Mary Shelley

Categorias:Romance
Wyrm

Quando Torvo se despediu de todos, Rhistel imaginou que Acksul o seguiria – o que não foi o caso. Assim que Blair espalhou as propostas de trabalho cinematográficas pela mesa e Lavinia começou a analisá-las, Acksul se sentou mais pertinho da Garou e começou a realizar diversas perguntas. Para quem não queria falar sobre assuntos mais triviais em comparação aos da Goetia, ele estava interessado até demais, sorria demais e até gracejava. Lavinia era uma garota muito bonita e indiscutivelmente interessante, mas nenhuma qualidade feminina costumava chamar a atenção do Dragão da Matéria antigamente. Todavia, se a Garou estava incomodada ou sequer havia notado, não demonstrava. Pelas fotos que havia visto de Elara, a Vinnie lembrava bastante a tia-avó embora não possuísse o mesmo estilo glamoroso. Talvez fosse só por isso todo aquele interessante de Acksul. Enquanto almoçavam um combinado de saladas e conversaram, Rhistel companhava a conversa, lançando olhares significativos para Blair o tempo todo.

– Uma pena. Este é ótimo, mas o diretor é acusado de assédio sexual e até estupro. Eu e os Focinhos Vermelhos estamos na cola dele, mas ele é muito protegido. Criatura horrenda. O filme parece ótimo… Mas não. – Ela lançou a pasta para longe.

– Parece que só tem isso em Hollywood. – Acksul observou as patas descartadas. – Não consigo compreender a motivação de um homem em forçar uma situação como essas. Está além das minhas capacidades.

– É. Homens. Nem eu consigo entender… Mas não me importa os motivos. Peças a serem eliminadas. – Lavinia encolheu os ombros. – Esse. Mary Shelley. Por favor, pense nesse. A diretora é ótima. O roteiro não é meu, mas deu participei dando alguns pitacos.

– Que horas você precisa ir, Blair? – Rhistel sussurrou para a Maga, olhando-a antes de roubar um selinho doce dos seus lábios.

Blair estava com a cadeira colada a de Rhistel e os cotovelos apoiados na mesa, observando o que Lavinia descartava ou deixava na lista de ‘pensar sobre’ ou, na menor lista, os ‘com certeza’.

Também havia notado alguma interação estranha da pare de Polaris. Dificilmente ele aceitava companhias.
Enquanto ainda reparava em tudo, trocava mensagens no celular com alguns contatos de trabalho e também cruzava seu olhar com Rhistel o tempo todo.

– Daqui umas duas horas no máximo… Eu costumo enrolar… Envio uma cópia, eles acham que me veem interagindo ou andando pelo estúdio, e teleporto para o camarim… – Disse, deixando o celular de lado para o olhar. Blair também falou baixo:– Vai ser uma cena intensa hoje. Eu deveria estar trabalhando minha tensão. Mas não consigo com você perto e me olhando. – Riu baixinho e roubou um selinho, voltando-se a mesa. – Ok. Mary Shelley… – Pegou a pasta – Parece curioso. Personagem doce e mórbida, com certeza… – Abriu-a – Você está para dirigir algo, não Vinny?

Rhistel sorriu para ela, timidamente, mas com um sorriso que expressava o seu divertimento. O Dragão apenas aguardou pelo comentário de Lavinia antes de se manifestar:

– Ah. Eu estou tentando. Não é tão fácil. Quando você é mulher… Você entra em muitos processos antes de conseguir. Eu ainda tenho uma longa estrada de perguntas e confirmações até lá, mesmo que o meu nome tenha peso… – Lavinia comentou, neutra. – Espero que dê certo. Eu sou muito fã do roteirista…

Interessado, Acksul esticou o pescoço, tentando enxergar o que ela estava lendo. Rhistel fitou a Garou e se voltou para Blair:

– Eu não tenho a menor intenção de te deixar tensa… Talvez você devesse me expulsar. – Ele deitou a cabeça no ombro da Maga, olhando-a. – Meu single sai amanhã… Amanhã começo a gravar o videoclipe… E amanhã também é o Solstício. – Comentava, olhando-a. – Amanhã… Eu quero escapar com você.

