa. O seu sangue, nas nossas mãos, pode ser uma preocupação para mais tarde. – O sorriso se desenhou no canto de seus lábios – Salve-a, Ras. Está em suas mãos.




Havia muitos lugares dos quais ele gostaria de visitar e nenhum deles era a sua própria casa. O silêncio agressivo que se instalara o incomodava. Cada um que fazia era único o bastante para deter uma atenção suprema e a reclusão de Tayrou dentro do seu quarto, sem querer conversar, não estava ajudando o Dragão da Escuridão. Ele nem sabia por onde andava Rosstrider. Pelo jeito, ele ficaria pela ilha acompanhando Cassian. Connor entendia, embora não tivesse a mesma regalia de permanecer próximo de Alexander. Sabia que podia influenciá-lo e não positivamente. Como seria? Ele não sabia. Apenas estava seguindo o fluxo e espero pelo melhor.

Connor varreu a casa, tirou pó dos móveis e somente então saiu para comer alguma coisa viva, caçando, mas retornando até rápido demais. Escolheu um dos livros que ainda não tinha lido em sua estante, mas adormeceu. Acordou no susto somente quando ouviu passos do lado de fora, tarde demais para ser qualquer uma de suas vizinhas curiosas.

Girou a chave e entrou tão silenciosa quanto havia caminhado pela vizinhança. Ártemis até se sentiu um pouco melhor em retornar para o seu canto familiar, cheiro e espaço. Quando notou Connor acordado daquela forma, pensou que estava sendo aguardada.

– Oi… – Disse em um sussurro, fechando a porta devagar e andando até o Dragão da Escuridão. Ártemis sentou ao braço da poltrona dele e repousou seu corpo ao de Connor para fitar o livro que ele estava lendo e abraçá-lo pelo ombro. – O que você está lendo? Sabia que eu estava vindo?

Desenhando um sorriso de escanteio ao se voltar para ela, Connor virou a capa do livro para ela ler. “Dois Irmãos”, do Milton Hatoum. Um escritor brasileiro famoso e condecorado. – Está em português, mas alguém me ensinou e me deu este, então… Eu consigo. – Ele pronunciou na língua brasileira com um forte sotaque e a abraçou bom um abraço, beijando-lhe a testa. – Eu não sabia, mas senti que deveria ficar em casa hoje, embora não estivesse com vontade de ficar. Aqui estou. – Ele afastou a franja dela da testa. – E você não deveria estar festejando com o Luar do Oceano na boate chique? – Disse a última em português.

– Estava chato. – Ela disse – Começaram a beber e se engraçar , eu fiquei sozinha. – Disse, lendo por cima algumas informações sobre o livro. – Sugestivo esse título. – Tocou a capa, mas logo recuou a mão para se encolher ao abraço de Connor. – Ladi resolveu ir para o fundo do mar, pelo o que entendi… – Murmurou chateada – Não saio mais. Eu odeio português. – Falava amuada – Tem uma banda brasileira que eu escuto e amo, mas me deixa só mais para baixo.

– Qual banda? Cante uma música deles para mim, quem sabe eu goste também? – Connor propôs, olhando-a e pensando. Chato… – Sim. Ladirus está bem longe da costa… – O Dragão olhou brevemente para o teto, pedindo ajuda a alguém invisível. – Ele está triste. Talvez só esteja precisando pensar um pouco na vida dele. Ladirus é antigo, mas ter um Coração ainda é uma novidade para ele.

– Se chama Sandy e Junior. – Explicou… Nunca cantaria Príncipe dos Mares, mas pensava demais naquela canção. – Vive no ar que eu respiro, é o amor, que entrou na minha vida… Meu coração hoje acordou buscando por você, sem medo de querer, meu coração, sabe porque te ama tanto assim, e quer você pra mim… Eu não sei explicar, esse amor que nasceu. Está em mim, é seu, te amo… – Ela interpretou com sua voz macia, e as mãos que tocaram o peito e depois afastaram. – Mas é muito triste. – Assentiu com o olhar entristecido e cheia de beicinhos quando falava. – Estou um pouco irritada que ele não está aqui. – Confessou – Tem outra pessoa que deveria estar bem no fundo do mar. Não o Ladi. E aí fiquei sozinha e nem posso mandar mensagem. Ele sabia que teria a Click hoje. Você acha que me abrir assim não é novidade para mim também?

Ele não havia entendido tudo, mas a canção parecia bem triste mesmo, apesar de agradável na voz que ela possuía. Connor apertou a bochecha da morena. Eu sou um péssimo conselheiro amoroso… – Eu sei que não. – E você conseguiu se abrir com ele. Certo. – Se ele fosse, não seria pior? Ladirus teve um dia ruim. Talvez tenha sido melhor assim? Eu não sei, Arty… – Connor fez uma pausa. – Eu esperava algo mais normal para você. Você… Já começou tendo a vida fora do normal e… Essa história me preocupa pra caralho, eu confesso. Eu não vou sair por aí batendo em ninguém, mas eu ‘tô preocupado, embora confie em você.

Ártemis franziu a testa sem entender a preocupação inteira. – Qual o problema? – Perguntou, olhando-o. – Qual o problema de verdade…? Por que aquela confusão inteira? É algo inocente. Eu estou saindo com alguém que eu descobri que gosto… E só! – Apertou os lábios, menos compreensiva. – Eu tive um dia péssimo. E fui mesmo assim… Porque achei que tinha uma chance de vê-lo…

– A diferença de idade? Eles tem dias de diferença de mim. Eu sou velho pra caralho… E ele estava enrolando com a princesa há pouco tempo… – Connor respondeu de pronto, olhando-a. – Ártemis, eu… Não tenho nada… Contra sexo, se é o que passou pela sua cabeça. É natural, é gostoso e eu recomendo. – O Dragão disse com leve humor. – Nunca disse para você: não faça sexo. Você é grandinha. Não é nenhum a absurdo. Nunca tivemos esses pudores aqui. Este não é o problema. É só estranho… – Ele apoiou o rosto na mão. – Eu tenho direito de ter ciúmes também, eu criei você.

