Nothing But a Heartbeat

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Wyrm

Nothing But a Heartbeat


Polaris preferiu caminhar. Quando mais caminhava, mais as suas ideias deslizavam com mais facilidade e ele tinha muitas para escoar de sua mente atormentada. O peito estava pesado e incômodo, apesar de caminhar ao lado das duas companhias tranquilas.

Torvo vestia uma camiseta branca com o logo azul dos Dodgers, calças jeans claras e sapatênis beges. Os grandes óculos escuros possuíam uma armação dourada que combinava com a grossa corrente de ouro em seu pescoço. Ao seu lado, de braços dados com ele, caminhava Lavinia. Os dois eram muito próximos. Amigos e quase irmãos. A Garou podia ter sido uma bela modelo em outra vida, mas o Klaivaskar cobrava o seu preço. Uma longa e clara cicatriz marcava o seu braço esquerdo e algumas outras em suas pernas e colo – marcas que a Garou parecia ostentar com orgulho. Vinnie calçava um All Star cor-de-rosa e vestia uma jardineira jeans stretch escura, justa e curta, e não usava sutiã. Polaris tinha certeza que a ilha arrancava o sutiã das moças. Pareciam sempre se rebelar contra a imposição da veste, o que era curioso.

Era curioso que ele estivesse reparando nisso também. Ela pareceu notar a sua análise, pois virou-se para ele e abriu um sorriso largo em seus lábios rosados. Os óculos escuros de gatinho e de lentes roxas não escondiam o seu olhar curioso:

– Está tenso, Acksul?

– Não. – Ele praticamente rosnou. – Eu estou super relaxado.

– Pois você deveria estar. – Ela se voltou para frente.

– Vocês não deveriam falar primeiramente com os Versos da Magia, huh? – Polaris os olhou, desconfiado.

– Nós vamos. Queremos completar informações primeiramente. – Torvoethardurg respondeu, polidamente. – Chegar com uma conclusão com menos lacunas…

– Blair não é uma estranha, Acksul. Eu a conheço. Já trabalhamos juntas várias vezes. Os meus melhores roteiros, devo dizer. Torvo também a conhece… Quer dizer, não com todos os segredos que ela possui, mas… – Lavinia completou. – … Eu quero entender algumas coisas. Trocar figurinhas. Você já a avisou? Eu estou com fome…

– Você está sempre com fome, Lavinia…

– Lógico que avisei. – Polaris respondeu, impaciente. – Todas essas mansões são limpas mais ou menos esse horário. Pedi para Blair adiantar a vinda das empregadas. A Princesa Audrey também está lá.

– Audrey… – Lavinia pareceu pensar. – Fayre. – Concluiu.

Com o computador na cozinha, Blair digitava e lia alguns e-mails enviados de sua agência. Fayre havia acabado de sair do quarto e foi impedida de tomar café pois haviam convidados chegando. A mesa estava bonita, e suspeitou que a própria maga havia passado a noite preparando aquelas coisas.

Logo que o Sol se estabilizou no horizonte, a maga estudou seus roteiros e uma dúzia de propostas que havia recebido de filmes. Salvou-as no seu celular para estudar cada uma continuou respondendo seus agentes. O olhar hora e outra voltava-se para o celular que tocava The run and go

– Ele sumiu? – Fayre espreguiçou-se e se contentou com um copo de água. Sentou-se do outro lado do balcão e fitou Blair, disposta a não deixá-la trabalhar.

– Eu enviei uma mensagem faz uma hora… Mas eu acho que ele está dormindo. Eu esqueci de enviar uma resposta a ele… Espero que não tenha ficado chateado. – Disse baixo e pegou o celular para reler a mensagem que enviou “Está tudo bem? Espero que sim… Eu preciso ir ao estúdio hoje de manhã até a tarde. Últimas cenas. Queria que fosse.” E vários corações coloridos seguidos.

– Eu estava pensando… No final de semana vai ter um show na Zero dois. Você não quer ir e se apresentar comigo?

– Eu quero. – Blair sorriu. – Me diga qual música antes para treinar.

– Jura?! – Fayre a olhou animada. – Uau! Que evento!

– Bem. Não foi sempre eu. – Riu, fechando o computador. – Mas depois você tem que ler os scripts que recebi e me ajudar a escolher alguns. Não farei qualquer história.

– Claro. – Fayre sorriu. A maga estava com uma saia de prega de veludo roxa e uma camisa de banda por dentro da saia. Tênis com brilho prateado e um colete jeans. Os cabelos, diferentes dos últimos dias, estavam longos e roxo claro. – Isso parece estranho né? Não sei se vou me acostumar. – Franziu o nariz – Normal…

Blair a fitou rapidamente e concordou. – Ainda me sinto uma criatura distorcida. Mas eu gosto de tudo o que vejo. Queria que fosse sempre “normal”.