Blair sorriu ao sentir a cabeça em seu ombro e tentou não demonstrar quando seu coração disparava com qualquer proposta dele. Especialmente aquelas que ela não sabia o destino:
– Você vai ter tempo para mim nessa agenda cheia, mesmo? – Brincou, deslizando seus dedos para alcançar a mão dele e a acariciar levemente. – Para que espaço sua mente está nos projetando?

Os dedos dele se entrelaçaram aos dela, assim como o seu coração estava. Apesar de escorado como um gato manhoso, os olhos detinham uma profundidade maliciosa. Ele esticou o pescoço e pousou um beijo delicado no pescoço de Blair, abrindo um sorriso que cresceu vagarosamente em seus lábios avermelhados antes de murmurar. – Huh-hum… Ninguém vai se lembrar de nada depois do Solstício de Verão. Vamos de dia. – Ele soltou um risinho. – Eu quero te levar num lugar que eu gosto demais. Tenho certeza que você vai gostar também…

Ela não o olhava, mas o sentia tocando sua mão e prestando atenção na respiração e sua fala. Os sorrisos dela apenas cresciam e eram contidos e mordê-los, risonha como sempre e levemente corada. Os olhos seguiam pelo roteiro sem lê-lo.

– Eu já aceito o passeio. – A respiração fluía levemente por entre seus lábios e acabou rindo baixo quando ele o fez – Mas você precisa me dizer como eu deveria me vestir ao menos… Já que não tenho ideia para onde vamos.

– Ahm… – Ele se endireitou, olhando-a de perto. Os olhos escuros intensamente dilatados, observando-a. – Estará bem quente. – Rhistel riu novamente, baixo, e suspirou. – O clima… Do lugar… É verão. – O sussurro desceu um tom. – Mas sinceramente, Bee… Eu pretendo te deixar no verão em qualquer lugar… Até te ver corada assim, pedindo por mim…

– Já estamos bem íntimos agora. Bem íntimos. – Lavinia comentou, erguendo os olhos para o casal e voltando-se ao roteiro. – Se eu estivesse carente, eu estaria depressiva aqui bem agora.

Polaris arqueou uma sobrancelha.

– Talvez eu esteja. – Declarou.

Lavinia se virou para ele, franzindo o cenho:

– Você?

– Sim. – Ele respondeu, olhando-a.

– Sei. – Ela retornou os olhos ao roteiro.

Blair ainda roubou um selinho demorado de Rhistel antes de dar atenção à mesa. Ela puxou um novo roteiro ainda não visto e se interessou pela história:

– Veja esse… – Entregou a Vinny – É um clássico.

Seus olhos se ergueram ao sentir a presença de algo que não pode identificar, mas havia um belo lobo do outro lado da varanda os olhando. Nina era muito diferente dos convencionais. Seu pelo era negro, tão escuro que era difícil se ter perspectiva do corte, mas era longo. Haviam muitas tatuagens nesse escuro, azuis marinhas e luminosas – uma lótus na testa e pinturas circulares sobre os olhos até as orelhas. Os olhos eram muito escuros e passavam uma energia atrativa enquanto rondavam. As tatuagens azuis também estavam pelo resto do corpo, fazendo círculos de ramos nas patas, desenhando seus galhos nas costas e por fim na longa e felpuda cauda. Nos tornozelos das patas, haviam finas correntes douradas com muitas moedas presas, e não faziam som algum.

A “Garou” seria facilmente reconhecida na sociedade nos últimos meses: Nina “Carta-do-Destino” O’Hara, Fianna do Magia Oculta e traidora da Seita. Mas Blair sequer sabia de quem se tratava, e ela não fez questão de se apresentar. Apenas parecia aguardar a atenção dos irmãos para que saíssem ao seu encontro.

Como não havia visto uma loba como ela na Ilha? Porque ela não estava. Como um fantasma, sua ausência passava sem ser notada assim como a eletricidade estava em todo o lugar e não se sentia. Mas não havia chegado sozinha, e aquelas que sabiam que ela estava ali, também não se pronunciaram.