Ártemis escutou as palavras com seus olhos surpresos, mas assentindo para as afirmações dele. Tinha certeza que sexo era uma coisa boa, e não tinha medo nenhum disso, mas onde morava o problema, então? Ela dedilhou os próprios lábios, pensativa.

– Ok… Você está com ciúmes porque me criou. Mas por que ele estaria tão triste assim? Você quem está com ciúmes, não ele… – Recuou o olhar para as próprias pernas – Espero que não demore muito lá embaixo. Mas quer saber? É culpa do Tayrou. Deve ter dito algo bem sem noção para ele. Mais do que ir para cima.  – Saltou do sofá e inclinou-se para olhar para o corredor e ver a porta do Dragão de Luz fechada. Ártemis estreitou seus olhos como se prestes a bater naquela porta, e andou na direção.

– Arty… – Connor a olhou seguindo para a arena. – Não piore as coisas… – O Dragão desviou os olhos. – Ladirus ama o Tayrou. Tayrou ama o Ladirus. Todos nós nos amamos muito e odiamos brigar. É lógico que isso chateia pra caralho. Você não tem irmãos, mas tem ao menos amigos que você não discute? – Suspirou. – Bom, sei lá, isso não é normal para nós… Sair na mão… Na garra…

– Exatamente por isso! – Respirou irritada – Pra quê brigar assim? Me fez de boba lá plantada, nervosa! Ainda não justifica o que ele fez! – Ártemis disse brava e caminhou até a porta de Tayrou. Ela pensou e pareceu precisar tomar coragem para socar a madeira com três golpes. – Espero que esteja feliz em estragar minha noite, seu idiota! – Disse para o Dragão da Luz sem ter certeza que ele estava lá.

De súbito, ele abriu a porta.

O rosto pálido parecia ter perdido a pouca cor que possuía, esbranquiçado. Os olhos estatelados se voltaram para Ártemis como se não a tivesse realmente. – Sai da minha frente, saco de pulgas! – Ele esbravejou, irritado de Fúria. – Connor.

O Dragão da Escuridão fechou os olhos, erguendo-se e passando para o Umbral.

– Faça-nos um favor para variar e fique aqui. – Tayrou disse para ela com os dentes cerrados em fileiras afiadas. – Está perigoso lá fora. Você me ouviu, Ártemis?!

Ártemis o encarou e franziu o nariz irritada, juntando sua energia rapidamente. – Que se dane! Você não manda em mim, eu vou para onde eu quiser, e se algo acontecer comigo, ainda, a culpa é sua.– Rebateu, ainda não enxergando a razão daquela conversa. – Vocês vão sair…?

– ‘Tá, faça o que você quiser. Se quiser sair por aí com um alvo na testa, o problema é seu mesmo. Eu avisei. – Tayrou disse, rispidamente. – Só poderei dizer “eu disse”. Enfim, não é da sua conta. Tchau. – Ele passou para o Umbral igualmente.




O punhal agravava a dor ou era somente a sua ansiedade o deixando nos braços de uma sensibilidade inconveniente? Rhistel havia tirado a camisa e esperava, de braços abertos, Black Annis fazer o seu meticuloso serviço de retirar o seu sangue. A dor o fez se distrair. Sentia-se esfriando novamente e a preocupação atingindo outros patamares, alcançando tudo o que poderia ser atingido caso alguma coisa acontecesse consigo. Jullian. A reflexão foi até o Lendário, mas não ficou por muito tempo pelo simples temer dos pensamentos vigiados.

O seu rosto estava deitado de lado no sofá e ele mirava Blair com os seus olhos escuros e preocupados. Ainda não havia calculado o problema como um todo, mantendo uma distância segura do desespero, mas poucas ideias lhe restavam além de uma briga suicida, reunida com uma Fúria que batia à porta da sua sanidade insistentemente.

Ouvira os gritos das pessoas rendidas na sala quando Koschei passou fazendo a sua limpeza sangrenta. Ele retornou à sala do piano sem o manto negro sobre o corpo, como se pudesse se dar ao luxo de não temer muitas coisas em sua vida, muito menos ser identificado. Camisa preta e calças jeans. Rhistel nem tinha certeza de que estava o enxergando como realmente era ou via apenas o que Koschei gostaria que ele enxergasse. Tinha certeza que o mesmo se aplicava a Ewen e o seu fedor de podridão que chegava às suas narinas sempre que uma brisa dançava a cortina creme.

Koschei se sentou sobre o braço do sofá, ao lado de Blair, observando o peito tatuado e cortado do Dragão:

– Por que você soltou Kenai, Blair? – O Arquimago lhe perguntou sem olhá-la. – Eu acho que me perdi no raciocínio. Eu juraria que vocês estariam juntos. Você se rendeu para o Luar do Oceano… Eu também não entendi o porquê. Nós te vimos num supermercado… Toda agarradinha com um moreno tatuado. De repente, Annis me conta que você está em Veneza e muito bem acompanhada, realizando uma viagem romântica… – Ele assentia. – Ras Algethi. Que surpresa…

A maga estava sentada de frente para Rhistel e acompanhava os cortes como se precisassem de vigia para que não o ferissem mais do que deveria. Annis era muito delicada, mas a visão da pele rasgando em pequenas medidas era uma leve tortura para Blair que não esperava ver Rhistel naquela situação. Mas ainda, a Maga expressava muito pouco. Quando escutou sobre Kenai, ela piscou seus olhos rapidamente e tentou resgatar a história em sua mente.

– Porque eu achei que deveria. Assim como libertei Drawn, e farei com Fayre. – Respondeu calmamente. – E outros… – Fitou Koschei brevemente – Eu cansei. Não vou estar mais sob domínio de ninguém.

Annis acabou sorrindo e rindo ao ouvir a conversa, encontrando alguma ironia. – E como andam suas noites de sono? Não recebe mais visitas quando dorme…?