– Acho que eu também…

– Eles chegaram. – Blair confirmou e se ergueu andou até a frente da porta, esperando-os entrar. A loira estava muito elegante em um vestido na altura dos joelhos, colorido com manchas laranjas, verdes e rosa clara. O tecido era muito leve e se movia facilmente com a brisa que vinha das janelas devido a presença do mar e a altura da casa. As mangas seguiam até o meio do braço, e havia uma fita da cor do vestido na sua cintura, formando um laço delicado atrás.

– Quem vem exatamente? – Fayre a olhava.

– Vinny. E estou feliz que ela venha. Ela pode me instruir melhor sobre os roteiros que eu deveria me envolver. Alguns diretores estão declinando demais, e eu não quero estar na mão de nenhum. – Explicou, ainda em pé diante da porta. – Torvo. E Polaris. Mas acho que eles não estão aqui para falar de filmes.

O primeiro pensando foi uma pergunta: como se portar? Se antes tratava da atriz sempre doce e sorridente com abraços e beijos, como seria com a Mensageira? A Garou adentrou a cozinha na frente dos dois Dragões, obedecendo o impulso da sua curiosidade. Pensou que seria terrivelmente difícil tratar com alguém que não exatamente o que ela pensava ser, mas quem de fato era? Foi pateta o bastante atravessar a cozinha, correndo do seu jeito pouco elegante, e abraçá-la fortemente. Poderia se questionar depois e confiar no julgamento do irmão mais velho do seu amado Dragão de Metal.

– Hey, Cheshire! – Ela se afastou, bagunçando os cabelos de luz. – No fim, você era mesmo uma caixinha de surpresas… Fico feliz de te ver aqui e não do lado de . – Apertou-se o pequeno nariz antes de se afastar. – E viva. Seria uma perda imensurável para o mundo da arte… Terrível. Hey, Audrey!

Aproximando-se, Acksul cumprimentou a princesa com um aceno da cabeça. Já Torvo, além de se aproximar, beijou-a no rosto. O toque impessoal fez Polaris refletir sobre o que poderia haver entre a ilha.

– O-oi! – Blair não esperava o abraço, ela pareceu ficar em dúvida um segundo, mas o retribuiu em seguida como se fosse uma grande amiga e um reencontro esperado. Era mais fácil quando não tinha que fingir.  Fayre analisou a cena curiosa, e abriu bem seus olhos ao ver Acksul. Não podia dizer que ficava confortável perto do Dragão… Jamais ficaria. Mas sorriu para Torvo e sua aproximação, abraçou-o e arqueou levemente uma sobrancelha para o beijo no rosto.

– Olá, Torvo. – Disse simpática quando se afastaram e sorriu brevemente. – Hey, Vinnie. Que bom que vieram. Chegaram numa boa hora… Como tem passado na Ilha?

– Eu… Estou tendo que fingir muito o que eu não sou para não arrumar encrenca com os russos. A ilha deve ficar mais agradável em alguns dias, mas… E você? – Lavinia caminhou até Audrey e a abraçou também. – Sendo uma princesa educadinha? Fingindo ser? Está com cheiro de princesa, toda trabalhada nos cremes.

– Bem… Eu… Também estou feliz de estar do lado de cá. – A Maga riu animada. –  E vocês chegaram numa boa hora. – Desviou a atenção brevemente para o celular que tocou, e o pegou em mãos, mas não leu a mensagem. – Oi, Torvo… – Blair se afastou de Vinnie risonha e foi até o Dragão para cumprimentá-lo.

– Blair. – Torvo também a cumprimentou com um beijo no rosto e um abraço mais polido. Um sorriso se escanteio se desenhou em seus lábios cheios. – Obrigado por nos receber. Ainda não rondamos tanto quanto gostaríamos, creio.

– Ah, eu rodei bastante. Descobri a adega! – Lavinia abriu um sorriso.

Calado, Polaris apenas os acompanhava com o olhar. Inclinado a simplesmente não se envolver muito. Os olhos tensos e pouco à vontade só se suavizavam ao encarar Blair.

Blair os escutou sorridente e caminhou até a mesa colorida, não apenas na decoração, mas em tudo o que havia preparado. Com waffles, mel e frutas em especial. Cereais, um pão que ela havia assado ao comprar congelado no mercado. Embora a mesa estivesse bonita, os waffles era a única coisa que havia feito realmente.

– Eu espero que não tenham tomado café. – Ela os esperou se acomodar. – Pode ter rondado bastante, mas tenho certeza que não conheceu tanta coisa, Vinny. Eu demorei duas semanas…

Fayre se acomodou ao lado oposto de Acksul e serviu-se o suco de laranja.