Tendo tempo o suficiente para notarem sua presença, ela se afastou um pouco na varanda e aguardou.
– Vamos ver… Eu tenho um certo receio de clássicos, mas quem sabe… – Lavinia pegou a pasta e a abriu. – Nem todo mundo sabe fazer um clássico. – Ela desenhou um sorriso de escanteio em seus lábios rosados. – Oh…

Distante, Rhistel se perdeu na conversa. Os ralos pelos do seu braço, escondidos na pele morena e bronzeada, estavam todos arrepiados. O Dragão de Gelo franziu o cenho, fitando o próprio prato tão limpo quanto a sua fome pedira, encarando o seu próprio reflexo. Muitos anos desde que tivera a última impressão de tal proximidade. Companhia que o acompanhou conhecendo a Europa inteira em seus prazeres e desgraças. Tantos anos que cheguei a pensar que estivesse morta. Rhistel coçou o pescoço e ergueu o olhar para Acksul. O Dragão da Matéria lhe devolveu um sorriso selado sagaz e malicioso.

– Eu já volto. – Rhistel se ergueu, atônico, mas gradativamente ansioso. – Vou ali.

Calado, Acksul o acompanhou com os olhos por um momento e ergueu-se também, seguindo-o. Arqueando uma sobrancelha, Lavinia seguiu os dois ainda com a imagem da loba em sua mente, mas não se sentiu convidada a ir. Os olhos azuis se voltaram a Blair brevemente antes de retornarem aos roteiros, menos concentrados pela curiosidade que seguia para o lado de fora.

Rhistel afastou a cortina com os dedos, desconfiando ainda das próprias sensações. O coração estava disparado quando pisou os pés na varanda e ele sentia se estremecendo inteiro com as vibrações de suas emoções. Resfolegava pelas narinas, encarando a criatura mística como se ainda não a reconhecesse, apesar de todos os seus sentidos contarem o segredo.

A loba rondou em círculos ao aguardá-los e esperou a cortina ser fechada primeiro. Olhou-os como se quisesse ter certeza de algo, e então mudou de forma em uma transformação quase mística, onde pequenas faíscas estalaram de uma onda de energia entorno do seu corpo. Quando estava na forma humana, Nina ainda tinha aqueles olhos vivos, mas acompanhado de um sorriso que foi se destacando aos poucos até demonstrar a imensa felicidade que sentiu. A Dragonesa estava em vestes pouco convencionais, como se estivesse pronta para entrar em algum palco e dar uma performance. Salto scarpin branco, uma calça folgada mas justa aos tornozelos e cintura amarelo limão e um tope branco de alcinhas. Ela tinha um corpo definido, a pele morena e os cabelos escuros, médios, levemente ondulados e desfiados nas pontas. No seu pescoço uma corrente fina dourada e uma medalha cheia de símbolos e desenhos em relevos. Parecia que carregava aquele objeto por anos, pois brilhava uma energia peculiar.

– Minhas estrelas preferidas. Espero que eu não seja uma estranha a vocês, pois não são a mim. Especialmente a você, Ras Algethi! – Ela disse carinhosa, em um sotaque de muitas misturas e esticou os braços esperando ser reconhecida pelo emotivo irmão mais novo, que havia a recebido cheio de emoções caladas e expressivas, e pelo mais velho, para ser abraçada.

Não era uma face que ele conhecia – mas ao mesmo tempo, recordava-se? Rhistel respirava através do turbilhão emotivo que era a sua mente, tentando se encontrar entre as batidas fortes do seu coração agitado. Ele foi o primeiro a correr na direção dela e a saudade que queimava não tardou a puxar lágrimas dos seus olhos. Ele a abraçou tão forte quanto podia, grudando-se como se ela pudesse simplesmente decidir ir embora.

Já Polaris, manteve nos lábios o sorriso de maldades e o olhar audacioso. Não lhe faltava a surpresa, mas sim o orgulho de admitir que a promessa estava sendo cumprida. Ele não acreditou que ela viria, assim como não veio em todas as outras vezes. Lembrava-se da face perfeitamente e acompanhava-a de longe, o suficiente para se sentir um estrangeiro em sua vida. Ele se aproximou com mais calma, mas o seu abraço foi igualmente apertado e ainda mais pedinte para que durasse…

– Não acredito que você é a Nina… – Rhistel sussurrou com um humor que quebrou o seu drama. – Não acredito. Como não desconfiei da coincidência? Não faz sentido…
Ela retribuiu os abraços na mesma intensidade, e segurou-se um minuto mais longo em Polaris. Não tinha ideia quantas vezes havia se fechado completamente nas suas perturbações, e necessidade de solidão, mas tinha certeza que haviam sido muitos encontros.