Blair a fitou por alguns segundos e desviou os olhos pacientemente, evitando o assunto do seu Avatar.

Um sorriso se abriu com maldade nos lábios de Koschei, principalmente ao sentir o olhar de Rhistel:

– Ele aprovou esse romance? Eu estava curioso sobre isso. “Será que até ele caiu nas graças do moreno tatuado”? – Koschei se tocou no queixo, encenando a reflexão. – Eu até te achei até mais bonita, Blair. O amor está fazendo bem para você. – Dizia, olhando-a. – Eu nem achei que você fosse capaz de amar. Disse isso a Annis ainda ontem. – Koschei se voltou para Rhistel, fitando os seus intensos olhos escuros. – Mas ele é muito perfeito mesmo. Eu entendo você. Sempre invejei Elara e a sua perfeição em tudo o que fazia. Tenho certeza que tudo funciona perfeitamente nesse corpo.

Rhistel se voltou para Blair, piscando os olhos vagarosamente.

– Mas eu estou bastante interessado nessa questão. Você tem dormido? – Koschei perguntou a Blair.

Os comentários a deixavam desconfortáveis de propósito, mas não reclamaria, era uma das melhores formas que poderia encontrar Koschei. Feliz com a presença de Rhistel… Os amados Dragões. Amados até demais, concluiu, arqueando uma sobrancelha. Mas voltando a sua seriedade, a situação não poderia ficar mais estranha para Rhistel, sabia.

– Eu me surpreendi também. Eu não sabia que eu fosse capaz. – Disse, incomodada, mas não o suficiente para evitar a ironia, mesmo na voz apática: – Uma pena eu não ter nada mais natural para apresentar a ele.

Blair acompanhou uma gota sangue em sua trajetória, deslizando da adaga para o chão, quase embaixo do sofá, discreta e silenciosa. Desviou seus olhos rapidamente dela para Rhistel de novo, mas Annis havia abaixado e limpado a mancha vermelha do chão, assim como curava Rhistel a cada corte e sequer permitia que vestígios permanecessem. Como se o sangue fosse precioso demais. Blair esperou outra oportunidade. E prosseguiu a conversa:

– Tenho dormido, como um anjo, como nunca dormi antes… Talvez vocês tenham uma resposta para isso…?

O cenho de Rhistel se franziu. Ele achava melhor não se pronunciar e guardar qualquer dúvida que tivesse para si mesmo até que pudesse ficar a sós com Blair. A informação dada por Koschei, sobre o seu coração e cérebro, ainda o perturbavam o suficiente. Não tinha certeza se gostaria de saber de tudo…

– Nenhuma, mas você está diferente. – Koschei respondeu com franqueza, descendo os olhos até ela, mas retornando ao Dragão. – Eu precisaria estar lá para pesquisar melhor e sinto que você não vai me convidar para dar uma voltinha naquela ilha de estrelas. – Ele estendeu um sorriso selado. – Eu tenho duas desconfianças. Eu poderia abrir para você… Mas minha confiança em você já não existe. Eu tenho certeza que não conheço a garota diante de mim. – Ele riu, piscando os olhos expressivos e interessados. – Você me deixou bem confuso, Blair. Eu raramente me sinto assim! Parabéns.

Calado, Ewen se aproximou de todos. Rhistel franziu o nariz quando o cheiro infiltrou as suas narinas.

– Mas essa Annis é uma sadomasoquista. Eu tiraria uma foto sua bem agora! – Koschei ria. – Não sente falta daqui, Blair? Nem um pouco?

Annis sorriu tranquilamente ao terminar, a mão dela tocou no corte perto do coração, pressionando a ferida por mais sangue e o colheu com a sua agada. A maga chupou o dedo manchado e riu. Deixou a arma de lado e pegou um pano úmido dentro do balde para limpar o corpo do Dragão das manchas.

– Deve ser difícil conter tanto poder em um corpo humano. – Annis disse. – É um belo corpo. Mas deve ser difícil.

Blair observava a cena, silenciosa e cuidando para não demonstrar o quanto aquilo machucava dentro dela.

– Não sinto falta. – Blair respondeu a Koschei. – Eu gosto de lá… Do Sol. De dormir. Sem ninguém na minha cabeça…

– Você deixou uma Legião para trás… Ficou tão aberta e indefesa. – Annis se aproximou a encarando – Tem tornado tudo fácil demais, Blair. Você é mais esperta que isso. E do jeito que ele te olha… Parece que não sabe de muita coisa… – Fitou Rhistel por cima do ombro brevemente e se voltou a Koschei. – Encontrei. – Annis sorriu com satisfação – Está bem atrás do desenho da caixa fechada no peito. Vou buscar uma agulha. Guardar um pouco disso e fazer mais um teste. – Falava enquanto trocava Blair na ponta dos cabelos loiros, olhando-a por um momento – Você mudou mesmo. Deveríamos deixá-la ir? Não me parece saudável deixá-lo adormecer assim.

Blair ergueu o olhar aos dois, mas mantendo a imagem da adaga na sua visão periférica. Quando a minúscula gota caiu no chão, seu pé descalço deslizou por cima e o simples gesto respondeu suas dúvidas no momento. Havia tanto poder ali…

– Sim. – Koschei concordou, parecendo pensativo por um instante. – Eu concordo com você. Também prefiriria viver com pessoas bonitas e cheirosas do que o encontraria. – Ele encolheu os ombros. – Eu imagino que você esteja acostumado com monstros parecidos com criaturinhas do céu. Conviveu com Elara… Agora, com Jullian… – Koschei assentia. – Blair também é um caso desses. Quem avisa, amigo é. Você seria tratado como um rei aqui, sabia? Poderia ter a mulher que você quisesse. Sei que você é festeiro. Já te observei diversas vezes.

Rhistel não se manifestou, apenas o olhava silencioso e sério.

– Embora eu saiba que pela sua carinha de bom moço, você já está convencido nos moldes mais óbvios. – Koschei abriu sorriso risonho. – Pobrezinho.