– Mas se está falando da adega do Castelo, é o melhor lugar da Ilha toda. – Fayre disse a Vinny e Torvo – E estou me mantendo longe dele, porque sou uma princesa educada. Quer dizer… Eu tento…
– E por que estão aqui bem com os russos? Assuntos urgentes? – Blair perguntou curiosa, mas tentando enxergar o que digitou em resposta ao que leu: “Eu fiquei o resto da noite na sacada… É a vista mais linda do mundo. A maré sobe demais à noite. Vou tomar café da manhã com Torvo, Polaris e Vinny agora. Você vem??”.

“Vou. Eu estou só terminando meu primeiro café da manhã. Jullian fez um cheesecake! Eu amo, amo, amo cheesecake. Eu levarei um pedacinho para você. Eu acho que Nyra quer que eu saia daqui para ela conversar com Ladirus” e mandou vários emojis chorando de rir. Rhistel também enviou uma foto de dele e do irmão beijando a bochecha da Theurge.

– Nós nunca vimos tanta coisa gostosa junta num lugar. – Torvo cruzou os braços sobre a mesa e sorriu para Lavinia, risonho.

Lavinia riu para ele igualmente. Os olhos azuis da Garou seguiram Fayre antes de ela se voltar para Blair, selando um sorriso:

– Hmmm. Bem… – Lavinia se espreguiçou antes de, sem cerimônias, começar a se servir de um prato generoso. – Então… – Ela comeu um pedaço do waffle. – Wow, Blair. Você deveria se inscrever no Master Chef das celebridades! Isso está ótimo! Nem iria tomar muito o seu tempo e eles estão com uma proposta super legal. Enfim. – Ela espantou com as mãos a própria dispersão. – Nós não estamos com os russos. Nós estamos com os ingleses. – Ela forçou ainda mais o seu sotaque britânico. – Ravenfall está quase toda aqui, sabe. – Vinny lambeu os lábios e limpou a mão melecada na toalha da mesa. – Eu estou lá, infelizmente, desde que o Arco Branco foi atacado. INFELIZMENTE, GAIA! Então, eu vim pra cá junto de Laura e dos demais. Valerie quis ficar. Eu queria vir… – Ela gesticulava, pegando um suco e bebericando. – Hm. Antes… Eu quero contar um episódio da adega… Antes do assunto chato.

Blair e Fayre sorriam para os dois e para as companhias animadas que eles eram. A loira riu do elogio e ofereceu o suco de frutas vermelhas aos dois e também Polaris.

– Eu adoro Master Chef! – Blair a fitou empolgada – Mas nesse caso eu preferia ser a jurada. Acha que eles me fariam uma jurada convidada em algum episódio? Ia ser engraçado assistir aqueles closes nos meus olhos antes de falar de algum prato… – Blair pareceu mais séria só para interpretar uma das juradas oficiais das edições: – “O bolo está macio, bem decorado, eu gostei do glacê, mas… muito doce. Não dá para comer” – E largou os talheres nos pratos. – “Infelizmente é muito açúcar.”

Fayre riu e a olhou como se não soubesse que Blair assistia o programa. Levinia e Torvo gargalharam! Até Acksul deu uma risadinha mais descontraída.

– Sério? Eu nunca ia imaginar que quinta à noite era seu dia de master chef.
– Quando dá. E eu precisava de alguma coisa para comentar no trabalho. – Justificou.

– Blair, precisamos arranjar um capítulo disso! – Lavinia bateu palmas.

– Bem… História de adega. – Fayre comia um pedaço do pão com pasta de amendoim. – Deve ser boa.

Blair apenas conseguiu ler rapidamente a mensagem no visor e sorriu para si antes de prestar atenção em Lavinia.

A descontração de Acksul se foi. Ele estava visivelmente tenso com a conversa e cruzou os braços, inspirando com certa impaciência, pois conhecia as longas histórias da Garou. Lavinia ignorou o olhar de advertência do Dragão da Matéria, fingindo que não tinha visto, mas Acksul não permitiu:

– Vinny. – Ele fez um grande esforço para sorrir e o seu gesto se estendeu maldoso. – Eu quero muito saber o que você quer nos dizer… – Acksul a mirou. – Ah. Esqueça. Rhistel está vindo pra cá. Espere.

– Rhistel…? – Lavinia franziu o cenho. – Ras Algethi…?

– Sim. – Torvo concordou. – O próprio. Nosso amado irmão agitado.

– Oh. Tudo bem. – Ela se voltou para Blair, fitando-a desconfiada. – Ouvi uns boatos… Sabe. – O sorriso dela se estendeu malicioso. – Rhistel não é um nome comum.