Ela se afastou e os admirou uma vez mais, um pouco mais calma de quando chegou. Ela estendeu as mãos, pedindo as de Rhistel para tocá-las carinhosamente.

– Que coincidência? – Ela perguntou com o mesmo sorriso, fitando Ras – Aliás como sabe meu nome humano? Se disser que já escutou alguma música minha vou dizer que só quer me agradar. Pela Nyra com certeza. – Riu e fitou Polaris também, brincando: – E… Deus. Vocês são obras de arte mesmo, mesmo… E aposto que sabem disso! Andando desinibidos e livres por aí, no meio de celebridades e vídeos e fofocas da Sociedade.

– Não somos as únicas obras de arte… – Rhistel sussurrou.
Os dedos gelados chegaram aos dela e se entrelaçaram, firmes e carinhosos. Lembrava-se da corrente de energia que sentia ao tocá-la como uma memória guardada em seu interior, fácil de visitar, mas uma lembrança que já questionava a veracidade. Linda, como sabia que era, embora não estivesse ainda acostumado com a forma original do seu corpo. Bellatrix tinha o corpo que não seguia os padrões comuns. Ardentes curvas sinuosas, um sorriso que abraçava e olhos excitados. A amada companheira, dos melhores e piores momentos enquanto descobria a trama de viver uma vida humana. De receber colo e dar, rir e chorar. Foram muitos anos e um corte súbito.

– Nyra me mostrou ontem… As suas letras sobre estrelas e… Como éramos parecidos em nossas composições… – Ele disse, observando-a. – … Nina.
– Ela mostrou minhas músicas? – Perguntou surpresa – Que linda! Ela ainda lembra mim. – Riu – Eu soube que você esteve num estúdio com a Aisha e estava morrendo de ciúmes de repente. Você vai mesmo estrear? Não consegui ouvir nada seu definitivo ainda! Óbvio que lembro da voz, mas… Que ciúmes! Me diz que você vai debutar um dueto comigo e não com ela? – Riu, sem deixar as mãos dele. Lembrava-se que por um tempo haviam imaginado e feito rascunhos de canções juntos, mas nunca finalizaram nada. Ele não se recordava, mas música desde sempre foi uma fuga não definitiva.

O sorriso dele foi crescendo por seus lábios até ele se abrir e Rhistel acabar rindo, negando com a cabeça. – Não! Não com ela, embora a música tenha ficado ótima… Meu single com o Ladirus sai amanhã. ‘Holding In To You’… Somos só nós dois . Nossa banda se chama Heathens. – Explicava, tímido e excitado o bastante para mal se conter quieto de ansiedade. – A Aisha vai ajudar muito na divulgação. Bem, todo mundo… – Ele suspirou romanticamente. – Eu não achei que ainda pensasse mais em escrever comigo, Bellatrix…

O riso de Acksul foi tão sincero quanto o seu sorriso de vilania. Ele tocou Nina em seu rosto, acariciando-a levemente. – Eu perdi qualquer vergonha na cara que um dia tive e agora serei ator! Meu próximo emprego! – Ele anunciou, animado.

Ela repousou o rosto no carinho recebido, mas logo afastando para olhá-lo melhor.

– Ator? Você…? – Riu estranhando – Da onde tirou essa ideia?! Eu nunca ia suspeitar… Eu estou completamente em choque. – Franziu a testa: – O pior é que até que consigo imaginar algo…

– Eu serei um ótimo ator! – Polaris gargalhou. – Vocês verão. Todos vão me amar. Quem vai me ajudar é a Blair, a namoradinha do Ras… Meu laço. Minha querida Blair.

Rhistel o olhou, em dúvida, sentindo-se corar.

– Ou ainda não é namorada? – Acksul franziu o cenho.