“Ele não pretende deixá-los ir”, a voz suave de Ewen soou na mente de Blair, “Você precisará ser muito cautelosa se pretende manifestar um Efeito agora”.

– Vocês prometeram que iríamos sair. Eu não vou ficar. – Blair respondeu à própria Anis, recebendo a mensagem de Ewen, mas já trabalhando em um canal de comunicação.

“Eu não posso ficar. Por que está do meu lado?”. Disse a Ewen, escondendo toda sua surpresa, e acompanhando a resposta de Annis.

“Eu não estou do seu lado. Eu estou do lado dele. É apenas consequência”, Ewen respondeu, “Vocês precisam ir embora”.

– Não estamos mentindo. – Ela disse, tocando a testa de Blair com o polegar – Apenas estou preocupada com seu mentor… E não seja tão apressada, meu amor.

– E Rhistel voltará comigo. – Concluiu Blair. – Ainda demorará?

Black Annis recuou a mão e caminhou para fora do cômodo, atrás das agulhas.

“Polaris…”.

Chamou-a no seu efeito mais discreto, pisando um pouco mais firme no sangue e o absorvendo para dentro da sua pele, sozinho, aquela pequena gota terminou de curar seu pé sozinho e correu por seu espírito. O sangue deixou as linhas de primórdios mais claras em sua mente e Blair trabalhou para mover os fios mais invisíveis da realidade.

“Fayre…” Chamou-a também na segunda tentativa, com menos dificuldade pelo vínculo que tinha com os dois.




O Dragão de Três Cabeças já estava na praia quando recebeu a mensagem de Blair. As três consciências irmãs rondavam e tentavam detectar através da Matéria e da Magia o que havia os tragado do local. Rosnava, ofegante, perturbando o Umbral inteiro com a sua Fúria e ira assim que Ladirus espalhou a notícia. O Dragão de Água estava em seu forma humana e não havia saído do lugar desde que virá Polaris perder a paciência. Connor e Tayrou auxiliavam Acksul com os seus poderosos Efeitos.

Jullian fechava os olhos toda a vez que ouvia os rugidos de Fúria do Dragão da Matéria. Ele ainda precisava lutar contra a própria avalanche de preocupações de ter pedido Rhistel e Blair ao mesmo tempo. Ele tentava se concentrar em seu Efeito, auxiliado por Nathan e Nyra no processo, mas qualquer tentativa realizada acabava em uma via sem saída…

– Nyra… – Jullian a chamou. – Peça para Remi e Annik levarem a todos para casa, por favor…

– Ela já fez isso. – Nathan respondeu.

O Galliard passará por um intenso momento de estresse, casando o sumiço dos dois à possível traição de Blair que, graças a Gaia, havia sido descartada.

– Eu nunca senti essas ressonâncias. – Nathan murmurou.

– É deles. É da Goetia! – Acksul respondeu, urrando. – É DELES!

Calado e molhado, Ladirus se aproximou de Nyra:

– É minha culpa. – Disse aos três Garou. – Rhistel veio me chamar. Quando eu cheguei, eles…

Fayre havia acompanhado o grupo até a praia e estava sentada na areia os observando, lembrou-se minutos depois de um pequeno Ritual que Blair havia a ensinado para ficar mais próxima da Mensageira, para chamá-la. A maga desenhou na areia o losango profano e se centralizou ao meio, mas não conseguia contato e apenas escutava as ondas do mar. Ela os olhava esperando por mais sucessos, mas eles igualmente perdiam suas chances.

– Não é sua culpa, Ladirus. – Nyra disse ao Dragão de Água, estava tão agoniada que seus olhos até se encontravam nublados. – Eles estavam sendo vigiados. Era questão de tempo. Eu só não me conformo que tenha sido tão rápido. Sem uma luta? Rhistel e Blair são poderosos. Desapareceram dessa terra… assim?

Fayre fitou Ladi, mas se desviou a Nyra rapidamente.

– Não vamos achá-los se eles não quiserem. – Fayre estava sentada na areia e com as mãos sobre os joelhos – Blair me disse uma vez que eles tem espaços em outras dimensões. Podem estar em qualquer lugar. A melhor chance é abrir a mente para que eles nos encontrem… – Respirou fundo e coçou os olhos com o braços – Droga… – Não conseguiu evitar a expressão de agonia – Eles vão pegá-los de vez?

– Não existe uma forma de contatar diretamente a Mensageira? – Nyra perguntou, disposta a qualquer coisa que envolvesse Wyrm.

– Esse losango que eu desenhei. – Fayre indicou apontando – Ela tem um Cristal… Mas eu não o tenho… E uma oração… Mas eu já fiz e ela não atendeu. Eu não sei se vale a pena ir atrás dos cristais. Não lembro de ninguém que o tenha…

– Jullian? – Nyra o fitou, a esperança a cada segundo que ele conseguisse alguma conexão com Rhistel.

Os olhos de Ladirus seguiram até Fayre, silenciosos. Ele inspirou e abaixou a cabeça. Não se sentia menos culpado. Não conseguia…

Jullian se agachou na areia. Já havia tentado senti-lo, mas não se negaria a tentar encontrar o rastro de qualquer essência que pudesse lhe dar uma pista sobre o paradeiro do seu querido Dragão. Também lhe feria uma culpa. Havia se distraído tanto e possivelmente não percebido qualquer pista? Perguntava-se. Ele tocou os grãos ásperos com uma mão e enviou uma ordem para de si mesmo de relaxamento, tentando sentir e ouvir além das ondas do mar que quebraram próximas, mas nada além do que já havia percebido chegou a si…

– Não. Nada. Não consigo localizá-lo. – Disse com uma voz neutra escondendo o seu nervosismo. – Apenas sinto que está vivo e atordoado, mas parece mais uma sensação distante… Bem longe de mim. – Jullian ergueu o rosto para Nyra. – Julia conhece algumas pessoas…

O Galliard agachou ao lado do Lendário, olhando-o. – Não é melhor irmos até a Árvore de Dagda? Chamar o nosso Totem…? – Arriscou, agoniado. Atordoado.