Fayre nem precisava de uma conexão mental para saber disso. Os sorrisos de Blair para o celular já haviam traduzido a mensagem.

– Que bom. – Blair sorriu e comentou como se fosse algo inédito – Vou fazer mais um lugar para ele. – E ergueu-se para ir atrás de outro jogo americano para por na mesa, um pouco distante demais do que gostaria, mas Acksul estava de um lado e Fayre do outro.

– Me esclareça dos boatos, Vinny? – Fayre perguntou interessada, fitando brevemente Blair.

– Saiu uma foto por aí bem borrada da Blair com o Rhistel em um estacionado de supermercado. Tinha uma moreninha também e acho que você, Acksul… – Lavinia mirou o emburrado Dragão da Matéria. – Já é a segunda vez que vocês foram vistos… Então… – A Garou arqueou as sobrancelhas. Depois do sorriso dela e o que vira na festa de gala, não duvidava de mais nada.

– Hm. – Acksul abriu um sorriso largo em seus lábios belos. – Eu vou ser um ator, Vinny…

Os olhos da Garou saltaram:

– Quê…? Você?

– Sim. – Acksul assentiu. – Serei famoso também. Meu novo emprego.

A Garou se voltou para Fayre, em dúvida.

Torvo estava chocado. Apenas chocado.

– Eles vão atrás de tudo, não é? Esses sites e revistas. – A maga disse com um sorriso tímido, terminando de posicionar os talheres.

Fayre também pareceu fora de órbita com a notícia repentina de Acksul. Seus olhos ficaram em Blair perguntando da onde aquilo havia surgido.

A maga se sentou ao seu lugar e os fitou sem parecer que havia espaço para discussão, porque Fayre estava pronta para chamá-la de insana.

– É verdade. Eu estou procurando alguns shows para ele. – Blair confirmou.

Os olhos desconfiados de Torvo miraram o sorriso de Acksul, já imaginando uma tragédia, mas, subitamente, pareceu relaxar. O Dragão bebericou do suco servido e deu os ombros:

– Vai fazer bem a você. – Ele disse, sem observar o irmão.

– Eu sei. Eu me animei com isso. Eu tenho certeza que me darei muito bem. – O Dragão comentou, cheio de si e finalmente esticando a mão para pegar algumas uvas. – Eu prometi a Blair que vou me comportar.

– Hmm. – Lavinia observou o dragão, desconfiada. – Pelo menos, você é lindo. Talento, não sei. Quem sabe.

– Bem, eu vou ajudá-lo. Não posso indicar alguém que não seja bom. Tenho certeza que ele é… – Blair o defendeu a Lavinia. Fayre nem podia acreditar que aquilo havia sido considerado, mas percebeu que não cabia a ela julgar.

Acksul a olhou com um notável interesse malicioso. Lavinia o encarou de volta, mas tranquilamente. Como se comentar fosse parte do seu trabalho. Ela não se morou. Outro irmão surgia na sala com um sorriso de luz e a pele perfumada de Sol, bronzeado. Ele sorriu para todo mundo, sem dizer nada e seguiu até Blair como Lavinia previra, sentando-se ao lado dela, na cadeira livre,e fitando-a como se somente ela existisse.

A leveza ao menos retornou quando Rhistel chegou e Blair devolveu o belo sorriso.

Seus olhos verdes o acompanharam até se sentar. – Bom dia. – Disse com seu jeito animado e carinhoso, mordendo o lábio em seguida.

– Bom dia, Rhistel. – Disse a princesa, mas se voltando a Lavinia.

Vinny não costumava se surpreender com muita coisa, não, mas se sentia em uma dimensão diferente. Rhistel beijou o lábio mordido de Blair carinhosamente antes de se endireitar e se voltar para a mesa. A felicidade dele estava tão clara em seu olhar quanto em seu sorriso:

– Olá, Fayre. – Ele se virou para a princesa. – Irmãos… Oh… Oi, Vinnie!

– Olá. – A Garou apoiou o rosto na mão, observando de Blair e Rhistel.

Os olhos azuis da loba chegaram a deslizar até Acksul, mas o Dragão da Matéria parecia bem tranquilo com a situação toda. Torvo estava mais confuso do que ele…

– Eu posso falar ou estou atrapalhando o casalzinho aí? – Lavinia brincou.

– Pode falar. – Rhistel respondeu, risonho.

– É uma história e acho que eu preciso contar os detalhes… – Ela avisou.