– Quase, Polaris. – Rhistel respondeu, rindo. – Ahm… Quase.

– Não tenho duvida que você vai ser um ótimo ator. – Ela disse ao irmão mais velho – Na verdade estou surpresa como ninguém te abriu essa porta antes. Somos todos talentosos. Apenas não imaginava ator… – Disse ainda intrigada – Você e toda sua paciência… ?Blair deve ser uma pessoa de perspectiva.

Nina abriu a boca surpresa em meio ao sorriso e afastou as mãos de Rhistel. – Não! Você, seu terrível, Rhistel, brincando por aí com Blair Valerius? A atriz famosa? A Aparentada Presa de Prata? – Estreitou os olhos, e cobriu a boca rapidamente ao lembrar que talvez tivesse a visto do outro lado do vidro. Sussurrou: – Você não tem jeito, Rhistel. – Ela riu humorada. – Bem, tudo bem, primeiro precisa saber se gosta, depois se envolve em namoro e essas coisas sérias. – Franziu o nariz, encontrando certo problema com a ideia de compromisso – Mas desse jeito já é famoso antes do primeiro single quando cair na mídia. Aisha e Blair. Nada mal… Seus contatos… – Encolheu os ombros, mas perguntou interessada: – Deixa eu ouvir? Vamos dar uma volta?

– Não, não! Isso não tá envolvido com a minha música! Bom… Com a Aisha, mas… Eu vou me lançar meu single antes! – Rhistel gargalhou, tocando-a sobre o ombro e apertando-a. – Eu… Bom, eu vou explicar…

– Explique. – Polaris cruzou os braços fortes, observando-o com um sorriso malicioso.

– Eu estava com segundas intenções com a Aisha…

Polaris ergueu as sobrancelhas.

– É… – Rhistel assentiu com humor, rindo e sentindo o rosto esquentar com a timidez, apesar de não se negar em falar. – E eu não sabia que ela iria aceitar o meu flerte… Mas eu eu me enrolei… Mas enfim, a gente acabou tendo um contato… E então eu conheci a Blair… E de repente, estava na banheira com ela… Mas… A gente combinou de não levar a público por enquanto… A Seita não pode saber… Então…

– Oh, Rhistel… Nem pense em magoar a minha Blair… – Polaris o olhou com um sorriso de escanteio. – Quando vai pedi-la…?

– Eu não penso! Eu sou apaixonado por ela… Eu só estou indo com calma… – Rhistel disse, exaltado e ansioso. – Ahm… Eu vou com Blair até o estúdio… Daqui a pouco. Temos algum tempinho… Mas… Não quer dar um oi? Ela é um amorzinho…

Nina ria e assentia para a história, levemente surpresa em vê-los diferentes. Envolvidos. Havia muita humanidade ali… Havia se distanciado por tanto tempo que não havia acompanhado o quanto ela mesma mudou e o quanto eles mudaram. Paixões, empregos, vida social… Tudo era sempre uma tentativa e agora estava acontecendo.

– Se ela te tem apaixonado, é uma moça de sorte. – Nina disse carinhosa, mas então cruzou os braços como se algo não estivesse certo – Eu tenho certeza que ela é… Muito especial… Mas eu não falei com os donos da Ilha ainda… E a Nyra ficaria chateada se me descobrisse por aí sem ter dito um Oi. Estou só pensando como vou dizer ‘Oi’… ? Parece estranho… Eu não queria mentir mais e dizer que sou uma Garou. Até para nossos irmãos.

O Dragão de Gelo até entendia a posição dela, mas estava distante demais de prudências e racionalização para ter uma resposta adequada para a situação. Rhistel estava apenas alegre em vê-la e era simplesmente tudo o que importava: a sua presença querida. E não acreditava que Acksul estivesse preocupado com as diplomacias que o protocolo poderia vir a exigir. Nina já não era mesmo uma visitante da ilha?