– Não, Nate. – Ladirus disse, negando com a cabeça. – Aqui é o cordão umbilical do Efeito. Se há a possibilidade de encontrarmos o rastro, é aqui. Não foi realizado qualquer Efeito. Houve esforço ou não sentiríamos tantos resquícios.

– NÃO VAMOS SAIR DAQUI ATÉ QUE ELES VOLTEM! – Acksul assumiu a forma hominídea, caminhando até o grupo. – Ladirus tem razão. Ladirus tem razão

Fayre e Nyra se assustaram com o grito humano de Acksul, que não era pior do que as cabeças, mas igualmente capaz de fazerem-nas pular.

– Acksul você está me deixando nervosa gritando assim. – Nyra reclamou limpando uma lágrima. – Esperar pode ser inútil.

– Shhh… – Fayre tocou o lábio com o indicador pedindo silêncio e se ajoelhando na areia.
Foi nesse momento que as vozes começaram e ela passou a filtrar com dificuldade, agarrando-se a areia e se perguntando porque a falta de clareza? Devia estar muito longe, pois a voz de Blair era sempre muito nítida quando buscava falar à distância.

“Polaris… Fayre…”.

A Maga identificou seu nome e o do Dragão Furioso, que embora não gostasse nada de Polaris, tinham a preocupação em comum. Fayre o fitou brevemente, para saber se ele também escutava Blair, mas da forma que Nyra arregalou seus olhos, também conseguia escutar. Blair havia enviado sua voz para o local do efeito e todos podiam ouvir seu sussurro.

– Blair?

“Eu não sei se podem me ouvir… Eu preciso de um ritual para quebrar uma jaula umbral. Alguém…?”.

– Estamos ouvindo. – Nyra disse baixo.

Mas Blair parecia com dificuldade de captar as respostas, e mesmo assim, não desistiu da comunicação e enviou algumas imagens mentais para os que estavam perto do local do efeito: um casarão perdido em um espaço e tempo, impossível de ser alcançado, Rhistel em situação de perigo, com vários cortes pelo seu corpo, e especialmente em suas tatuagens. Eles também veriam Annis o cortando. Koschei e Ewen. Tudo pelos olhos de Blair.

– Droga. – Fayre soluçou agoniada e abraçou-se nervosa – Goetia está com o Rhistel. Eles estão presos…

 “Eu preciso de um Ritual…” A voz da Maga soava muito baixa “Eu preciso de sangue. Eu só conheço com Sacrifícios. Duas mortes, todo o sangue, vai me dar energias para fugir com Rhistel daqui… Acredito que possam ser animais… Grandes… Mas preciso de uma conexão forte para nos puxar…Estamos presos…”.

A última imagem que receberam era de um ritual. Um imenso círculo, cheio de desenhos geométricos, que Nyra conseguiu decorar com sua mente fotográfica, com dois animais grandes mortos nas extremidades e os riscos criados com o próprio sangue deles. Um pentagrama dentro desse circulo que deveria ser desenhado sentido horário, “Não se esqueçam, sentido horário” – Blair os alertou, sentindo a consciência deles, mas não conseguindo ouvi-los. “O símbolo do planeta terra  deve ser desenhado com cuidado, bem no centro, ervas, água, velas e sangue. Vai nos puxar de volta…”
“Polaris? Eu vou usar a escama…”
.

O Dragão da Matéria mudo e parecia nem ouvir as recomendações, piscando os olhos distantemente. Jullian o fitava, mas as imagens que recebia o distanciou do presente, sentindo dores em seu corpo como se fosse ele a receber os cortes.

– Estão o drenando. Por quê?

A Fúria de Ladirus despertou, sentindo também a dois irmãos presentes. Connor e Tayrou se aproximaram, observando Polaris como se aguardassem uma manifestação. Ladirus os olhou, mas o sentimento de dor dentro do seu peito ao ver o irmão mais próximo em mãos tão sujas. O Dragão de Água se tocou sobre a camiseta úmida, massageando-se ao peito dolorido.

– Poder. – Quando Polaris falou, a voz, mesmo em forma hominídea, não parecia falar sozinha. – Estão buscando por um tipo específico de essência. Eu já vi isso antes. – O Dragão da Matéria fechou os olhos.

– Podemos usar humanos, Blair. – Jullian disse, observando a areia. – Criaturas conscientes moverão intensidades em um Ritual. Eu posso consegui-las para você. – Inspirou.

– Eu vou com você. – Nathan disse a Jullian e não se intimidou com o olhar frio que recebeu do Lendário. – Nós vamos fazer isso juntos, Jullian.

“Seja humano ou animal, eles precisam ser sacrificados no círculo, o sangue precisa estar fresco. Só temos uma chance… Eu vou sentir quando concluírem… Estejam preparados, ainda estou trabalhando na fuga”.

– Vão atrás dos corpos. – Nyra  disse firme a Jullian e Nathan, seus olhos estavam marejados, mas agia consciente da situação. – Eu vou fazer o círculo na areia e praticar.

– Eu vou ajudar no desenho.– Fayre os olhava com a mesma preocupação, observando a agitação dos Dragões, mas decidindo que não era o melhor momento de ficar apavorada sobre a força deles, nem desesperar.  – Eu já vi esse Ritual antes. É um canal que levava a Blair para outros lugares no mundo.

Nyra concordou rapidamente.

– É melhor vocês irem atrás desses itens naturais que representem a terra e os elementos… Velas, terra fértil, algum animal pequeno, qualquer coisa… – Nyra disse a Connor e Tayrou. – Blair está esperando o momento oportuno e temos que ter isso pronto rápido. Ladi… Você pode buscar algumas plantas no meu acervo na estufa, e há a água portável da gruta de juno, ela é pura e ideal. Só os melhores itens. E Polaris… E… Nina…

Nyra fez uma pausa ao ver a Dragonesa pousando e mudando de forma antes de tocar inteiramente no chão.