Acksul a mirou entediado…

– Bem, como sabem, eu sou uma bastarda e quase não passei na nota de corte dos Presas de Prata, porque… Bem, eu não sou completamente branquinha. Então, em Ravenfall, eu acabo passando boa parte dos meus dias fora do castelo e em uma dessas caminhadas, isso veio na minha cabeça. Eu acho que encontrei alguma fonte ou linha energética sem querer…

Garras surgiram em seus dedos, apontando-se assim que ela os moveu pelo ar, desenhando um símbolo diante de si com uma com as presas expostas, ferida em diversas partes do seu corpo. Rhistel estreitou os olhos, acompanhando a luz negra que surgia, desenhando-se. Acksul fitou o símbolo com horror.

Blair retribuiu o beijo com seus lábios doces do mel do waffle e sorriu para o Dragão de Gelo com a mesma admiração. Mas todo o clima chegava ao assunto “chato” que Lavinia havia avisado.
Nunca havia conhecido Elara, mas tudo sobre a Garou-maga era de conhecimento de Blair graças ao seu Avatar e as conversas com os três magos ao longo dos anos. Koschei particularmente a conhecia muito bem, embora não escutou o nome dela muitas vezes dele. Meris a concedia mais informações.
– Elara. – Blair disse repousando suas costas à cadeira. – Eram as marcas que ela deixava na trama ao usar Mágika. Especialmente em seus Rituais.
A maga disse com calma e Fayre sentiu um leve arrepio na nuca. Seus olhos foram de Blair ao símbolo, curiosa e preocupada.

Acksul e Torvo concordaram. Rhistel não conhecia o símbolo, mas não era alheio a ele. A sensação que sentira não foi negativa, mas lhe trouxe uma leve melancolia. O coração se apertou e ele abaixou a cabeça, inspirando profundamente.

– Você tem esse símbolo no seu corpo, não é? – Livinia perguntou à Fayre. – Eu consigo senti-lo. Eu percebi que consigo… Localizar certas manifestações dele. Provavelmente, pelo meu parentesco forte. Meu pai era um Blackwood. Minha mãe Volkard pulou a cerca. Ele era muito bonito. – Vinny justificou com humor. – Bem, eu percebi que eu consigo manipular esse símbolo também. Usá-lo… Mas Torvo me recomendou que eu te procurasse, Blair… Assim que Acksul nos disse sobre a sua história. – A Garou explicou. – Enfim, eu não sabia que eu tinha essa habilidade, então… Eu mexi no símbolo que encontrei em Ravenfall… Quebrei-o… E…

Polaris apoiou os cotovelos na mesa, afundando os dedos entre os longos e sedosos cabelos:

– Devia ter nos chamado. – Rosnou.

– Eu sei. Eu não pensei…

Inspirando, Rhistel franziu o cenho.

– Algumas coisas mudaram em Ravenfall… Depois disso. – Lavinia os olhou.

Blair escutou a história surpresa, mas não demonstrou realmente o tanto quanto estava. Sua mente pensou olhando para o símbolo, e ergueu a mão brevemente para fazê-lo desaparecer no ar de vez.

– Você deve ter entrado em contato ou passado por algo que o ligou ao símbolo. Você não sabe se a Goetia chegou a ter planos para você quando era pequena? Uma ligação de sangue parece pouco… – Disse raciocinando. – Eu recomendo não usar e nem desenhar o símbolo por aí também… Há muita força e algumas pessoas que podem o localizar à distância. Eu mesma poderia. – Explicou, séria. Blair mudava seu comportamento e Fayre reparava, mas ainda estava incomodada com o comentário leve de Lavinia:

– Não é no meu corpo. É na minha alma. – Fayre disse e riu desconfortável: – Droga, você me fez eu me sentir um farol.

– Apenas Magos podem sentir. Provavelmente não foi notado antes em Ravenfall porque… – Blair continuou – Porque é a energia da própria Elara. Mas não é incomum a presença do que chamamos de Drenadores. Um artifício. – Blair estava com os braços cruzados na altura da cintura – Energia roubada. No caso de Ravenfall… Era diferente. A Energia da Seita não vinha diretamente para mim, mas para outra pessoa… Que conhecia bem Elara e ainda usa forças que ela deixou por aí. Acredito que ele não contava que alguém teria a chance de descobrir… Bem, agora ele sabe. – Fitava Vinny – O que mudou?

Lavinia se desculpou com Fayre com um olhar solidário antes de dedicar a sua atenção às palavras de Blair. A Garou parecia pensar. Os olhos caíram sobre a mesa e a franja desfiada frase os cobrou completamente. Ela pareceu incomodada.

– Laura mudou. – Ela respondeu, estreitando os olhos azuis e abraçando-se. – Eu senti… Exatamente… Tudo diferente. É como se algo tivesse se quebrado. Ela não está conseguindo liderar. Eu estou dividindo o reinado com Valerie. Ela começou a ter crises e crises, falando uma porção de coisas. – A Garou se voltou para Rhistel. – O Dragão que você enfrentou… Saiu de Ravenfall. Eu o vi. Eu só… Não consegui localizá-lo… Mas eu vi. De certa forma, eu… Eu o sentia.