– Você pode se explicar para Nyra… Eu tenho certeza que ela apreciará te ouvir… – Polaris disse com gentileza na voz suave. – Você não tem motivos levianos, Bellatrix…

– Sim. Eu tenho certeza que será uma surpresa bem-vinda para todos eles… Nossos irmãos e os Versos! – Rhistel franziu o cenho enquanto sorria. – Nyra nutre um grande carinho por você. Eu senti através das palavras doces quando ela citava o seu nome. Mas… – Rhistel mordiscou o lábio. – … Eu não conto se você não contar. – Ele riu e mordiscou o lábio. – Eu também quero saber o porquê de você ter sumido e quero te apresentar o meu amor… Você me deve essa…

– Vinnie está aí também… – Polaris disse, pousando as mãos sobre os ombros da irmã e apoiando o rosto em sei ombro. – A queridinha do Torvo…

Ela os escutou pensando, seu histórico a fazia uma Dragonesa esquiva e parecia ser difícil de tirar isso da sua natureza caótica. Rhistel e Polaris estavam mais calmos, mais felizes, havia uma energia estabilizada ao menos naquele instante, e pela progressão do que eles contavam, estavam em uma trilha certa. Parecia até que haviam encontrado um lar. Suas mãos pousaram sobre a de Polaris que tocava seu ombro e os olhos ficaram em Rhistel:

– Infelizmente… Vocês estão me convencendo…  – Ela sorriu, mesmo sem jeito – Hm. Queridinha do Torvo. Queridinha do Polaris. Todos já encontraram seus pares? E o seu queridinho, Ras, como vai?

– Ah. Não. Hawky continua uma solitária, mas é possível que ela não tenha reparado que sentiu alguma coisa por alguém. Ela não costuma ser avoada quando está em sua forma hominídea. Qualquer borboleta pode tê-la distraído do seu objetivo. – Acksul ria enquanto comentava. – Em tempos passados, cheguei a pensar que ela era burra, mas é só distração…

– Duvido que ela tenha se distraído com isso… Não é uma sensação simples de lidar ou… Calma. Você sente impulsos por todos os lados. Turbilhões. Ela não deve ter se encontrado com a pessoa prometida. Eu, ahm… Fiquei bem chocado quando soube quem era o meu companheiro. – Rhistel confessou, voltando-se para a irmã. – Eu já tinha sentido a sensação anos atrás, no Coração de Thor, mas… Olhá-lo nos olhos… – Ele molhou os lábios. – Jullian é fechado… Quieto. Sempre estamos conversando, mas… Sobre música ou a Seita… e essas coisas. Ele chegou a conversar comigo e com Blair sobre o nosso relacionamento e isso foi muito legal, mas são raros os momentos que ele se abre. Eu gostaria de ser mais próximo dele, mas… Só eu falo de mim. Ele nunca comenta muitas coisas. Eu estou trabalhando nisso ainda. – O sorriso foi sem graça e acanhado. – Mas… Estar perto dele sempre me faz bem. Ele é uma pessoa interessante de qualquer modo…

Nina prestou atenção em cada palavra, e tinha certeza que nunca havia sentido isso. Seu coração estava tão fechado, que era possível que nunca sentisse.

– Parece que é único… – Sorriu de volta a Rhistel – Mas talvez você nunca consiga tanto sentimento e aproximação emocional… Levando em consideração que ele não é convencional. Mas que bom que seja alguém racional! – Riu – Eu o conheci no Magia… Ele era sempre muito agradecido por eu estar cuidando de Nyra… Mas não expressava em palavras. – Fez uma pausa – Eu soube que as crianças não nasceram… – Outra longa pausa – E você, Polaris, como tem sido com Blair?

Tanto Rhistel quanto Acksul não comentaram sobre o assunto tabu dos bebês. Apenas assentiram solenemente. O olhar do Dragão de Gelo se tornou distante, lembrando-se das crianças adotadas e do carinho que recebiam, como uma missão de compensar o que foi perdido. Já Acksul, reanimou-se:

– Blair é a minha companheira e parceira. Ela passou por muitas coisas e está em processo de adaptação, mas é um anjinho doce. – Os olhos azuis seguiram para a porta de vidro. – Ela me ajuda a me manter são. Nós não estamos ligados completamente… Eu continuo preso, afinal… – Ele mordeu o lábio antes de afastar as mãos dela delicadamente. – Bem, venha. Elas já estão achando bem esquisito. – Acksul abriu a porta.