– Melhor ficarem aqui…

Enquanto a movimentação ocorria entre eles, Polaris se sentou no chão com as pernas cruzadas na areia e as mãos sobre os joelhos. Ele piscava os olhos azuis marejados, mas não chorosos. Não se permitia derramar lágrimas ou descontrolar-se. Precisava permanecer calmo mais do que nunca. Os dedos pálidos se agarravam a si mesmo. Ele piscava rápido, sem se atendar em nada particular. Os lábios unidos e cheios, colados, não permitiam a passagem de ar e o seu nariz se dilatava as narinas a cada inspiração profunda. Ele queria quebrar alguma coisa. Destruir, matar. Os olhos se fecharam apertados e o cenho se franziu. Tudo o que ouvia era o próprio coração. Tu-dum, tu-dum, tu-dum…




Rhistel pestanejou, voltando os seus olhos receosos para Black Annis. Bloqueie o seu coração. Não permita que saia o sangue dele para esta agulha. O pensamento foi muito preciso. Tão único quanto ouvir alguém dizer uma novidade. O Dragão de Gelo fechou brevemente os olhos. Eu consigo controlar disso? Pensou, sentindo coração forte bater. Consigo.

– Está doendo. – Rhistel reclamou, movendo-se num impulso de se livrar da picada. O olhar pedinte seguiu até Blair e Koschei.

– O seu namorado é um manhoso. – Koschei disse a Blair, maldosamente humorado. – Como vai ser quando receber críticas ruins em cima do seu álbum, Ras?

Rhistel arqueou uma sobrancelha.

– É, você pensou que eu não iria ouvir? – Koschei se tocou sobre o peito, ofendido. – Ouvi. Gostei. Muito profundo. Você me lembra muito a Elara. Até no jeito manhoso de ser, sabia?

Annis recuou a agulha quando ele se encolheu, e o escutou lamuriar. A Arquimaga sorriu divertida, como se qualquer vírgula fosse o suficiente para entreter quando se tratava de Rhistel. Blair não via da mesma forma… Embora parecesse muito calma e centrada, lutava a todo segundo contra uma fúria isolada em seu peito.

– Não vai doer. – Ela colocava o que tinha retirado em um tubo de ensaio. – Só vou encher esse, e pronto… Está terminado.  – Seus olhos claros e levemente caídos o encaravam, sua mão voltou a tocar o peito de Rhistel, procurando outro furo. – Você é uma gracinha mesmo, não? Todo preocupado. Seus irmãos devem estar muito preocupados com você… – Ela o perfurou mais uma vez – Bom menino…

Blair desviou o olhar, com dificuldade de encarar a cena, e encontrou o olhar de Koschei; insano pela energia que circulava em Rhistel, até onde um tubo não seria o suficiente e fossem tragados novamente, se é que seriam libertos.

– Ele não é o único que a lembra. – Blair disse, mantendo os diálogos para prolongar o tempo… – Bem… Vocês devem saber, já que tem os vigiado todos… – E tentava tirar a atenção de Rhistel a todo instante. – Você ainda não disse o que planeja com o sangue. Eu também estou interessada sobre as suas duas teorias sobre o adormecimento do meu Avatar… Mesmo que não confie em mim…Posso ouvir ao menos uma, Koschei?

– Não todos. Alguns são mais difíceis de se aproximar, mas estamos estudando meios. – Koschei disse, inspirando romanticamente e demoradamente antes de olhá-la de novo. – Eu não pretendo nada. É Black Annis que está tirando. – Brincou, sorrindo de escanteio e entrelaçando os dedos das mãos sobre os joelhos. Ele a fitou com uma leve impaciência. – Preciso de mais detalhes de sua vida atual para formar uma teoria mais concisa. – O sorriso se desenhou forçadamente. – Ras?

Os olhos negros mesclados de cereja do Dragão se focaram nele. Não era difícil de adivinhar que ele sofria dores terríveis no procedimento de Annis. Ele estava corado e o seu corpo suava.

– Se eu soltar Blair sã e salva, você fica comigo?

As sobrancelhas de Rhistel se arquearam.

– Oh… Ele fica. – Koschei empurrou Blair no ombro. – Ele ama você, Blair. Não é só uma aliança bonita. – O Arquimago demonstrou o mesmo incômodo no comentário seguinte. – Alianças poderosas.

Tentou, mas não escondeu a breve surpresa de pensar na situação. Que ele se colocaria no seu lugar? Claro que nunca deixaria, mas ainda parecia um gesto demais, do qual não estava acostumada a receber. Ela já se sentia mais apta e acostumada à tortura de viver ao redor deles. E por alguma razão, a ideia de se manter calma começava a se desfazer como areia na ampulheta. Respirou fundo e lembrou-se do foco.

– É uma vida normal. Dormir, comer… Menos contato com a Wyrm. Mais próxima dos Dragões… – Voltou a falar, porque sentia que era sua forma de se manter viva e salvar Rhistel – Eu não o acesso mais, nem procuro-o… Mas eu não tinha essa opção antes… – Explicava, não olhava para Rhistel, pois isso diminuía seu tempo e estabilidade. Ele estava sofrendo e nada a machucava mais. – Meu reflexo me abandonou como se eu fosse uma Lasombra… Como se tivesse me negado o direito de me ver… Mas o silêncio é completo.

Annis a escutava e puxava devagar a pressão da seringa, a agulha era grande, mas não puxava grande quantidade naquele processo Mágiko. De alguma maneira o corpo de Rhistel parecia negar cada vez mais o sangue, mas ela continuava puxando lentamente.

– Não. Eu não estou falando sobre isso. O que aconteceu de novo, além de você se apaixonar? Pois Elara confiava muito no amor, apesar de não para ela. Eu sinceramente desconfiaria que amor, nesse caso, gera poder. – Koschei falava, com seriedade fria. – Algo diferente aconteceu, mas você pode procurá-lo ainda. Talvez ele esteja descontente com a sua atual posição ou ele pode estar esperando por alguma coisa. O seu Avatar é um grande estrategista, mas também nunca foi… – Ele gesticulou um cabresto. – … Simplesmente firme em apenas uma ideia. Ele é um raro tipo de mente aberta, como o meu. – Esboçou um novo sorriso desconfortável. – Polaris talvez tenha mais informações. Ele conviveu com o seu Avatar. Talvez não esteja te contando detalhes. Você também, Ras Algethi. Uma pena que não se lembre de tudo.