Cruzando os braços sobre a mesa, Rhistel a olhou, pensativo e preocupado. Não lhe agrada a lembrança da criatura em sofrimento. O pesar de tê-la assassinado não deixava a sua consciência… Como tivesse feito algo errado.

– Hm. – Polaris mordeu o lábio inferior, de canto. – Vinny foi a primeira. A primeira que se uniu com um Dragão. Foi um pouco depois de Connor e Tayrou adotarem Ártemis.. E o seu sequestro. – Explicava. – Tivemos alguns problemas de início. Creio que a Goetia estivesse entretida com a novidades.

Blair abaixou o olhar para os braços agarrados à cintura fina, pensando a respeito.

– O interesse nunca foi de ir contra os novos magos. Os verdadeiros. Mas pode ser que tivesse sido diferente. Mas quem estabeleceu essa distância segura foi ele. Koschei. – Pensou por alguns segundos: – Você pode ter libertado Ravenfall de um feitiço de controle… Forte. – Ainda com o rosto inclinado para baixo, Blair a fitou – Como você conseguiu romper? Aposto que ele não esperava que alguém pudesse quebrar, por isso frágil, já que ninguém tecnicamente iria encontrar.
Fayre desviou o olhar para Blair e mordeu o lábio de canto, desconfortável a conversa:

– Eu acho que deveríamos fazer uma inspeção no local. – A princesa propôs. – Começar a romper correntes?

Blair assentiu brevemente e completou: – As veias de Ravenfall tem muito sobre a Elara ainda. Havia um interesse particular na região. Uma energia pura, mas cristalizada. Precisava ser minerada. Laura pode ter sido só uma serva todos esses anos.

Curioso, Rhistel mirou Lavinia, notando perfeitamente a sua confusão em transformar o seu relato em palavras, ela mordia as bochechas por dentro e meneava os lábios de um lado para o outro. Os olhos azuis demoraram para se erguer até os verdes de Blair e ela ainda suspirou duas vezes antes de concluir que daria uma resposta adequada:

– Eu acho… – Ela coçou a cabeça. – … Que eu senti uma coisa viva e… Eu senti que eu podia manipular essa coisa viva. Eu estudo a Esfera da Vida desde… Sempre. E eu senti algo sufocado… Precisando sair. Depois que isso aconteceu, eu comecei a enxergar mais símbolos… Por lá. Há vários. De vários profundidades e essências. – Ela comentava, olhando-os. – Elara escreveu muitos livros e eu encontrei alguns em Ravenfall. Acabei lendo… Não sei se isso pode ter a ver, mas… Talvez um descuido?

– Talvez… Mas parece que sempre estiveram descuidados. – Rhistel comentou, olhando-a.

– Eu também penso que estavam…

– Ele devia ter certeza que ninguém podia alcançar. – Polaris começou. – Ele pode nem saber que é você. Talvez esteja considerando Nyra, já que… Garras-Vingativas a treina. E tentou atacar vocês na missão. – Ele abriu um enorme sorriso com a conclusão. – É muito interessante pensar que Laura nunca esteve lúcida…

Blair estava surpresa que ela havia descoberto tanto em pouco tempo. Suspeitou que não fosse tão por acaso quanto ela dizia, pois ainda era algo difícil que não ‘caia na mão’. Mas não tinha motivo para desconfiar de Lavinia.

– Arrogância é o ponto fraco da Mágika. – Blair disse parecendo distraída ao riscar a ponta da faca sobre o prato – Foi como eu disse… Ele não considerou que pudesse ser visto. Ninguém os vê. A ponto de esconderem criaturas imensas debaixo do nosso nariz. – Respirou por entre os lábios – Teria sido interessante se ele não soubesse que sabíamos… Mas vamos ter que esperar e ver como reage… – Piscou os olhos devagar e fitou Polaris brevemente – É um pouco triste. Se você pensar que há uma Rainha importante controlada. Quantos mais? – E Nathan passou por algo que não deveria…

– Deveríamos ter algo o esperando de qualquer modo. – Fayre disse um pouco mais eufórica – Uma armadilha ou algo assim. Se a Lavinia pode enxergar tudo o que foi feito em Ravenfall, você pode reverter a Magia sem ele saber, Blair.

– Acalme-se. Estamos falando de um assunto muito delicado. – Polaris disse à Fayre. – Vamos por partes.