– Ok… – Nina riu, aceitando caminhar, mas parou um instante: – Você se lembra de quando escrevíamos… – Disse a Ras – Vamos fazer isso de novo… Ainda. E… Eu quero deixar claro que só estou indo porque conseguiram me deixar curiosa.

Ele a fitou, contendo-se de sorrir demais, pois acabaria rindo. Estava muito feliz e a alegria trazia um brilho intenso aos olhos escuros. Ele se aproximou e a beijou diversas vezes no rosto antes de se afastar. – Você sempre foi o meu anjo e o meu demônio, Bella… – Inspirou. – E eu te amo por isso, tanto e tanto, que o meu coração está explodindo. Eu senti a sua falta todos esses anos… – Suspirou, rindo-se. – Não precisa sentir ciúmes da Ash.

Eles continuaram andando para encontrar as duas garotas, laços de Polaris e Ras Algethi. Ainda estavam mexendo em papéis, mas Blair não se prendeu na tarefa e rapidamente fitou-os quando entraram, esperando ver o motivo das risadas e felicidade. E seus olhos verdes claros não podiam estar mais surpresos ao ver realmente Nina O’Hara. Nunca haviam mencionado aquela proximidade imensa com a Garou do Magia Oculta.

– Antes que meus irmãos não saibam como me introduzir… Eu sou Bellatrix… Ou Nina…

A maga estava mais surpresa ainda. Saber de um Dragão que não tinha sequer conhecimento da sua existência, era uma notícia de se deixar despreparado. Blair primeiro fitou Rhistel e Polaris, buscando alguma confirmação. Lavinia se ergueu no mesmo instante, pousando a mão sobre o peito num ato reflexo de tentar conter a sua emoção.

– Mas você é uma Garou do Magia Oculta… Ou era… Depois que trouxe a Árvore de Dagda com os Versos…

– Bellatrix consegue trocar de peles com mais facilidade que um Garou usando Doppelganger. Eu gostaria que nem todos soubessem quem ela é pois… Isso ainda é uma arma, mas… Em nossa família de estrelas e laços… – Ele abriu um largo sorriso para a irmã.

– Minha Gaia. Você é a minha diva feminista. – A Garou disse, pestanejando os olhos emocionados.

– Ela é a minha também. – Rhistel disse e abraçou a irmã de lado, carinhosamente. – Bella, eu sei que você a conhece de todos os lugares, filmes e propagandas, mas esta é a minha musa… – Ele se voltou para Blair. – Dona do meu coração, sorrisos e lágrimas… Minha Bee.

Todo aquele carinho e apego era até de se admirar. Blair ainda se viu levemente desorientada, pois havia escutado muito sobre os Dragões e nunca soube de Bellatrix. E Rhistel estava tão feliz, assim como Polaris, que deixava a maga em um espírito semelhante. Seu rosto corava com a apresentação apaixonada dele:

– Prazer… – Blair sorria animada, acompanhando a breve analise de Nina, Que antes se aproximou primeiro de Lavinia que estava mais perto e abraçá-la.

– É muito bom saber que são mulheres como vocês que estão colocando meus irmãos nos trilhos. – Disse, e se afastou para repetir a saudação com Blair, que também a agarrou forte.

– Claro que eu sei quem sua Bee é e quem Vinny é! Eu já as conheço porque acompanho o trabalho das duas. Eu queria ter conseguido um convite de uma pré estreia que vocês estavam, de um filme que eu amo! Mulheres do Século… Mas é muito difícil conseguir um espaço. Eles só aceitam pessoas do cinema e extremamente famosas. Fiquei um tanto chateada. – Confessou. – O filme é ótimo!

– Que bom que gostou. Eu gosto muito dele também. – Blair murmurou, mas logo disse animada: – Bem, eu posso conseguir para uma próxima. Passar pelo carpete vermelho é muito intenso e divertido!
– Sério? Eu tenho certeza que é! E deve ser uma coisa de festa…! Mas eu tenho certeza que Rhistel não está com você pelos convites. – Nina disse rindo, o sotaque às vezes difícil de acompanhar. Ela se virou para os dois irmãos: – Existe algum requisito de beleza para se criar laços?