Rhistel o olhou brevemente, mas fechou os olhos e gemeu, sem se mover. Acabe logo isso. Acabe logo com isso e descubra que não terá o que quer. O Dragão gemeu novamente. Koschei o olhou em fria análise, refletindo…

– Você está ligada a ele. Polaris. – Afirmou, voltando os olhos para ela. – É claro que está… Ou não? Não deveria ser possível, ele… Está preso, não está? Todo mundo morre de medo dele… Com razão! – Koschei riu. – Ele destruiu o nosso antigo líder com uma facilidade que eu não consigo esquecer.

Os passos de Ewen seguiram para a janela e a sua movimentação trouxe o fedor de podridão à tona. Ele suspirou, incomodado.

– MacLane o viu ser morto de pertinho. – Koschei sorriu desgostoso. – Ele não a comeu de uma vez. Polaris o bloqueou completamente. Bloqueou tudo o que ele era e confinou-o como um inseto, assim ó… – Koschei espalmou as mãos e começou, devagarzinho, a destruir o tudo o que ele era. Eu digo… O seu corpo, a sua mente… E a sua alma.

Annis lançou escudos de forças seguidos para evitar ser pega pela corrente de sangue, e encostou-se à parede antes de ser pega pela última investida. A Arquimaga fitou o  Dragão surpresa, e acompanhou a reação de Koschei, esperando uma posição. Havia tanta raiva em seus olhos, que parecia prestes a terminar o que havia começado ao marcar a testa de Blair.

– Não ouse… Existem muitas formas de matar uma pessoa, Ras…

Blair respirava agoniada, tocando o próprio ombro perfurado. Ver Rhistel lutando não estava ajudando a se acalmar ou pensar na decisão mais inteligente. Mas então ele liberou sua mente do feitiço e ela realmente achou que poderia reagir. “Polaris…” Ela o apressava, e segurou a perna de Rhistel, o sangue transbordando de seu corte a cada vez que respirava. Queria falar na mente dele, mas o turbilhão que encontrava entorno do cérebro a fez recuar ou necessitaria de muita energia.

– Afastem-se. – Ela disse raivosa para Koschei e Annis – Afastem-se ou vocês vão perder nós dois.  Eu vou morrer, ele vai embora, vocês não terão nada. Afastem-se! Saiam! –  Blair gritou, segurando-se para não revidar.

Annis encarou o Dragão e Blair, e então Koschei.

Ewen se voltou para a cena e os seus lábios se entreabriram.




Já havia tomado algumas multas. Tinha certeza. Nenhuma delas irá para mim. A forma como Nathan estava dirigindo o carro roubado não poderia ser mais imprudente, envolvendo cavalos de pau e corridas ousadas em becos.

Os dois homens no banco de trás pareciam nem mesmo notar que estavam ali, observando ao redor distraídos, mesmo quando os seus corpos eram pressionados para frente e segurados pelos cintos de segurança bem presos. Jullian estava focado no caminho, sem reclamar das imprudências. No máximo, perderiam dois sacrifícios e precisariam buscar mais, mas o tempo parecia precioso demais para ousar com meras seguranças. Os dois largaram o carro antes que a polícia chegasse para aprendê-lo. Correram para um beco, acompanhados dos homens distraídos.

– O que fizeram? – Nathan perguntou.

– Estupro. – Jullian lhe respondeu, seco.

– Ah.

Os olhos do Galliard os analisaram brevemente após serem jogados na Penumbra. Eram dois rapazes muito bonitos e pela marca de suas roupas, ricos ou ladrões. O Galliard apostou em muito ricos, mas guardou as suas conclusões para si. Na realidade, ele não estava se importando. Quando atravessaram a sua diante de praia, já conseguiram enxergar o ritual. E Polaris gritava:

– ALGUMA COISA MUITO RUIM ESTÁ ACONTECENDO! RÁPIDO! RÁPIDO! – Apressou-os.

Ladirus estava de joelhos no chão, abraçando-se. Chorando?

– O que aconteceu? – Jullian perguntou a Nyra, aproximando-se.

O círculo já estava pré-desenhado na areia, Tayrou e Connor terminaram de trazer os itens e Nyra os posicionou no meio do símbolo da terra. Blair continuava mandando imagens eventualmente, apressando-os, mas em certa altura parou.

– A última coisa que vimos… Blair foi… Ferida… Como uma adaga… Rhistel reagiu… Não temos mais contato. – Nyra disse, com as lágrimas caindo dos seus olhos, naquele instante parecia uma batalha perdida; mas assim que Nathan e Jullian posicionaram os corpos, a Theurge correu para completar o Ritual.

Fayre observou Ladi ao seu lado e o tocou no ombro muito brevemente como uma forma de pedir calma. O Dragão pousou a mão sobre a dela pelo pouco que durou o contato, erguendo o olhar para a Maga quando ela se distanciou. Fayre andou na direção de Nyra para auxiliar, igualmente sem medo de abrir cortes na pele dos homens e começar a sujar as mãos para montar o grande ritual.

– É melhor usar tudo o que temos. – Fayre disse ao terminarem de completar o desenho. A maga pisou fora do círculo e estendeu sua mão na direção dele, Nyra repetiu o gesto para impor sua quinta essência, e aguardou os outros.

– Não é um ritual de banimento ou invocação, é um canal. – Fayre disse, com sua mão tremendo. – Algo pode surgir daqui. – Ofegava, nervosa – Cuidado.