Polaris também tinha pensado no Galliard e a proximidade com o pensamento de Blair o fez olhá-la de soslaio com certa profundamente ao se desviar da feroz Fayre. A Maga estava com sangue na boca. Ele sentia a sua vontade de morte sem que precisasse investigar a fundo a sua essência. O Dragão da Matéria se voltou para Torvo, ciente que que ele se mantinha imparcial por motivos de não conseguir decidir por um lado. Torvoethardurg lutara contra a Goetia para proteger Lavinia e quase perecera no processo, usando de todas as duas reservas espirituais e conhecendo seus combatentes mais do que gostaria. Além do mais, Torvo enxergava com facilidade o que os olhos não viam com a sua premunição afiada. Era o segundo irmão que mais odiava a Goetia. O primeiro… Era Polaris.

– Blair preencheu as lacunas que faltavam para você…? – Polaris se voltou para Lavinia que ainda confabulava sobre a afirmação de Blair e dos reis caídos.

O seu coração estava apertado o bastante para doer. A Maga tinha razão e isso era péssimo. A Loba-Maga mordeu o lábio, assentindo:

– Eu… Mais ou menos. – Lavinia se ajeitou na cadeira, afastando os cabelos lisos dos ombros. – O que é possível fazer com esses vórtices energéticos? O que eles são exatamente? Eles não parecem iguais.

– Talvez eu possa ajudar… Eu sou bom em ler energias… – Rhistel disse, observando-os. – O problema é que qualquer movimentação nossa chamará a atenção. Seria melhor aguardar que Laura volte.

– Laura não quer voltar. – Lavinia afirmou, inspirando profundamente.

– Com Laura ou sem Laura, precisamos estar lá para nos certificar. Eu tenho ideia do que possam ser. – Blair disse. – Mas seria bom se não chamássemos atenção…

– É óbvio que Blair deve saber ler a energia, é Wyrm. Ela foi treinada por Koschei. É dele que estamos falando, não? – Fayre disse nervosa. – Não deveria ser um assunto tão delicado.

– Rhistel pode saber ler melhor do que eu, Fayre. – Blair respondeu, insensível e sem entender a súbita revolta da Maga. – Eu não sei de tudo.

– Ok. – Audrey respirou fundo – Acabamos de ouvir que a Seita está desprotegida. Usa sua Correspondência, colhe informações e traga as respostas sem nem sair daqui. – Fayre responde impaciente e diretamente a Blair.

– Não estou lidando com amadores… Ele pode me drenar até ele se sentir minhas linhas Mágikas. Se ele domina tantos focos de Mágika lá, estamos no território dele. – Explicou a fitando – Além do mais, eu não faço mais essas coisas sozinha.

– É uma perda de tempo. – Cruzou os braços sobre a mesa – Você está esquecendo quem você é.

Ao sentir toda a revolta que a Maga despejava, Rhistel se voltou para ela, mirando-a diretamente. Ele não sabia exatamente o que Audrey havia passado em sua vida em relação a facção insana que era a Goetia, mas a dor estava em suas palavras tanto quanto em suas propostas impensadas. O Dragão de Gelo pousando a mão sobre o ombro dela, apertando-o:

– Nós vamos falar com os Versos da Magia e pensar em uma estratégia. A intenção é que ninguém se machuque, Fayre. Todos aqui queremos a mesma coisa… – Rhistel disse calmamente. – Lavinia. – O Dragão se voltou para ela. – Elara era uma grande engenheira Mágika, dominava diversas Esferas. Só… Pessoalmente… Vendo para saber…

– É certeza que o Koschei mexe com a Wyrm? – Lavinia perguntou, de súbito. – Porque eu não tenho certeza.

– Não. – Polaris respondeu de pronto. – Não há certeza de nada. O que sabemos das convicções deles se resume a poder. Nada mais…

Fayre fitou Rhistel por um instante e desviou seu olhar repentinamente entristecido.

– Vocês estão sendo ingênuos. – Ela disse negando – Se tiver uma criatura debaixo dessa Ilha toda, não estaríamos vendo.

Ao se sentir muito emocional, a Maga se ergueu e saiu da mesa sem muito jeito, empurrando a cadeira e caminhando de volta para o quarto.

Blair os escutou e ficou em silêncio, seguiu Fayre com o olhar e voltou a atenção para o próprio prato.

– O que você entende por mexer com Wyrm? Se as Esferas dele são corrompidas? Não, não são… E é o que o torna mais perigoso.

– Ele é perigoso por muitos motivos… – Polaris disse, mas distante, parecendo se deter às suas memorias ao invés de realmente realizar um comentário envolvendo o assunto. Subitamente, voltou a sorrir largamente. – Tudo bem. São ótimas notícias. Deixemos para tratar delas depois do Solstício de Verão. Aprecio a ideia de que não sabem exatamente quem é capaz de quebrar. Recomendo que não use esta habilidade levianamente, Vinny…

A Garou concordou, abraçando-se em seus ombros. Torvo a trouxe para perto, envolvendo-a protetoramente com um dos braços.