Blair riu corada e respondeu, entreolhando-se com Rhistel:

– Acho que mais algo como talento. Com certeza.

Lavinia sorria, parecendo buscar frases em sua mente, mas não as conseguindo pegar e apenas guardando para si ou manifestando em suas expressões.

– Esta ilha está fazendo tão bem para a minha autoestima. Vocês nem imaginam o quanto. – Ela ergueu o dedo em riste e abriu um sorriso risonho. – Nunca fui tão elogiada diretamente. Está sendo um record. Ainda mais por este mulherão. – Ela inspirou, fitando Nina. – Este filme é um grande orgulho meu! Blair trouxe para a personagem dela até além do que eu esperava. Foi um trabalho marcante para mim…

– Ah… Eu acho que eu não esperava algo tão sensual da sua parte, Bee. Eu fui pego de surpresa. “Cadê a inocente da Princesa Aurora?”. – Rhistel brincou, franzindo o cenho.

Os intensos olhos azuis de Polaris acompanhavam os donos das falas enquanto o Dragão da Matéria sorria largamente. Ele abaixou a cabeça brevemente, parecendo distante por um instante. Uma melancolia que o tocara e se afastara com a mesma rapidez…

– Eu tenho uma teoria sobre os laços. – Ele passou a língua pelos lábios e os apertou por fim. – Teoria do que a nossa alma precisa. É como você atrair amigos que vão te ensinar alguma coisa que você ainda não aprendeu. É uma troca, pois apesar de antigos, ainda temos muito o que aprender. Eu acredito que seja a lapidação que nos falta. É a paz e o aprendizado que cada um necessita…

Rhistel franziu o cenho, pensando…

– Eu acredito que há uma peça de um no outro, misticamente criada. Eu suspeito se seja pela própria Mãe Gaia. Uma forma de lidar com as novas formas de vida que nós, os Dragões Elementais, somos. Ao final, nós somos a própria vida. Juntos, somos a complexidade de um único ser. Tanto o que respira, quanto o que morre.

– Elara acreditava nisso… – Rhistel afirmou, sentindo uma certeza em suas palavras, apesar de não recordar precisamente quando ouvira.

Polaris assentiu vagarosamente, voltando-se para ele.

– Torvo me disse que ela acreditava que nada podia acontecer em Gaia que Gaia não quisesse. – Lavinia franziu o cenho. – Isso não é um pouco contraditório com o que os Garou acreditam?

– Elara não se prendia apenas ao que os Garou pensam. Ela tinha muitos professores de muitas naturezas. – Blair disse a Lavinia, sempre falando da Garou com uma propriedade como se houvesse a conhecido em algum momento.

Nina olhava de um a outro pensando. Analisava as palavras e as guardava. Nas suas expressões, era difícil capturar se ela sequer concordava com o que era dito.

– Fico feliz que tenham encontrado isso. – Bellatrix disse finalmente. – Eu sinto uma certa paz… Parece que algumas luzes foram acesas aí dentro de vocês – Seu lábio se esticou de um lado, na tentativa de um sorriso. – E deve recíproco. – Fitou Lavinia e Blair.

Não era o assunto que Nina apreciaria ouvir, embora fosse o que Polaris mais amava. Ras Algethi observou de um para o outro. O desconforto e a satisfação. Era como se pudesse enxergar discussões com opiniões muito contraditórias que ele não se lembrava de ter ouvido. Rhistel sempre fora neutro com relação ao assunto de Elara. Concentrava-se nas sensações que lhe viam em relação ao nome e preferia continuar assim.

– O que eu sei é que estou ansioso pelo single da minha banda… – Ele disse, cortando abruptamente de assunto sem pena. – E não vejo a hora de todos ouvirem. Blair vai aparecer em um videoclipe meu assim que terminar as gravações e seria muito legal se vocês pudessem também… Mana, mano… Vinny… É, eu queria… Muito. Vocês estarão com os rostos pintados! Eu convenci até a Aisha… Ahm… Mas… Eu ainda não decidi completamente um roteiro, mas já que você está aqui, Vinny…

A Garou abriu um sorriso selado. – Seria uma honra ajudar e participar… – Ela franziu o cenho, refletindo. – Você poderia nos mostrar a música?

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