Conforme a realidade aceitava a alteração em um embrulho, as gotas de sangue começaram a sair da terra e flutuar com as chamas provindas das velas. As gotículas no ar dançavam com linhas de fogo e começaram a fazer um movimento em espiral, subindo e subindo, até que sumissem em certa altura, como se estivessem atravessando um portal invisível há muitos metros do chão.

Polaris!

A voz de Blair o chamou audível e em puro desespero.


Jullian!


Polaris se virou na direção de Nathan, assistindo Jullian cair de joelhos da areia umbral, levando as mãos à cabeça. Ele tentou gritar, mas a voz não saiu. De repente, sentia-se estranhamente aéreo. Começou a caminhar para trás. O ritual já havia começado? O espaço pareceu subjetivo. Ele caminhava como se já estivesse chegado onde gostaria. E então caiu, debateu-se. A dor chegara toda de uma vez e obrigou-o a mudar de forma. Urrou, erguendo as três cabeças e disparando línguas de fogo para o céu. Deixou-se cair, rosnando. Subitamente, retornou à forma hominídea.

Um sorriso brincava em seus lábios cheios. Ele se ergueu, sentindo a areia em seu rosto e piscou os olhos vagarosamente.

Não conhecia a sala, mas conhecia muito bem aqueles rostos e já não precisava somente dos dois olhos humanos para enxergá-los ao mesmo tempo. Olhou para Blair que estava ao lado de Rhistel na parede oposta em que enxergava os três. Os três. Polaris empurrou Blair e Rhistel em direção ao vórtice gerado pelo ritual, mas a maga segurou seu braço e negou. Quando Polaris sofreu metamorfose, Blair estendeu um escudo por seu para se proteger da estrutura da casa que desabou. O segundo passo foi um teleporte até as costas do Dragão de três cabeças, Blair segurou a segunda corrente, frágil e solta, quase invisível ao corpo dele e a puxou com passos para trás, libertando-o completamente da primeira amarra. Os olhos da maga brilhavam na sua intensidade amarelada, e assim como Ras e Polaris, Blair se perdeu de si, ensandecida pelos sentimentos que seu Dragão compartilhava. Elo pelo sangue. Quando retornou para o chão, Blair penetrou suas mãos na terra e a película local começou a formar grades, disposta a impedir a fuga dos três magos. Como um felino prestes a dar o bote, Polaris se posicionou acima dela antes de abrir as suas três bocas e passar a carregar três esferas crescentes diante de suas bocas.

Quando as correntes começaram a cair, Annis percebeu que a luta que começaram a preparar era inútil naquele ponto. Sua mente tentou buscar como Polaris havia surgido ali, e o último relance de imagem: os olhos vermelhos de Rhistel, a pulsação forte de seu corpo, Blair sangrando no sofá e uma escama pressionada entre os dedos da garota. No minuto seguinte um golpe de energia que os fragilizou e Polaris no espaço. Mas até mesmo essa breve retrospectiva não pareceu o suficiente para explicar o que estava acontecendo.

– KOSCHEI! – Annis gritou, erguendo um imenso muro de terra, destroços e energia pura para que preparassem sua fuga – EWEN!

O Efeito de Black Annis não aguentou o impacto das baforadas e os três foram arrastados para trás a medida que a pressão da exótica quintessência vida do Dragão da Matéria os atingia e Efeitos emergenciais precisassem ser erguidos com pressa, causando choques e ferimentos. Polaris avançava, abrindo os seus três pares de asas e vendo-as de modo a atraí-los para si em uma corrente de ar intensa.

– NÃO O ATAQUE! ELE VAI TE COPIAR! SE NÃO TEM CERTEZA QUE PODE MATÁ-LO DE UMA VEZ, NÃO ATAQUE! – Koschei gritou para Ewen quando viu o Arquimago se preparando. – EWEN!

Ras Algethi pousou às costas deles e por pouco não acertou Ewen em suas costas. O Arquimago sentiu as garras poderosas fatiarem como persianas a sua capa. O Dragão de Gelo rosnou e lançou uma poderosa baforada congelada, temperada em pura energia. Koschei parou o ataque, rebatendo-o, mas sentiu-se atingindo pelo o que sobrou e não conseguiu aparar, já exausto de conter a baforada de Polaris, ferindo-se. Os dois Dragão alçaram voo. Ewen elevou novamente um escudo de energia. Os olhos apreensivos se fixaram em Blair.

– Não. – Koschei alertou-o. – Não. – Negou, afundando a mão no bolso da calça para puxar uma pequenina esfera violeta e estourá-la.

Mesmo quando os dois ergueram voo, Blair permaneceu na terra sem se preocupar com a sua proteção, porque sabia que a única alternativa dos três era fugir. Seu rosto erguido para o alto encarava as duas criaturas em pleno voo, enquanto seus corpos imensos se alimentavam do ar e transformavam em energia. Piscou seus olhos brilhantes devagar e guiou-os até os três em desespero. Aquela satisfação durou pelo tempo que os imaginou mortos, mas no fundo sabia que não era aquilo que aconteceria. Eles sempre fugiam. Talvez não hoje. Assistiu sua mão se erguer e o punho se fechar com força. Black Annis percebeu o ataque de Blair a tempo e conseguiu proteger a pequena esfera de Koschei, antes de fosse retirada da mão dele, rebatendo a força Mágika. Mas não conseguiu prever que ao mesmo tempo que Blair usou a esfera comum à todos para tentar roubar o cristal de energia, destinou parte da sua quintessência à sua habilidade negra, explodindo o espaço onde Koschei estava. Quando os três sumiram, o pé do Arquimago ficou.

Blair voltou a olhar os Dragões pousando, e a terra em que estava estremeceu com seus corpos. Um forte zumbido ficou nos seus ouvidos pela energia potente das baforadas e seu corpo inteiro formigava. Blair se deixou cair no chão debruço, e rir. Tentou se erguer, mas como se sua barriga fosse doer pelo riso, voltou a se deitar. O  gesto pouco natural se confundiu com um soluço e lágrimas, a falta de ar, o som da risada misturada ao choro, e aos poucos o silêncio.

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