– Nathan precisa saber sobre Laura, eu acho… – O Dragão de Gelo se voltou para Blair. – Não sei… Você poderia convidá-lo para ir conosco ver as filmagens e falarmos com ele. Eu acho que isso é importante…

– Eu também acho… – Lavinia comentou, erguendo os olhos para eles. – Neil também.

– Ahm… Neil continua afastado… Ele não falou nem com Nate nem com Blair.

– Hm…? Ele não mora aqui?

Blair sorriu sem graça. – Por que Neil falaria comigo? Ele tem todas as razões para ficar bem longe de mim. – Analisou o carinho entre Torvo e Lavinia e sorriu de canto. Primeira ligação. Devia ser uma relação especial. – Eu acho que Nathan é extremamente sensível ao assunto, embora ele não admita. – Fitou Rhistel – Damos a notícia por aqui… E vemos como ele reage ? Não vejo razões para ele não saber.

– Neil é o seu tio… Está vivo… E vocês estão do mesmo lado agora? – Lavinia franziu o cenho e fechou os olhos brevemente. – Bem. Sei lá. – Ela fez um beicinho. – Você deve saber melhor do que eu a história toda.

– Sim, mas podemos contar depois… Em outro lugar, eu digo. Eu acho que eles gostaria de te ver atuando de qualquer forma. Eu sei que ele guarda muito rancor da Laura. – Rhistel disse, olhando-a.

– Eu não guardo rancores. Só da Goetia… Porque ela me fodeu em nível de dar parabéns. A vida é curta. Encontrei com a Aisha na adega e fui super simpática com ela… E olhem que ela pegou o meu ex-namorado enquanto eu estava com ele. – Lavinia disse, abrindo um sorriso. – Não estou pesando os assuntos, ‘tá? Mas isso foi terrível também.

– Bem, antes meu caso mal resolvido fosse de um ex-namorado ou um filme ruim que eu não queria ter feito. Não é o caso. – Blair respondeu e riu sem ânimo, mas ainda se dispôs de comer uma garfada do waffle encharcado de mel. – E embora o karma não esteja ao meu favor… A vida não será curta para mim. Isso eu espero. – Seus olhos se desviaram brevemente por onde Fayre havia saído, passaram por Polaris e pausaram em Rhistel, procurando conforto e compreensão em seus olhos escuros por alguns instantes.

Rhistel devolveu o olhar dela, estudando as suas palavras. Blair lhe trazia a impressão recorrente de que a última coisa que queria era se meter nesses assuntos novamente… E eles retornavam o tempo todo, querendo ou não.

– Er. Eu não quis dizer que este é o meu pior problema… – A Garou esboçou um sorriso sem graça, franzindo o cenho. – Há uma oportunidadezinha de chegar perto de um desses filhos de uma puta. Eu estou comemorando. – Ela cruzou os braços, voltando-se para a janela. – Qualquer mínima luz, é uma luz… Né?

– É, com certeza… – Polaris respondeu, também observando Blair.

– Eu sei. – Blair concordou com Lavinia, embora não estivesse ansiosa para um reencontro. Eles não sabiam que sua criação foi cuidada pelos três magos, e a relação era familiar e estranha demais para achar que morte era simples. Haviam muitas nuances que não conseguia pensar em como separá-las em sua mente. – E tenho certeza que não estamos longe.

A Maga deslizou a mão pelas pernas e respirou fundo. Olhou para o relógio e depois a mesa.

– Você pode ficar por aqui se quiser e se sentir confortável, Vinny. Ia ser bom ter alguém do cinema. – Sorriu para a Loba, tentando restabelecer o próprio humor – Tem quartos de sobra nesse andar.

– Ah… Sim. Eu tenho que ficar de olho na Laura de qualquer forma, mas posso vir te visitar. Você tem uma casa lindíssima aqui… – A Garou comentou, observando ao redor distraidamente. – A piscina enorme…

– Vinny… Torvo… Chame-me quando for falar com os Versos. Eu quero participar dessa conversa. – Polaris disse, ignorando a gengiva do assunto mais social e erguendo os olhos até a Garou antes de se levantar. – Há questões que imagino que poderei responder melhor do que ninguém. – O Dragão coçou a lateral do rosto e abriu um sorriso maldoso em seus lábios. – Depois do Solstício.

– Tudo bem…

– Claro. – Torvo concordou, inspirando e endireitando-se.

Calado, Rhistel apenas observou os três.

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